ANA FONTES, NOME FORTE DO EMPREENDEDORISMO NO BRASIL, MUDA A VIDA DE MILHARES DE MULHERES

Ana Fontes é uma das figuras mais reconhecidas no empreendedorismo brasileiro. Sábia de origem extremamente humilde, ela fundou a Rede Mulher Empreendedora (RME) e com apoio internacional se transformou em uma espécie de Sebrae para ajudar a mudar a vida de milhares de mulheres, com empatia e know-how. “Nossa construção social ainda diz que o território do dinheiro é masculino. Não! É de quem quiser”

Ana Fontes || Crédito: Claudio Gatti/Divulgação

Por Joyce Pascowitch

Nascida no sertão de Alagoas em uma família de dez irmãos e pais semianalfabetos, Ana Fontes precisou se desdobrar inúmeras vezes na vida para chegar aonde chegou. Fundadora da Rede Mulher Empreendedora (RME), maior plataforma de apoio ao empreendedorismo feminino do Brasil, ela já fez faxina, trabalhou em chão de fábrica e contou com a ajuda de vizinhos para entrar na faculdade de publicidade e propaganda.

Depois de ingressar na área em uma multinacional automotiva, Ana investiu no que acredita ser o ponto chave para toda transformação, a educação. Fez pós-graduação em marketing na ESPM e em relações internacionais pela USP, além de passar uma temporada na Inglaterra estudando e trabalhando. Após se tornar mãe, começou a questionar o ambiente corporativo e, em 2010, criou a Rede Mulher Empreendedora.

Por meio da rede, Ana já ajudou a transformar a vida de milhares de mulheres no Brasil e no mundo, e exerce papel fundamental no seio de uma sociedade ainda tão patriarcal e machista: dá voz ao empreendedorismo feminino, emancipa financeiramente mulheres em situação de vulnerabilidade e resgata sua autoestima.

PODER: COMO NASCEU A REDE MULHER EMPREENDEDORA?
ANA FONTES: No Brasil, quase metade dos pequenos negócios são tocados por mulheres. Fundei a rede há 11 anos muito pelo fato de não identificar mulheres como eu no ambiente empreendedor. Fui executiva em multinacional do segmento automotivo por 18 anos, até 2007. Tive uma plataforma de recomendações positivas e um espaço de coworking. A rede veio na sequência e começou como um movimento para ajudar mulheres. Fui selecionada para um curso da FGV. No primeiro dia, ouvi dos coordenadores: “Vocês são as 35 privilegiadas em mais de mil inscrições”. Fiquei triste. Pensei: “E as outras que se inscreveram?”. Anotava tudo nas aulas.

PODER: PASSOU ENTÃO A DIVIDIR O SEU CONHECIMENTO…
AF: Exato. Na época, ninguém falava sobre mulher e empreendedorismo. Em 2010, criei um blog e em um ano ganhei 100 mil seguidoras. Elas pediam informações até que não dei mais conta, porque fazia esse trabalho nos fins de semana, mas tinha que tocar os meus negócios, que pagavam as contas. Com o tempo, deixou de ser um movimento e passou a ser um negócio social.

PODER: O FOCO DO TRABALHO SEMPRE FOI AS MULHERES?
AF: Foi orgânico. Elas pediam encontros com outras mulheres e criei o Café com Empreendedoras. Na época, o Sebrae acreditava que empreender era igual para homens e mulheres. Eu dizia que não. A motivação, o tipo de negócio e o modelo de gestão são diferentes, além dos desafios, que são outros. Anos depois, o Sebrae me ofereceu ajuda e passei a utilizar o espaço deles para os encontros. E fui construindo as coisas não como nos livros, porque toda boa teoria foi baseada numa prática. Você tem que tentar primeiro e, a partir daí, construir a sua história.

PODER: COMO PODEMOS CONTRIBUIR PARA MOVIMENTAR O EMPREENDEDORISMO FEMININO?
AF: A melhor forma de ajudar uma empreendedora é comprando dos pequenos negócios. Quando compra dessa mulher, está ajudando a sua família, a educação dos seus filhos. Quando uma mulher é dona do próprio dinheiro, ela muda a realidade. Consegue sair, inclusive, de situações de violência doméstica porque não depende do companheiro. Isso é muito importante. Nossa construção social ainda diz que o território do dinheiro é masculino. Não, o território do dinheiro é de quem quiser.

PODER: QUAL O TRAÇO MAIS COMUM DAS MULHERES QUE CHEGAM NA REDE? AF: Elas saíram do ambiente corporativo e empreender vira uma saída. Fizemos uma pesquisa em 2020 com 2 mil homens e mulheres para saber como estavam se resolvendo na pandemia. Eles responderam igual em relação a organizar a dívida e diminuir as despesas. Já elas falaram em inovar, fazer transformação digital e se capacitar. Os homens acham que capacitar é uma fraqueza.

PODER: O QUE LEVOU DO AMBIENTE CORPORATIVO PARA O EMPREENDEDORISMO?
AF: Os 18 anos de mundo corporativo me iludiram, mas me protegeram de algumas coisas. Se tem um problema legal no ambiente corporativo, você chama o jurídico da empresa, se tem um problema de falta de pessoal, o RH. Você não precisa ser especialista em tudo. No começo, tinha e-mails com nomes diferentes, juridico@rede, comercial@rede, mas todos caíam em mim.

PODER: QUAIS CONSELHOS DARIA PARA UMA MULHER QUE QUER EMPREENDER, MAS TEM MUITAS INSEGURANÇAS E SÓ ENXERGA OBSTÁCULOS?
AF: Primeiro, invista tempo no tipo de negócio que quer abrir. Tem que ter propósito, ser uma coisa que você saiba, goste de fazer e que tenha mercado. Os melhores negócios estão onde não tem outros acontecendo, ou onde tem problemas. Onde várias pessoas têm o mesmo problema existe uma oportunidade. A segunda dica é procurar ajuda de alguém que tenha experiência. A terceira, faça parte de redes. Empreender é solitário e estar em grupos ajuda. Por último, autoconhecimento – saber seus pontos fortes e suas fraquezas é o que faz a gente se movimentar – e autocuidado. Reserve um tempo do dia para cuidar da saúde física e emocional. Empreender é duro e ser mulher nesta sociedade também.

PODER: COMO A REDE SOBREVIVE, RECEBE DOAÇÕES DE EMPRESAS?
AF: Temos vários modelos de negócio, a rede e o Instituto Rede Mulher Empreendedora. Neste, focamos nas mulheres em vulnerabilidade social – indígenas, trans, refugiadas, negras e egressas do sistema prisional – e vivemos de doações de organizações internacionais. A Google Foundation doou, em 2018, US$ 1 milhão e, ano passado, US$ 1,5 milhão.

PODER: EXISTE ALGUM PERFIL ESPECÍFICO PARA EMPREENDER?
AF: A maioria das mulheres empreende para sustentar a família. Cerca de 60% delas em segmentos chamados de conforto da mulher: moda, beleza, alimentação, serviços e estética. A melhor combinação é usar suas habilidades com propósito e o maior desafio: ter mercado. Lembra das paletas mexicanas e das lojas de cupcakes? Cuidado com o efeito manada. Se todo mundo for para o mesmo modelo, não vai sobrar oportunidade.