Hélio Rotenberg e a história da Positivo Tecnologia

Hélio Rotenberg || Crédito: Roberto Setton

Maior fabricante nacional de computadores pessoais, a Positivo Tecnologia nasceu quase que por milagre, de um braço de um grupo educacional paranaense. Mas o sucesso que a fez crescer na pandemia e se tornar mais lembrada em notebooks do que a própria Apple é bem terreno e tem um responsável de carne e osso: seu presidente, Hélio Rotenberg

Por Paulo Vieira Fotos Roberto Setton

Embora sejam várias as parábolas contadas para motivar times corporativos, elas derivam de poucos temas. Ora são situações que lembram combates bélicos, ora que evocam disputas esportivas renhidas. Há ainda a simulação de desafios que emulam perrengues vividos na natureza. O que poucos autores dessas dinâmicas motivacionais usam como fonte de inspiração são hagiografias – biografias de santos ou outros livros que dão conta de milagres e eventos que demandam mais fé do que entendimento, mais convicção do que lógica. Mas como explicar que uma empresa nascida em Curitiba, de capital nacional, tenha se tornado player no Brasil na fabricação e venda de computadores pessoais, tablets e smartphones senão apelando para um certo misticismo? Num mundo dominado por gigantes como Samsung, Apple, Dell, Acer, Lenovo, Huawei e com poucos concorrentes dentro do Brasil, a história da Positivo é positivamente singular. A empresa, que começou como escola de ensino médio nos anos 1970 e passou a fabricar computadores para atender as demandas de seus próprios alunos, tem hoje uma fatia significativa do mercado de PCs do Brasil. Entre os computadores de entrada, de preço máximo de R$ 1.400, a fatia é na verdade quase o bolo todo: 83,1%, segundo dados públicos da Positivo a partir de aferição da consultoria IDC. Não à toa, a empresa aparece na última pesquisa Top of Mind, levada à cabo pelo Datafolha, que certifica as companhias mais lembradas em vários segmentos. Em “computador e notebook”, a Positivo, sempre equipada com processadores Intel, tem 10% das menções, à frente da Apple e da LG.

Hélio Rotenberg || Crédito: Roberto Setton

Mas excluída talvez a gênese desta história, não há qualquer conjunção mística na trajetória de sucesso da Positivo no mercado brasileiro. Houve, sim, bastante resiliência para enfrentar crises diversas – do Plano Collor à desvalorização do real no fim do segundo governo FHC – e há também o que o eterno presidente da empresa, o curitibano Hélio Rotenberg, considera a grande vantagem comparativa: o entendimento de quem é o consumidor da marca. A Positivo Tecnologia, que se desmembrou do grupo educacional inicial e tem inclusive outra composição societária, fatura cerca de R$ 2 bi anuais, possui fábricas em Manaus, Ilhéus e Curitiba, dois escritórios na China e atua em joint venture na Argentina e em três países africanos. A pandemia fez bem à empresa, que teve performance favorável na venda de seu carro-chefe, o notebook, muito em razão da adesão massiva e inesperada ao home office e ao homeschooling, o que obrigou empresas a renovar ou distribuir computadores para seus colaboradores e levou os pais a comprá-los para seus filhos. Os números do terceiro trimestre de 2020, os últimos publicados, apontam elevação de faturamento e ebtida, recuperação da rentabilidade e redução da dívida da empresa, que se mantém numa relação saudável, de 1,3. Para chegar a esses resultados foi preciso tomar decisões estratégicas, e ter assistido à paralisação das indústrias chinesas quando a pandemia se circunscrevia ao país asiático, ajudou bastante.

Se tudo isso parece, e é, muito mais terreno do que etéreo, vamos logo ao milagre de exceção – e de origem. Voltando a Curitiba de seu mestrado em informática na PUC-RJ, em 1989, Hélio soube que o grupo educacional Positivo contratava professores de sua especialidade. Aos 27 anos, teve uma conversa com um dos fundadores, o hoje senador Oriovisto Guimarães (Podemos), e sugeriu que a Positivo, que lidava com apostilas e cursos de programação, passasse a fabricar computadores; mais ainda, que ele, que nunca havia feito nada parecido em sua vida, chefiasse essa divisão. Oriovisto e seus sócios, todos professores, concordaram. Hélio comanda a empresa desde aquela conversa de 32 anos atrás.

