Chamado por Jair Bolsonaro para melhorar a percepção das realizações do governo, o deputado licenciado Fábio Faria, titular do recriado Ministério das Comunicações, lança pontes com a imprensa tradicional, vista como adversária por muitos dos apoiadores do presidente, e atua nos bastidores políticos para destravar tensões no Congresso, naquilo que ele chama de “intriga do bem”
Por Paulo Vieira Fotos Orlando Brito
Se a força de um ministro pode ser avaliada por quem prestigia sua posse, o deputado licenciado Fábio Faria, do PSD, titular da pasta das Comunicações desde meados de junho, é, como diria em outros tempos Barack Obama, “o cara”. Em 17 de junho, numa cerimônia no Palácio do Planalto, Faria teve seu discurso ouvido pelo presidente Jair Bolsonaro e por representantes máximos de outros poderes. Pelo Legislativo, Rodrigo Maia; pelo Judiciário, Dias Toffoli e João Otávio de Noronha, então presidentes do STF e do STJ. Também ali estiveram tycoons da mídia como Johnny Saad (Band), Paulo Tonet Camargo (Globo), José Roberto Maciel (SBT), Amilcare Dallevo e Marcelo de Carvalho (RedeTV). A esposa Patricia Abravanel, com quem o ministro tem três filhos pequenos, pôde ter aproveitado a ocasião para trazer o “salve” do sogro Silvio Santos. Uma turma do futebol também compareceu – dos jogadores Felipe Melo e Alexandre Pato (que é concunhado de Faria) ao presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, que se tornou íntimo do Planalto por conta da Medida Provisória 984, também conhecida por “MP do Flamengo”, que transfere ao clube mandante os direitos de transmissão de suas partidas. Mais do que pelo naipe de convidados do beija-mão, a força de Faria ficou expressa pela própria recriação da pasta das Comunicações. Na simbologia da posse de Bolsonaro, em 2019, a redução do número de ministérios e a suposta economia gerada por esse ato eram uma insígnia, e, assim, a pasta que hoje é encabeçada pelo deputado foi incorporada à da Ciência e Tecnologia, sob o comando de Marcos Pontes.
Filho do ex-governador do Rio Grande do Norte Robinson Faria, e em seu quarto mandato consecutivo como deputado federal por esse estado, o ministro foi convocado por Bolsonaro, como explicou em entrevista a PODER, no seu gabinete, em Brasília, para “unificar a comunicação e melhorar a percepção das pessoas em torno das realizações e das entregas do governo”. Para isso, é fundamental azeitar a relação com a mídia profissional – ou tradicional, com quem o governo nunca viveu exatamente em harmonia. Em seu discurso de posse, Faria saudou o setor. “O dinamismo dos canais fechados, a força e abrangência da TV aberta, que levam informação e entretenimento, são verticais importantes de política pública (…) E os jornais, que tanto ajudam a aprofundar as reflexões da sociedade, somados à internet, formam o símbolo da liberdade de expressão”, disse na ocasião.
Faria ocupa o prédio da Esplanada dos Ministérios com a melhor vista de Brasília. Com a vizinhança imediata do baixinho Palácio da Justiça, de seu gabinete no nono andar não há impedimento para dali ele avistar o Congresso Nacional e, mais além, o Alvorada e o lago Paranoá. A amplitude de mirada pode ser, aliás, mais do que literal. Com trânsito no Congresso e desde o ano passado interlocutor frequente de Bolsonaro, especialmente quando o diálogo entre o Executivo e o Legislativo entornava, Faria foi saudado por Rodrigo Maia como uma conquista política de Bolsonaro. “É uma boa escolha. Ajuda, é um político que tem uma boa relação.” Mas o ministro, ainda que participe de uma espécie de núcleo duro do governo, refuta o papel de “articulador político” que, segundo ele, cabe à “Segov (Secretaria de Governo) do ministro [Luiz Eduardo] Ramos e aos líderes no Congresso”. Faria diz que faz “boa política”, ou o que chama de “intriga do bem”, algo que consiste em “falar bem do outro para as pessoas”. Ele diz que procura desanuviar tensões e dá como exemplo as contendas entre Rodrigo Maia e o ministro da Economia, Paulo Guedes. “Se eu tenho uma boa relação com os dois, e os dois têm uma agenda comum, o que faço é marcar um almoço, ou um jantar, chamar para um café.”
