UM ANDAR ACIMA

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Com mais tempo em casa e a percepção de que o espaço é primordial, a procura por lares mais confortáveis aumentou significativamente

Por Nina Rahe

Quando a pandemia chegou no Brasil, em março do ano passado, Renata Firpo, corretora na Coelho da Fonseca e uma das principais especialistas do mercado de imóveis de alto padrão do país, teve muito medo só de pensar em como o mercado reagiria. “Quem tem 10, 15, 20 milhões para investir em um imóvel se não sabe o dia de amanhã? Já passamos por diversas crises e o mercado imobiliário é sempre o primeiro a ser atingido”, diz. O que ela não imaginava, no entanto, é que na outra ponta do segmento estariam pessoas como Priscila Miguel, influenciadora de beleza que se viu confinada em um apartamento de 150 m2, “que não é pequeno”, mas sem espaço para lazer, piscina, luminosidade e outros atrativos que se tornaram imprescindíveis com mais tempo em casa.

Assim que decidiu iniciar a procura por uma cobertura em São Paulo, Priscila, que achava que os preços estariam mais baixos por conta da retração econômica, também se viu diante de uma surpresa: ela não era a única em busca de um espaço mais confortável. Achar a cobertura de 300 m2 no bairro de Moema, desse modo, só foi possível após bater muita perna. “O que me chamou mais atenção é que agora eu tenho uma vista ampla e não me sinto presa”, conta, sem esconder a felicidade que lhe custou R$ 2,7 milhões.

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“O crescimento do mercado imobiliário no segmento de alto padrão foi exorbitante, batemos recordes de venda em números de comercialização em 2020 e neste ano também. Nunca vendemos tanta casa e cobertura como nesse período da pandemia”, comemora a corretora da Coelho da Fonseca, onde a vendas de cifras altas, com casas no valor de 10, 15 e 25 milhões, tornaram-se frequentes. “Todo mês atingimos números muito altos, com três, quatro, cinco terrenos nesses valores”, conta Renata.

Na opinião de Luiz França, presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), há impulsionadores no mercado imobiliário que justificam o aumento de 13% em 2020 nas vendas de imóveis de luxo e superluxo, entre eles as taxas de juros abaixo de dois dígitos, o que reduz as opções de investimento e torna o mercado imobiliário como excelente alternativa para alocação de recursos. “Fizemos uma regressão de 2009 a 2019 e verificamos que, em uma cidade como São Paulo, os imóveis valorizaram igual à taxa Selic. Por que não usufruir então daquele bem que está valorizando? Se for comprar para alugar, a taxa será ainda superior”, afirma. “E agora, particularmente, com taxas de juros negativas, há maior atratividade.”

‘‘Entre 2009 e 2019, em uma cidade como São Paulo, os imóveis valorizaram igual à taxa Selic. Por que não usufruir então daquele bem que está valorizando?”

Luiz França, presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) || Crédito: divulgação

 

Como resultado do aumento da demanda, há uma valorização natural dos imóveis, mas essa não é o único motivo para a dispara- da de valores e o boom vivencia- do no mercado imobiliário. Uma das razões que explicam a alta, de acordo com o vice-presidente de Incorporação e Terrenos Urbanos do Secovi-SP, Emilio Kallas, está ligada ao fato de que “há muito tempo se constrói pouca habitação de luxo em São Paulo”. Segundo ele, “existem poucos lançamentos com maior conforto, o que gera uma demanda reprimida que uma hora chega, e chega mais forte”, explica. A projeção dentro da Secovi para este ano é manter o mesmo patamar de 2020, com cerca de 65 mil unidades lançadas e vendidas. “O segmento que mais deve crescer em percentual é o de alto padrão”, conclui Kallas.

Seu apontamento, inclusive, justifica o fato de empreendimentos como o Alameda Jardins, da Tishman Speyer, com inauguração prevista para dezembro deste ano, já ter 80% de suas unidades vendidas. Além do projeto contar com obras de artistas renomados, como Raul Mourão, Laura Vinci, Athos Bulcão, os apartamentos partem da metragem de 91 m2 e chegam a 266 m2. “Quando começamos, existia um direcionamento para fazer apartamentos muito pequenos, mas sempre olhamos para produtos que se sustentem a longo prazo”, diz Daniel Cherman, presidente da empresa. “Já existia uma demanda para apartamentos maiores e modernos e acredito que a pandemia acelerou esse processo.”