Pode-se argumentar que nada é casual, e que a confiança inusitada no próprio taco fazia do candidato um profissional que qualquer patrão ou sócio daria um baço para encontrar; mas é mais justo com a história dizer que o investimento a ser rateado entre os sócios era baixo, e valia o risco. Difícil era imaginar que daria tão certo. Para Hélio, a Positivo cumpriu sua trajetória especialíssima no mercado brasileiro por um conjunto de razões, entre as quais a informalidade da concorrência, que foi afundando especialmente nos tobogãs das variações cambiais. “É preciso de escala nesse mercado, e nós nos apropriamos dela no momento certo. Isso nos deu longevidade”, disse a PODER, de sua casa em Curitiba, por videochamada. “Além disso, a gente se especializou no nosso target, os brasileiros da classe média. Soubemos entender seus gostos e especificidades. Às vezes, os importadores traziam [equipamentos] com dourados e prateados, e o brasileiro não gosta disso.” Como tantas concorrentes, a Positivo também foi alvo da cobiça estrangeira e recebeu uma oferta firme da chinesa Lenovo no fim de 2008, quando já havia aberto capital na bolsa de São Paulo, mas a proposta foi recusada e a negociação empacou. “O mercado é dominado pelas multinacionais. Poucos países têm empresas que se sobressaem no mercado de computadores”, diz Hélio.

Se cresceu e se solidificou na esteira da classe C, que viveu seu grande momento justamente na primeira década deste século, a Positivo soube diversificar seu portfólio de produtos em busca de um público de padrão de consumo mais elevado. Assim, em 2015, assinou acordo com a japonesa Vaio, que é conhecida pela elegância do design, pela robustez da configuração e principalmente pela parceria já desfeita com a Sony, que fez a fabricante famosa no mundo inteiro. Os Vaio da Positivo são vendidos no e-commerce da empresa a partir de R$ 4 mil, mais do que o dobro de uma linha como a Motion Q, que tem configuração mais modesta.

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CABO DAS TORMENTAS
É difícil imaginar o que pode ser pior para a economia de um país e para a vida de suas empresas do que o Plano Collor, que confiscou patrimônio de tantas pessoas físicas e jurídicas do Brasil – o tal “ippon” que o ex-presidente Fernando Collor prescreveu para combater a renitente inflação do Brasil pré-real –, mas a Positivo enfrentou seu verdadeiro Cabo das Tormentas bem mais recentemente, há cerca de cinco anos, quando o mercado de PCs do Brasil estreitou-se para um terço do que era. Além da crise econômica, pesou o avanço cavalar do smartphone, que a Positivo passou a fabricar, junto com o tablet, produtos que ainda não são dominantes no portfólio da empresa: os dois respondem hoje por apenas 1/3 das vendas de notebooks e desktops. Embora a companhia tenha se reequilibrado em torno de certa ressurreição do PC em 2020 com a pandemia – um crescimento projetado de 6% para uma previsão, antes da Covid-19, de 0,7% –, estes últimos anos foram de boas novidades. Servidores, serviços de storage (infraestrutura para estocagem de dados) e projetos especiais obtiveram relevância. A Positivo desenvolveu máquinas de cobrança da Cielo e ganhou licitação para equipar o TSE com urnas eletrônicas, vencendo uma concorrência vultosa contra um grupo estrangeiro em que ao fim da oferta não faltaram fake news dignas do gabinete do ódio. Além disso, entrou na Internet das Coisas (IoT) e desenvolveu lógica (software) e produtos para casas inteligentes, como lâmpadas que acendem ou apagam segundo uma programação predefinida pelo usuário.