No caso específico talvez seja necessário mobilizar uma série interminável de festins e banquetes, mas reconheçase que o diálogo com o Congresso vem ficando bem mais fluido com a nova configuração de líderes parlamentares, entre eles o senador Eduardo Gomes (MDB) e o deputado Ricardo Barros (PP), este um expoente do Centrão, o grupo parlamentar que tem no adesismo sua marca. Barros foi ministro de Temer e líder nos governos FHC e Lula. Por isso talvez caiba mesmo a Faria o trabalho pesado na seara da comunicação, já que melhorar a percepção de um governo que já hostilizou jornalistas e usa as redes sociais por vezes com certa beligerância não é para qualquer um.
Para complicar, há que se levar em conta a enorme base digital de seguidores de Bolsonaro, crucial para lhe garantir a vitória nas eleições de 2018 e ainda extremamente aguerrida, que não fica exatamente feliz quando bandeiras brancas são levantadas na direção de quem essa mesma base chama de adversários.
Em seus primeiros dias como ministro, Faria pôde ter uma ideia do que viria pela frente ao anunciar, num tuíte, um “tour” pelas redações de Folha de S.Paulo, CNN, UOL e Veja, entre outras, num “compromisso com a transparência e com cada cidadão” e para “unir o país pelo bem comum”. O tuíte gerou reações. “Aproximação com os inimigos?”; “Água e óleo não se misturam”; “Se não leva propina, não adianta”; “Não tem trabalho aí?”; “A imprensa quer dinheiro”, eis alguns comentários em meio a desejos de boa sorte.
Se o fogo amigo foi duro, no campo “inimigo” a resposta foi animadora. Sérgio Dávila, diretor de redação da Folha de S.Paulo, jornal que foi seguidas vezes objeto de ataques de Bolsonaro – o presidente chegou até a pedir boicote financeiro do empresariado contra a Folha –, disse a PODER que “a ida de um político habilidoso como Faria ao Ministério das Comunicações é necessária num governo de relações turbulentas, para dizer o mínimo, com a imprensa profissional”. Em nota assinada por Paulo Tonet Camargo, vice-presidente de relações institucionais, o Grupo Globo disse que “a relação [do grupo] com o governo melhorou muito desde a posse do ministro, que tem estado à altura da importância dos setores das telecomunicações e da radiodifusão no Brasil”.
Marcelo Rech, presidente da ANJ, a Associação Nacional de Jornais, também saudou a entrada de Faria na Esplanada. “Sua posse já mostra uma mudança de sentido, uma quebra na lógica do conflito permanente. O ministro tem o perfil do diálogo.” Já para o jornalista e professor da Escola de Comunicações e Artes da USP e ex-presidente da Radiobrás no governo Lula Eugênio Bucci, ao mesmo tempo que é salutar a chegada de um “político com trânsito no Congresso”, “o engajamento da pasta em interesses de imagem e comunicação política do governo não é bom para um ministério que deveria se ocupar de infraestrutura, sem envolvimentos partidários”.
Tanto no discurso de posse como em dezenas de outras manifestações, Faria faz questão de saudar o chefe, um homem “sincero, que tem coragem de não ficar em cima do muro, que nem respira para falar”. Isso vale inclusive para os dias em que o presidente volta a se indispor com jornalistas – a coleção desses eventos é variada, mas desde a chegada do novo ministro tornaram-se menos frequentes.
Para Faria, quando esses incidentes ocorrem, eles acabam dominando a “pauta central” dos noticiários, e eclipsam as realizações do governo. “É o conflito, a fofoca que vende, e a percepção das pessoas é a de que estamos vivendo num conflito e o governo não está agindo.” A seguir, os principais pontos da entrevista.