Casa no Jardim Paulista do portfólio da Anglo Americana Imóveis. Crédito: Rodrigo Maldonado

Para Alexandre Villas, CEO da Imóvel A Luxury Homes, especializada no mercado de luxo, o número de negócios quase dobrou entre 2019 e 2020, com aumento triplicado na procura por casas. “Se em 2017 uma casa custava R$ 7 milhões no Jardim Europa, bairro mais caro de São Paulo, hoje custa R$ 11 milhões.” Para contornar a escassez de oferta, a imobiliária lançou o projeto Retrofit Chic, uma parceria com arquitetos e designers, como Leo Shehtman e Marília Veiga, para reformar ou decorar imóveis, modernizando o espaço e aproveitando o pé-direito alto das casas antigas. “Faltam ofertas nos bairros nobres e o consumidor comum não tem sempre habilidades para vislumbrar uma reforma, é preciso oferecer o produto final”, diz. Uma casa no valor de R$ 3,5 milhões, após o retrofit, pode ser revendida por R$ 12 a 14 milhões. “O preço da reforma é o segredo do negócio”, conta Villas, que se tornou parte das estatísticas ao decidir se mudar para Florianópolis e trocar a cobertura de 160 m2 na cidade litorânea por uma casa de 600 m2. “Em 50 minutos estou em São Paulo. Hoje as pessoas preferem morar mais distantes, ter conforto sem precisar se deslocar tanto no horário de pico e isso foi percebido no mercado de luxo”, justifica.

‘‘Hoje as pessoas preferem morar mais distantes, ter conforto e não precisar se deslocar tanto no horário de pico”

Alexandre Villas, CEO da Imóvel A Luxury Homes || Crédito: divulgação

 

CASINHA DE SAPÊ
Como Villas, muitos outros optaram por esse movimento, o que fez explodir o valor dos imóveis nos condomínios ao redor da cidade de São Paulo, principalmente em destinos de campo, como Quinta da Baroneza, Fazenda Boa Vista, Haras Larissa e Boa Vista Village. A mudança no perfil dos compradores, inclusive, fez com que imobiliárias com atuação nos bairros nobres da capital expandissem a sua atuação para o interior de olho na procura dos clientes. Casas de alto padrão dobraram de valor. Na Fazenda Boa Vista, as residências mais simples, de 370 m2, que eram comercializadas, em 2019, no valor de R$ 4 milhões, hoje valem R$ 9 milhões.

‘‘Para ajudar uma pessoa a viver melhor não precisa algo que custe caro. Projeto não custa caro, custa tempo e bom senso”

André Czitrom, CEO da Magik JC || Crédito: divulgação

A incorporadora JHSF, que faturou no ano passado cerca de R$ 850 milhões com vendas na Fazenda Boa Vista e outros quase R$ 300 milhões no Boa Vista Village, investiu em um terreno de 6,6 milhões de m2 vizinho aos dois empreendimentos. A decisão, de acordo com o CEO da companhia, Thiago Alonso de Oliveira, não foi motivado pela pandemia, mas pela visão de médio a longo prazo sobre o desenvolvimento da área. “Olhamos a velocidade com que os projetos estavam se realizando e entendemos que existia ali uma alternativa para a recomposição dos estoques da companhia dentro daquela mesma região geográfica.”

Magik JC desenvolve projetos para famílias de baixa renda em parceria
com arquitetos renomados como Isay Weinfeld (Crédito: Divulgação)

No caso dos moradores, a procura pela área possui um componente psicológico. A demanda por mais espaço e natureza, aliada à segurança e infraestrutura, deve-se também ao fato de todos terem descoberto, no home office, as vantagens da flexibilidade de não ter que estar presencialmente no escritório. “As pessoas começaram a ter consciência de que moram mal e a relação delas com o espaço está mudando. Esse é um fenômeno global que não podemos perder de vista”, finaliza Oliveira.

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HUMILDE RESIDÊNCIA DE LUXO

Para quem não pode arcar com condomínios de alto padrão ou casas e coberturas na cifra dos milhões, a palavra luxo não necessariamente deve ser excluída do vocabulário. É o que mostram os empreendimentos da incorporadora Magik JC que, desde 2017, vem desenvolvendo projetos destinados a famílias de baixa renda, financiados pelo programa federal Casa Verde e Amarela (antigo Minha Casa Minha Vida) em parceria com arquitetos renomados. “Para ajudar uma pessoa a viver melhor não precisa algo que cus- te caro. Projeto não custa caro, custa tempo e bom senso”, explica André Czitrom, CEO da Magik. No prédio Bem Viver Marquês de Itu, de frente para o Minhocão, Isay Weinfeld partiu da ideia de que qualquer projeto é “resulta- do da equação de fatores”: decidiu arredondar as quinas do edifício para que as unidades, de 30 m2, pudessem ter vista e ventilação, e transformou a cobertura, que seria reservada para equipamentos de infraestrutura, em área comum. “Um projeto importantíssimo no nosso portfólio”, diz Isay, que realizou pela primeira vez uma habitação social. A essa e outras moradias de grife, nos próximos dez meses, somam-se outras cinco, assinadas desta vez por escritórios como MMBB e SIAA.