Ativa, empática e corajosa, Luiza Helena Trajano fez do Magalu uma empresa à sua imagem e semelhança… e abriu o jogo com a PODER

Já há mais de uma década no conselho de administração, ela segue dando expediente na firma.

Luiza Helena Trajano // Foto: Bob Wolfenson

por Paulo Vieira fotos Bob Wolfenson

Se o Magazine Luiza, hoje Magalu, tivesse de ser definido em poucas ideias, o conceito em voga de “empatia” faria muito sentido, já que há tempos a companhia busca ser fiel a seu lema “gente que gosta de gente”; “empresa orientada ao cliente” também poderia aparecer, e o fato de um dia executivos ostentarem no cartão de visita a nomenclatura “vendedor” diz algo sobre isso; a palavra “feminina” igualmente seria cabível, não apenas em razão do nome da companhia, que homenageia a fundadora e depois involuntariamente sua principal executiva e acionista, mas pelas práticas internas de valorização e preocupação com a mulher.

Dentro da campanha Outubro Rosa do ano passado, para ficar num exemplo entre tantos outros, funcionárias com mais de 50 anos foram alertadas para os riscos do câncer de mama e tiveram suas mamografias custeadas pelo Magalu; especialistas em gestão quem sabe citassem a feliz condução do processo de sucessão, com a terceira geração assumindo o manche sem conflitos familiares e logo obtendo resultados financeiros expressivos.

Alguns associariam Magalu à “transformação digital”, já que raras empresas do varejo brasileiro executaram tão bem a estratégia multichannel, e seus canais de vendas off-line e online são hoje indistintamente eficazes; por fim, “idiossincrático” seria outro qualificativo aceitável. Que outra companhia começa a segunda-feira hasteando a bandeira do Brasil e cantando os hinos nacional e da empresa? Que outra, aliás, tem um hino próprio? Em grande medida – talvez em total medida – o “shape” do Magalu foi formatado por Luiza Helena Trajano, 69 anos, que assumiu o comando da empresa em 1991, quando o Magazine Luiza era conhecido apenas em algumas cidades do interior paulista e do Triângulo Mineiro.

Quase duas décadas depois, Luiza se retiraria para o conselho de administração de um raro player do varejo nacional. Mesmo longe da operação desde 2009, ela dá expediente diário e segue a ter o pulso da empresa. Não erra quem diz, citando a funkeira Ludmilla, que é Luiza quem bagunça a zorra toda no Magalu. A empresa gosta de se afirmar “diferente”, o que não quer dizer muita coisa. Torcidas uniformizadas também usam esse adjetivo. Mas aqui ele realça uma cultura corporativa bastante própria, que persegue alguma harmonia nas relações humanas. Em materiais internos essa tal diferença se justifica de maneira insólita.

Luiza Helena Trajano // Foto: Bob Wolfenson

O Magalu é diferente porque “tem alma”. Destarte, se alguma alma transmigrou para a companhia, foi exatamente a de Luiza. “Diziam antes que era ruim misturar o pessoal com o profissional, que era preciso tirar o quepe de pai de família no trabalho, mas esta empresa sempre foi orgânica”, disse Luiza a PODER em sua sala no QG do Magalu em São Paulo. “Mulheres”, segundo ela, foram acostumadas a implodir essas fronteiras, a “fazer muita coisa ao mesmo tempo”. Se tem algum gênero, a alma humanista do Magalu é mulher. Mas sem qualquer aversão ao homem. “Sou superfeminina para administrar, por isso respeito muito o masculino”, conta. A empresária, que se tornou uma das vozes mais fortes da participação da mulher no trabalho e na sociedade brasileira, tendo fundado em 2013, com outras 40 empreendedoras, o grupo Mulheres do Brasil (veja boxe “Lógica empresarial”), diz que jamais poderia usar essa bandeira se não a vivenciasse. Metade do quadro de 35 mil funcionários do Magalu é mulher e há equidade em postos de comando.

CHEQUE-MÃE
Não há cotas para mulheres na empresa porque, segundo Luiza, ali o instrumento não é necessário. “Se não entra é porque tem algum problema que está travando [o processo], e eu prefiro saber o que é.” Ela disse à reportagem ter percebido a recusa de algumas funcionárias a assumir posições de liderança regional, em que, de uma loja, elas passam a ser responsáveis por 20. A questão é que a promoção as obriga a ficar seis meses longe de casa e dos filhos pequenos. Estabeleceu-se então que o valor do “cheque-mãe”, pago mensalmente para mães de crianças de até 11 anos, seria duplicado nesses seis meses. Também limitou-se a distância do trabalho em até 100 quilômetros da casa da colaboradora. “Para ter mulheres em mais cargos você tem de fazer alguma coisa diferente”, informa. “Não custa caro para a empresa e o retorno é bom.” Como diversidade é “inegociável” no Magalu, há toda uma cadeia de comando que se obriga a ficar permanentemente atenta ao tema – inclua aí portadores de deficiência, a comunidade LGBT+ e ainda refugiados de outros países –, e com isso cotas podem entrar na equação em alguns momentos. Essa política, de fato, está longe de ser um problema para Luiza.