O mercado de informática brasileiro dispõe de certos privilégios fiscais que, se estão longe de ser dignos da indústria automotiva nacional, vem ajudando seus players ao longo dos anos. Mas o que vale para a Positivo vale para os estrangeiros que produzem peças ou montam seus computadores aqui – seja em fábricas próprias, seja através de terceiros. Da mesma forma, vantagens que poderiam ser obtidas quando o dólar se aprecia demais – e que torna inatingíveis objetos de desejo como, por exemplo, o iPhone 12 – são anuladas porque toda a concorrência que vende em real surfa o mesmo swell de maneira equivalente. “É uma briga de “foice”, diz Hélio. Se a Covid acabou gerando boas notícias econômicas para a Positivo, o repique da doença em todo o Brasil e especialmente em Manaus, onde estão 540 funcionários, gera muita preocupação. Com o lockdown na capital manauara, o turno noturno de trabalho teve de ser encerrado e foram implementados protocolos de segurança inimagináveis, como baias individuais de acrílico no refeitório e transporte próprio para a massa. De toda forma, se a Positivo foi muito afetada pela pandemia, ela foi, principalmente, comenta Hélio, “pelo excesso de demanda”. “Fazer a empresa crescer e motivar todo mundo a partir do home office foi um grande aprendizado. Teve adrenalina para todos os lados.” Com todo o time administrativo em suas casas desde março, o presidente só foi conhecer o novo CFO da empresa recentemente. Houve também ações fora do “pipeline” que ajudaram a salvar vidas. Em abril, a Positivo se juntou a outras como Suzano e Embraer para multiplicar a capacidade produtiva brasileira de ventiladores pulmonares, numa ação emergencial celebrada pelo então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que chamou a Positivo de “gigante brasileira”. Hélio considera que a principal função do líder é “tomar decisões” para apontar ao time o caminho a ser seguido. Para ele, omitir-se é o pior dos mundos, pior até do que tomar as decisões erradas – e corrigi- las depois, claro. Mesmo assim, não sabe opinar sobre o “dilema ético” da compra das vacinas contra a Covid-19 pelas empresas, que parece ter defensores e detratores em igual medida. De qualquer forma, o assunto vem sendo discutido pela associação empresarial do setor e também em conversas internas. Hélio teme que a decisão, por exemplo, de respeitar a precedência do sistema público na vacinação, possa não ser levada a cabo por um concorrente, e isso conturbe o ambiente interno. “É um tema que não é muito preto no branco.” Quanto à diversidade, assunto com o qual qualquer executivo brasileiro hoje tem de lidar, a Positivo vai à frente. O setor de tecnologia no Brasil é predominantemente masculino, mas a empresa tem mulheres no C-Level. “Nunca fomos agnósticos nisso. Das seis pessoas do comitê executivo, duas são mulheres, isso é inédito na nossa área”, diz o presidente. Equidade racial é uma questão mais espinhosa, segundo ele, pela conformação populacional de Curitiba, uma cidade “predominantemente branca”. “Mas temos vários não brancos na empresa.” Raros são os segmentos econômicos que se transformam mais rápido do que o de tecnologia e, para Hélio, o maior risco que corre, 24 horas por dia, sete dias por semana, 365 dias por ano, é se tornar obsoleto. Por isso, diz, há a manutenção dos dois “branchs” na China, as visitas à CES, a grande feira de tecnologia aplicada ao consumidor de Las Vegas, e o estímulo para que seus executivos viajem. Ele não consegue visualizar a Positivo daqui a dez anos, mas as variáveis a enfrentar até 2026 já vão sendo esquadrinhadas num plano estratégico que visa solidificar a posição da companhia nos mercados em que atua, além de dar ênfase no ecossistema geral mais ampliado – da casa inteligente à armazenagem de dados e desenvolvimento de soluções específicas, como as para a Cielo e para o TSE. Com tudo isso, para quem imagina encontrar nas fábricas de computadores da Positivo cenários que possam evocar a casa dos Jetsons, a fotografia real pode ser pungentemente século 20. Mesmo com a crescente automação das linhas, o futuro, como em todo lugar, vai se infiltrando aos poucos, nas mentalidades, na incubação de startups, nos insights produzidos em reuniões de rotina e, às vezes, muito às vezes, na própria materialização de um produto ou solução 100% pensada para as demandas nacionais, como uma pulseira de geolocalização para ser usada por alunos, dando tranquilidade a pais e informações relevantes para gestores. O maior inimigo do Schood, o nome do artefato, foi paradoxalmente a “aliada” Covid-19, que tornou a invenção ociosa em 2020. Felizmente, pandemias vêm e vão, e o que poderia ser obsolescência é apenas, digamos, ostracismo. Surfar o futuro pode ser, assim, menos glamouroso do que parece, talvez se traduza apenas por saber criar as condições para não ser pego no contrapé no dia seguinte. Pensamento positivo é bom, mas nem sempre é suficiente.

