GALÃ DE CARNE E OSSO

Aos 44 anos – e 25 de televisão –, Fábio Assunção volta a protagonizar uma novela depois de se recuperar de problemas com drogas. Nada vaidoso, ele traça um raio X sereno de sua trajetória

Por Fábio Dutra
Fotos Maurício Nahas

Fábio Assunção parece seguro de si. Veste jeans, camiseta e tênis, óculos escuros de armação vermelha que dificilmente sairiam em um editorial de moda de alguma revista especializada, e cumprimenta todos de forma simpática e natural, sem a timidez inicial que acomete pobres mortais que chegam a um ambiente desconhecido. Ele saca os óculos, fita os repórteres com os magnéticos olhos azuis arregalados e responde tranquilamente a todas as perguntas. A impressão inicial se mantém, mas o clichê se dissipa no ar: ele está, sim, confortável nos próprios sapatos, mas nada a ver com o perfil canastrão de quem se sente deus entre seres humanos. Fábio Assunção tem uma visão bastante sóbria de si, em todos os aspectos, em um grau tal que fica no limiar entre humildade autêntica e melancolia. Ele fala com a mesma tranquilidade sobre a fama e o dinheiro – que não são seus motivadores –; os trabalhos como diretor de teatro (a peça Dias de Vinho e Rosas que acaba de sair de cartaz é o mais recente) e a parca formação formal no assunto – foi aprendendo por assimilação de – pois de muitos anos trabalhando entre feras –; os livros – que adora e dá a maior importância, mas lê muito me – nos do que gostaria por ser muito agitado e só conseguir se dedicar a isso na hora de deitar –; a pouca referência no cinema – nunca estudou sistemática e linearmente os grandes filmes e vê coisas pontuais aqui e ali como alvos a serem perseguidos, como Marlon Brando ou Jim Carrey –; e drogas – assunto recorrente que ele encara sem moralismo e sem preocupação com a questão da cura. Nem o aparente declínio da televisão e a ascensão dos youtubers, que podem legar às grandes estrelas de hoje o ostra – cismo, parece preocupá-lo: “Se eu for esquecido vou para uma praia, curtir a vida”, diverte-se.

TOTALMENTE À VONTADE

A televisão, aliás, é seu habitat. Ele descobriu o teatro quando foi levado a uma aula do Centro Cultural São Paulo – “eu logo vi que queria fazer parte daquilo, as pessoas se tocavam muito, se abraçavam, era uma energia muito forte e fui para o teatro pelo afeto” – e se inscreveu em curso de dois anos na Fundação das Artes, em São Caetano do Sul. No fim do primeiro ano já havia passado em um teste para a novela Meu Bem, Meu Mal – sua atuação foi um sucesso estrondoso e ele não voltou mais à escola. Apesar disso, nunca foi contestado como ator, foi muito elogiado pela crítica como diretor das peças que montou e virou até comediante dos melhores, o que nega: “Eu vivia um cara mal-humorado, cheio de problemas familiares, que trabalhava à noite e de dia estava sempre cansado, não era comédia. O grande barato de Tapas & Beijos era justamente que os personagens eram reais, estavam na batalha. Estava todo mundo errado, fazendo coisas erradas, mas o público perdoava porque eles claramente fariam de outro jeito se pudessem, se tivessem tido oportunidade. Era luta para fechar a conta do fim do mês. Não era errado porque não era como um cara que teve uma puta educação, todas as condições, e escolhe o malfeito”, reflete. Pensamos que o papo vai entrar em política, mas ele prefere não se engajar: “Eu acho que você tem de falar de política quando você tem muita certeza e convicção do que está falando. Eu não posso defender uma causa que eu não tenha absoluta certeza e, hoje, no Brasil, me sinto tendo certeza de nada politicamente”, afirma, mantendo a postura de quem sabe seus limites.

“Muita gente fala sobre drogas com hipocrisia, como se fosse uma questão moral. A humanidade nunca vai estar curada, é um processo. E eu estou em processo de aprendizagem, aprendendo todo dia a ser um cidadão melhor, a me cuidar melhor, a curtir mais o presente”

Apesar de estar há muitos anos sendo extremamente bem remunerado, o ator não é afeito a grandes investimentos ou em fazer as vezes de empresário. Diz que dinheiro nunca foi sua grande motivação e que a vida financeira é saudável, mas não se atém ao assunto. Prefere falar mesmo de atuar. E conta da nova empreitada no cinema, A Magia do Mundo Quebrado (a ser lançado em 2016), em que atua ao lado de João, seu filho de 12 anos – de quem fala o tempo inteiro. Com um filho pré-adolescente e o histórico do drama público da dependência química, é de se pensar se o tema drogas é tratado entre pai e filho. Ele diz que João nunca tocou no assunto, mas que falará tranquilamente sobre isso quando ele quiser saber. Se o filho ainda não quis perguntar, nós queremos: “Isso me marca e vai me marcar para sempre, mas começo a pensar que isso até é uma coisa positiva, dá dimensão para a minha vida. Você não está entrevistando um tipo chapa-branca, acho que carrego realmente mais bagagem”, analisa. E segue, deixando claro que a cura não é a questão: “O mundo está doente, tem muita coisa absurda acontecendo. Muita gente fala sobre drogas com hipocrisia, como se fosse uma questão moral. A humanidade nunca vai estar curada, é um processo. E eu estou em processo de aprendizagem, aprendendo todo dia a ser um cidadão melhor, a me cuidar melhor, a curtir mais o presente”, finaliza, contando que é claro que incomoda falar sobre isso quando focam em sua vida e nos fatos concretos que envolvem sua privacidade, mas não para falar do tema em geral e eventualmente ajudar alguém. E já processou algum jornalista? “Cara, eu já processei, mas não estou mais processando. Eu já estou achando divertido. Tem jornalista e tem comediante”, encerra, tranquilo. Ou seja: ele, definitivamente, não está preocupado em construir uma imagem de semideus.

Styling Juliano e Zuel
Beleza: Jô Castro (Capa MGT)
Produção de moda: Luiz Bonassoli
Assistentes de fotografia: Caio Toledo, Charles Willy e Vitor Garcia

Look: terno, calça, camisa e gravata Hermès; blazer, calça e gravata Gucci, camisa Hugo Boss, relógio Piaget; Hugo Boss; pulseiras acervo pessoal

*Matéria publicada em dezembro de 2015