A MISSÃO
“O presidente teve mais contato com a imprensa em um ano do que todos os presidentes tiveram no passado, ele saía todos os dias para falar no cercadinho [do Palácio da Alvorada]. Ele queria falar tudo de forma sincera, como ele é, mas no fim do dia estava sendo ruim para ele e para o país, porque a pauta central era o conflito, e o que a gente precisava não era saber se o presidente colocou uma criança no colo, se colocou máscara, mas saber o que o governo faz para salvar milhões de empregos, o que faz para que as pessoas não passem fome. É o conflito, a fofoca que vende, e a percepção das pessoas é a de que estamos vivendo num conflito e o governo não está agindo. A pacificação faz com que se melhore a percepção do governo.”
O PRESIDENTE SINCERO
“[O presidente tem a] coragem de não ficar em cima do muro em nada. Ele nem respira para falar, fala sobre tudo, se você fizer um histórico dos presidentes do Brasil, ou os governadores dos grande estados, se eles forem dar uma declaração amanhã, eles contratam uma pesquisa qualitativa, testam a palavra. O presidente não tem pesquisa nenhuma, quem faz os discursos dele é ele, desde o começo da pandemia manteve a mesma posição, a de que [o nosso] problema é salvar vidas e [cuidar da] economia. Foi altamente criticado, mas hoje alguns dão razão a ele. É a pessoa que quando erra muitas vezes pede desculpa, volta atrás em alguns pontos. Eu vejo hoje um grande ativo que vem da popularidade das ruas, ele é aplaudido porque as pessoas veem verdade no presidente.”
A MISSÃO 2
“[O governo] não pode funcionar por decreto, precisa aprovar leis, implementar pauta. Se o presidente tem prerrogativa de pautar, até porque foi o vencedor das eleições, precisa de maioria no Congresso, e para isso tem de saber comunicar. Se vai ter reforma tributária, ou administrativa, precisamos comunicar essas reformas. Na pauta conservadora do presidente, a gente precisa utilizar os veículos [de comunicação], fazer com que deputados e senadores se sintam confortáveis [para votar]. Na reforma da Previdência [em 2019], houve união de toda imprensa, o que deu conforto, e o presidente nas redes conseguiu travar esse debate. As pessoas estão vendo que ele não vai abandonar discurso de campanha, não vai retroagir nas pautas, muito pelo contrário, então precisa dialogar. Eu trago feedback para o presidente, faço a leitura da imprensa.”
O MICO-LEÃO DA AMAZÔNIA
“Acho que o brasileiro precisa ser mais patriota. Quando tem um vídeo que ninguém sabe de onde vem falando mal da Amazônia, ele ganha aderência porque vai prejudicar o governo Bolsonaro, mas na verdade prejudica os filhos e netos da pessoa que o distribuiu. Eu acho que a gente tem de vibrar mais com os vídeos positivos, não com os negativos. No caso do vídeo que o ministro [do Meio Ambiente] Ricardo Salles e o vice-presidente Mourão postaram [mostrando um mico-leão, endêmico da Mata Atlântica, e creditando-o à Amazônia, para defender que a situação na região não está tão problemática], acho que eles vibraram tanto que não fizeram uma checagem, porque é um bombardeio tão grande… Queremos entrar no debate da preservação. A agricultura não precisa do desmatamento ilegal, precisamos falar [isso] para a Europa, entrar nos Estados Unidos, então se a gente colocar R$ 200 milhões para comunicação internacional, conseguimos que milhões de dólares em fundos invistam no país.”
A CONCESSÃO DA GLOBO
“Nunca tratei disso com o presidente, até porque a decisão é 100% técnica, não existe decisão política sobre isso, se estiver tudo bem, a concessão será mantida, e também teria de haver [votação] de 3/5 do Congresso [na verdade são 2/5 dos deputados e senadores]. O presidente me pediu para ajudar o governo, jamais para tratar de concessão. A gente vai sempre ouvir a secretaria de radiodifusão, toda a espinha dorsal da minha equipe é técnica, veio da Anatel. Com uma boa área técnica no suporte, consigo estar livre pra fazer pontes com a imprensa.”
