Primeiro músico brasileiro a receber o título de embaixador ibero-americano para a Cultura e vencedor de dois prêmios Grammy, o multiartista Carlinhos Brown atravessou a fronteira das lives na pandemia em um dos períodos mais prolíficos de sua carreira
Por Dado Abreu
Fotos Roncca
Styling Almir Jr. & Marcelo Gomes
Reconhecidamente um dos nomes mais inovadores da música brasileira, Carlinhos Brown não padeceu na pandemia de qualquer tipo de bloqueio criativo, mal invisível que tem afetado dez em cada dez profissionais seja qual for a área. Neste ano e meio o compositor e cantor soteropolitano lançou três discos – dois da trilogia revisionista Umbalista e o segundo volume do projeto infantil Paxuá e Paramim –, intensificou a sua experiência no universo das artes plásticas, produziu a trilha sonora do novo espetáculo da companhia da coreógrafa Deborah Colker e dividiu segredos valiosos em um curso on-line de percussão para iniciantes. Teve mais. Inspirado pelos acontecimentos cotidianos ele compôs singles lembrando as vítimas da Itália, o assassinato de George Floyd, a Irmã Dulce e a vencedora do BBB – “Juliette, Mon Amour”.
“Estar em casa trouxe algo de extrema generosidade. Poder ficar com os meus familiares, desfrutar momentos que os dias comuns não permitem por estar sempre viajando. Isso me reestruturou a partir do lugar que eu estava. Senti a necessidade de falar com o mundo a partir da minha casa, da Bahia. A partir da música e da arte”, explica Brown.
Dar vazão a essa fertilidade se deve um bocado a uma conquista prestes a completar duas décadas. Em 2002, após alguns anos sob contrato com as gravadoras internacionais, o artista fundou a Candyall Music, sua própria editora e selo, com o intuito de lançar as canções podadas e tidas como pouco comerciais para os executivos das majors. Hoje ele é dono de 80% de sua obra, um privilégio na indústria fonográfica que sequer João Gilberto pôde ter – o pai da bossa nova morreu sem a resolução da disputa judicial que travou por décadas pela propriedade de seus discos. “O patrono da Candyall foi Tim Maia. Ele me ensinou a ser independente quando eu já estava duvidando do alcance da minha música”, lembra o compositor de mais de 100 hits e ganhador de dois prêmios Grammy.
No mais recente projeto, Umbalista, Brown revisitou seu cancioneiro autoral em registros ao vivo e passeou por composições que ficaram conhecidas nas vozes de outros artistas, como “Maria de Verdade”, gravada por Marisa Monte, e “Já Sei Namorar”, que ganhou o planeta com os Tribalistas. “É um projeto que me encanta muito, reúne canções de grande importância e que marcaram a minha vida.” O álbum foi lançado no ano passado e teve sequência em 2021 com Umbalista Verão e outra penca de sucessos, estes mais solares, incluindo “Meia-lua Inteira” que o projetou nacionalmente em 1989 depois de ser interpretada por Caetano Veloso no álbum Estrangeiro.
Nascido no Candeal Pequeno de Brotas, um quilombo de resistência africana cravado no coração de Salvador, Carlinhos Brown também se dedicou nestes tempos tristes aos trabalhos sociais – possivelmente a sua faceta mais bem-sucedida. Assim ele ajudou à sua comunidade com doações de toneladas de alimentos. “Nós podemos combater a fome que atravessa várias pandemias e é silenciosa em vários países. Este momento mostra a cara disso”, acredita, otimista sobre o presente-futuro da humanidade. “Agora, esse é o desafio que enfrentamos e é nele que podemos nos posicionar e isolar tudo o que não interessa mais ao mundo: ganância, a falta de respeito com o próximo, o preconceito e a intolerância.”
Make: Rick Brandão
Cabelo: Jam Alves Dreadmaker
Arte: David Nefussi
Produção executiva: Ana Elisa Meyer e Jandyra Fernandes
Assistente de fotografia: Guta Virtuoso