Por Antônio Carlos de Almeida Castro*
“Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho”
Pessoa na pessoa de Alberto Caeiro
Quando, em 2007, completei 50 anos, fiz uma festa tendo a poesia como mote. O Brasil à época, embora com suas desigualdades históricas, era um país não dividido pelo ódio, não governado pela violência, e ainda se podia comemorar. Montei uma tenda, inspirado no Museu da Língua Portuguesa, onde as pessoas sopravam pequenos canos e versos eram projetados nas paredes, e os poemas se formavam em letras que dançavam no ar.
Contratei uma professora de literatura que fez uma pesquisa em todos os sebos de Belo Horizonte e encontrou 670 livros de poesia. Eu me dei de presente 500 deles. A poesia sempre habitou a minha vida. No meu convite para a festa, que era um livro com poesias selecionadas por mim, escrevi:
“A poesia é um dique para não transbordarmos,
uma pá para recolhermos os escombros,
um sonho para as noites em desvario,
um disfarce para sermos o fingidor,
um mote para distrair-nos do eterno,
ou simplesmente a companheira de todas
as horas.”
No Brasil de hoje a intolerância tomou as rédeas do governo e do país. A sociedade está dividida e o diálogo deu lugar a práticas autoritárias. E para completar, vivemos o drama da pandemia. O isolamento social fez de cada um de nós pessoas consumidas pela angústia e por crises existenciais. Nesta hora, como sempre, a poesia passa a ser nossa fiel companheira.
Nos últimos meses, para encontrar uma fuga desse túnel sufocante, criei uma doce rotina. Todos os dias, quando o sol se põe, recito o que resolvi chamar, brincando, de “poesia ao cair da tarde”. Escolho as poesias dentre as centenas de livros que mantenho espalhados pelo meu escritório. Para recitar cinco, leio, às vezes, 50 ou mais. Depois encaminho para listas de transmissão com amigos. Para mim, deixou de ser uma fuga e passou a ser uma saída e uma maneira de manter a lucidez.
Se deixarmos a desilusão tomar conta da nossa vida, não sairemos deste círculo de giz invisível que nos aprisiona e nem romperemos esse muro denso de mediocridade e de violência. Temos que nos socorrer do velho Graciliano Ramos:
“Comovo-me em excesso,
por natureza e por ofício.
Acho medonho alguém viver
sem paixões.”
Essa resistência amorosa é uma maneira de nos posicionarmos. Respeitando os múltiplos poetas que habitam em nós. Sem pretensão, mas sem medo de deixar florescer os diferentes nós que teimam, vez ou outra, se deixar existir, despretensiosamente. Nada como observar o matuto Manoel de Barros, nosso Caeiro brasileiro: “E aquele que não morou nunca em seus próprios abismos, nem andou em promiscuidade com seus fantasmas não foi marcado. Não será marcado. Nunca será exposto às fraquezas, ao desalento, ao amor, ao poema”.
*Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay, é advogado criminalista e amante da poesia