AUTOCRÍTICA DA IMPRENSA
“Todo mundo gosta de falar coisas ruins do governo, por isso a autocrítica tem de servir para o outro lado também. Se pergunto isso, por que também não falar das coisas boas do governo? Parece que o governo não tem nada de bom, isso atrapalha, enfurece um pouco. Tento defender em todos veículos em que vou que, se tiver [algo] negativo, pode publicar, mas publica também o positivo, a população tem de saber as notícias ruins, as factuais e as boas também, é muito fácil a gente escolher 30 ou 40 perguntas todas negativas ou todas positivas, chapa branca de um lado é ruim, do outro, também. Já tem acontecido de os ministros falarem, se vai ter uma hora negativa de jornal, se tiver entrevista com o ministro Paulo Guedes, vão ser 50 minutos negativos e dez positivos, o ministro tem muita coisa para mostrar.”
PASSA OU REPASSA
Pai de três filhos pequenos – Pedro, Jane e o caçula Senor, de mesmo nome do avô, mais conhecido como Silvio Santos –, Fábio Faria disse a PODER que a vontade de ficar mais tempo com a família em São Paulo é razão suficiente para interromper a carreira política em 2023, quando expira seu mandato na Câmara. Ele afirmou não pretender concorrer a um novo termo como deputado federal e excluiu, na conversa com a reportagem, o desejo de governar seu estado, o Rio Grande do Norte. Admite candidatar-se ao Senado, embora isso “não esteja no radar”. “A possibilidade aí não é tão nula quanto para o governo.” Apesar disso, o ministro mantém-se ativo no Twitter e nos meios de comunicação potiguares, fazendo diversos contrapontos a decisões da governadora Fátima Bezerra, do PT, partido que ele apoiou nos anos Lula e no começo da gestão Dilma. No ministério Bolsonaro, Faria tem a companhia de um conterrâneo, o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, que viaja costumeiramente com o presidente pelo Brasil a inaugurar obras. Marinho, que não conseguiu se reeleger à Câmara em 2018 por ter ficado marcado como o relator da reforma trabalhista, vem mantendo posição contra a austeridade um dia professada pelo ministro Paulo Guedes e sua equipe, e pode se tornar um candidato viável em 2022, caso Bolsonaro siga popular. Resta saber qual missão eleitoral o presidente irá delegar a seus ministros.
TRINCHEIRA
À frente das Comunicações, Fábio Faria tem levado seus pares a falar com a imprensa tradicional. Assim, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, esteve no Conversa com Bial, da Rede Globo. Na apresentação, o jornalista Pedro Bial disse que a “maioria silenciosa se apaixonou por ela”. Damares, que é evangélica, pôde afirmar na entrevista sua luta pela “garantia da liberdade religiosa e laicidade do estado”, temas com que disse ter afinidade histórica. Ao jornal O Estado de S. Paulo, outro ministro, Milton Ribeiro, da Educação, causou polêmica ao associar a homossexualidade (usou a palavra “homossexualismo”) de adolescentes a um ambiente de falta de atenção paterna. A manifestação lhe valeu por parte da Procuradoria-Geral da República abertura de inquérito por homofobia. Quanto a Faria, ele vem discorrendo também sobre assuntos centrais de sua pasta, mas que ficam eclipsados pela defesa dos pronunciamentos do governo. Cabe ao ministro dar curso ao processo de escolha da empresa responsável pela implantação de tecnologia 5G no Brasil – e ele tem dito que a decisão, dados os desdobramentos geopolíticos, será de Bolsonaro – , e é responsável ainda por tocar a privatização dos Correios, tema que terá de levar ao Congresso. Outro ponto de atenção é a democratização de acesso à internet entre os “20% de brasileiros” que estão fora do sistema.