Por Ana Elisa Meyer
Quando se pensa na mais famosa escola de design, arquitetura e artes do século 20, a Bauhaus, aquela que deu à forma o papel de protagonista máximo – “forma é função”, professava o mote que se tornou histórico –, logo vem à mente nomes como os de Walter Gropius, Wassily Kandinsky, Paul Klee, László Moholy-Nagy, Mies van der Rohe e Marcel Breuer. É bem mais fácil lembrar desses notáveis homens da Bauhaus do que das artistas mulheres da Bauhaus, as igualmente notáveis Gunta Stölzl, Lilly Reich, Anni Albers, Marianne Brandt e Alma Siedhoff-Buscher.
Criada em Weimar, na Alemanha pré-hitlerista, pelo arquiteto Walter Gropius, a Bauhaus se tornou um símbolo do ensino e da pesquisa de arquitetura e design da Era Moderna. Foi também uma das primeiras escolas do mundo a aceitar pessoas do sexo feminino, que rapidamente se tornaram maioria na instituição. Elas vinham atraídas pela possibilidade de estar num espaço em que não havia “diferença entre o sexo belo e o sexo forte”, de acordo com Gropius. Mas, apesar do ambiente vanguardista e da própria “promessa” de seu fundador, a escola não escapou do machismo acadêmico e artístico vigente.
Depois de completar o primeiro ano, comum para ambos os sexos, as mulheres se viam impossibilitadas de se matricular em diversos cursos. Eram encaminhadas às oficinas de tecelagem, encadernação ou cerâmica, artes consideradas menores. A seleção as discriminava pela infame razão de que não seriam capazes de “lidar com problemas que envolvessem mais de duas dimensões”
A regra arbitrária e absurda precisou ser driblada para que elas tivessem acesso aos nichos protegidos das disciplinas ligadas à arquitetura e ao design.
AS GRANDES TECELÃS
Apesar da tecelagem não ter sido a primeira escolha de Gunta Stölzl ao entrar para a Bauhaus, ela conseguiu ir bem longe com suas tramas, além de ser a única a transpor todas as etapas da formação. Gunta entrou em 1919, concluiu o curso e se tornou professora oito anos depois. Também chegou aos cargos de mestre de ateliê e diretora do ateliê têxtil, neste como a primeira mulher. Entre muitos outros trabalhos, Gunta projetou o estofamento da famosa cadeira Wassily, criada por Marcel Breuer em 1926. Por causa da ascensão do nazismo que se tornara cada vez mais presente nas instituições alemãs, ela acabou por abandonar, em 1931, a escola e buscar novas possibilidades de trabalho na Suíça. Lá, pôde prosseguir sua carreira como designer têxtil e mais tarde fundar seu próprio ateliê.
Outro grande nome da escola, Anni Albers matriculou-se na Bauhaus em 1922 para estudar pintura, mas as barreiras discriminatórias fizeram-na parar no infalível ateliê têxtil. Mesmo assim, seu forte desejo de expressão apareceu na lida com os tecidos, em composições abstratas de grande beleza. Em 1933, quando o partido nazista fechou, de forma traumática, a vanguardista Bauhaus, Anni e seu marido, o celebrado artista plástico e então professor da escola, Josef Albers, rumaram para os Estados Unidos. Lá, Anni continuou experimentando livremente sua arte, começando a desenhar tecidos em nova escala e atendendo pedidos de grandes empresas como Knoll e Rosenthal. E, em 1949. viveu seu grande momento: foi a primeira artista mulher da área têxtil a ter suas obras expostas numa mostra individual no Museu de Arte Moderna, o MoMA, de Nova York.
Em razão da restritiva política de gênero da Bauhaus, algumas mulheres precisaram lutar para frequentar oficinas que permaneciam reservadas apenas para os homens. Ao chegar à Bauhaus em 1922, Alma Siedhoff-Buscher foi encaminhada para o ateliê de costura. Sua trajetória a partir daí foi modelar. Em 1923, também driblando as normas internas, foi aceita no curso de marcenaria, disciplina que era também exclusiva da ala masculina. Uma vez lá, Alma se destacou criando móveis e, sobretudo, brinquedos de grande inventividade. Um deles se tornou bastante popular, o Bauhaus Bauspiel, um jogo de peças de montar confeccionado em madeira pintada. Esse brinquedo marcou um momento de grande sucesso para a sua criadora, mas também para a própria Bauhaus. Infelizmente, Alma não pôde exercer seu indiscutível talento por muito tempo, pois morreu durante a Segunda Guerra Mundial, num ataque aéreo perto da cidade de Frankfurt. Seu Bauhaus Bauspiel seguiu muito admirado e é produzido e comercializado até hoje.
O prestígio da escola atraiu, em 1924, outra aluna, Marianne Brandt, que também precisou buscar atalhos para conseguir espaço em disciplinas de seu interesse. Tal como suas colegas, ela foi “enviada” para o ateliê têxtil, mas ela não sossegaria até conseguir uma vaga no ateliê de metal, dirigido pelo fotógrafo e pintor húngaro László Moholy-Nagy. Marianne tornou-se uma multiartista: era pintora, escultora, designer industrial e fotógrafa. Consagrou- -se criando objetos comuns e utilitários como bules e luminárias, que logo ganharam as ruas e se tornaram icônicos. Após a Segunda Guerra, Marianne se dedicou a ensinar arte e design na Faculdade de Arte de Dresden. Na década de 1970, voltou a trabalhar com fotografia, campo em que foi uma das pioneiros a retratar naturezas-mortas. Ocupando um cargo muito disputado pelos próprios homens, uma das poucas professoras da Bauhaus foi Lilly Reich. Diferentemente das outras mulheres, já era arquiteta e designer quando chegou à celebre escola. Colaboradora próxima de Mies van der Rohe, Lilly foi convidada, em 1932, pelo arquiteto, então diretor da Bauhaus, para lecionar na escola de Dessau e dirigir a oficina de design de interiores e mobiliário. Dos 13 anos de colaboração da dupla nasceram importantes projetos como o Pavilhão Alemão para a Exposição Internacional de Barcelona de 1929, as casas Tugendhat e Lange. Ela é também coautora de peças consagradas de mobiliário moderno, como as celebradas e continuamente produzidas cadeiras Barcelona e Brno. A produtiva parceria entre Mies e Lilly terminou quando ele emigrou para os Estados Unidos em 1937. Lilly, que continuou na Alemanha, foi professora na Universidade de Berlim e permaneceu em seu estúdio de design e arquitetura até sua morte, em 1947.