Hélio Rotenberg || Crédito: Roberto Setton

 

 

TEMPOS FAVORÁVEIS
A pandemia foi benéfica para a indústria brasileira de computadores pessoais. Segundo dados da consultora internacional IDC, de uma previsão antes da Covid-19 de crescimento de 0,7%, o resultado final deverá ficar em 6%. O coronavírus mudou tudo, criando abruptamente uma enorme demanda para o trabalho doméstico e para o homeschooling. “E há uma previsão de que o setor no Brasil cresça em 2021 8% sobre 2020, enquanto neste ano o mercado global não cresce”, disse a PODER Reinaldo Sakis, gerente de pesquisa e consultoria desse segmento da IDC. Reinaldo comenta que a demanda por desktops ou notebooks em 2020 foi tão intensa que os fabricantes de componentes básicos como processadores não deram conta dos pedidos que chegavam de todo o mundo. As cadeias globais, assim como no caso dos insumos da indústria farmacêutica, começam na Ásia, China especialmente, onde esses produtos são fabricados. Os players não chegaram a perder negócios, mas houve atrasos, e a situação só deve se normalizar no Brasil a partir de março. Mas mesmo com tantas boas notícias, o mercado doméstico de computadores pessoais deve fechar 2020 com a venda de 6 milhões de unidades, um número diminuto diante de 2011, quando foram comercializados 15,8 milhões desses aparelhos. A partir de pesquisas do IDC, Reinaldo comenta que as motivações de compra eram principalmente “navegar na internet” e “utilizar redes sociais”. Quando foi possível fazer tudo isso no celular, uma nova era se abriu. Hoje, a cada computador pessoal vendido, nove smartphones chegam às mãos dos brasileiros.

 

URNAS DA DISCÓRDIA
Uma certa obsessão faz com que Jair Bolsonaro veja nas urnas eletrônicas a potencial fonte de fraude que pode pôr em risco sua reeleição. Assim, ter pedido o retorno do voto impresso, ou ao menos a comprovação em papel dos votos de cada urna eletrônica, não só ficou no campo da tagarelice como se tornou uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) da deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-SP), PEC que pode vir a entrar na pauta a depender dos humores e da subserviência do novo comandante do Legislativo. A Positivo, que desenvolve urnas eletrônicas segundo as especificações do TSE para 2022 – e pode oferecer nessas urnas a entrada para a impressora desejada –, participou de um certame e foi vencedora com uma proposta de R$ 800 milhões, cerca de metade da concorrente. Quando isso aconteceu, uma bateria de fake news foi disparada dando conta de que a Positivo havia sido adquirida por uma empresa da China, o país das bestas-feras. E a suposta compradora era a mesma Lenovo, que, de fato, chegou a iniciar negociações com a brasileira, mas em 2008. A narrativa deu corda aos apoiadores bolsonaristas e foi cabalmente desmentida por Hélio Rotenberg. Ainda que o tema seja de competência legislativa, o senador Oriovisto Guimarães preferiu não conversar com a PODER. Ex-fundador da Positivo, o parlamentar não tem mais participação acionária na empresa.