No grupo Mulheres do Brasil a empresária constantemente menciona um estudo da FGV que projeta que, no ritmo atual, conselhos de empresas nacionais só teriam equidade de gênero em 107 anos. Daí a necessidade do instrumento. Mulheres ocupam três das sete cadeiras do board do Magalu. No dia desta entrevista, Luiza se dizia “muito feliz” com a declaração de David Solomon, CEO da Goldman Sachs, no Fórum Econômico Mundial de Davos. Ele disse que sua instituição só faria aberturas de capital (IPO) de empresas que tivessem “diversidade” em seus conselhos. Solomon explicou que de 2016 a 2019 IPOs de companhias com pelo menos uma mulher no conselho tiveram performances “significativamente melhores” se comparadas a empresas menos diversas nos Estados Unidos.

Luiza Helena Trajano // Foto: Bob Wolfenson

MINHA LUTA
“Nossa casa e trabalho é um só mundo, um só lugar (…) ML quer dizer minha luta e também meu lar”, diz a segunda estrofe do hino do Magazine Luiza, um “statement” corajoso até pelo risco de se revelar demagógico, ainda mais considerada a época de sua publicação, o começo dos anos 1990, décadas antes dos millennials e do conceito de propósito emergir nas corporações. Mas as sucessivas inclusões do Magalu no Top 5 dos rankings de melhores empresas para trabalhar, que se servem de avaliações anônimas de funcionários, parecem referendar o hino e atestar que há mesmo um bom ambiente na companhia. Luiza refuta, contudo, que essa “buena onda” tenha relação com liberalidades na condução do dia a dia. “Não acredito nem em ONG paternalista. Uma coisa é ser humanista, valorizar as pessoas, mas aqui tem avaliação, feedback. O sistema de bônus atinge todo mundo, todos ganham conforme o resultado. Nas nossas aquisições a gente aproveita quem é bom, quem interessa.” O advento da chamada “Indústria 4.0” não proveu os líderes corporativos de particular fervor humanista, o que a economia precarizada dos novos tempos parece realçar. É difícil associar tecnologia a empatia, mas o Magalu vem realizando a proeza de conectar esses conceitos.

Em 2018 e 2019 a revista Fast Company incluiu o Magalu no rol das dez empresas mais inovadoras da América Latina. Para Renato Mendes, professor de pós-graduação de marketing digital do Insper e ex-executivo da Netshoes, hoje um dos novos “verticais” do Magalu, a empresa obteve ótimos resultados em sua transformação digital por “conseguir oferecer uma experiência que faz sentido para clientes dos ambientes on-line e off-line”. Além disso, a empresa “tem mentalidade de startup”. “Não empurra goela abaixo a solução, escuta do cliente a melhor necessidade.” Mendes ainda elogia a adoção do marketplace. “Viraram rápido a chave, entenderam que não é preciso ser dono de estoque. O dinheiro não fica parado, dá para investir em outras áreas.” O excelente desempenho do e-commerce do Magalu, um desafio que parecia intransponível para o varejo brasileiro, pode ser creditado em boa parte ao filho de Luiza, Frederico Trajano, o Fred, CEO desde 2016, que entrou na empresa justamente para cuidar do “pontocom”, como diz a mãe.

Segundo Luiza, a ascensão do filho não era carta marcada, e ele ainda de fato iria precisar herdar o cetro de Marcelo Silva, egresso da Casas Pernambucanas, o sucessor imediato de Luiza. De todo modo, a ênfase na tecnologia vem de longe. Em 1992, numa época pré-internet, surgiram terminais multimídias nas lojas para navegação assistida dos clientes. Em 2012, num esforço daquilo que Renato Mendes chama de “democratização digital”, um “chip Luiza” foi oferecido a pessoas de baixa renda para que pudessem ter acesso a redes sociais. Um ano antes surgiram os Luiza Labs, responsáveis pelas soluções de inovação do Magalu. Um ditado famoso do futebol diz que um único treinador pode ser “bestial” ou “uma besta” a depender dos resultados de seus comandados. Da mesma forma, não ter “canecos” pode tornar irrelevante o mais destacado dos CEOs.

No caso do Magalu, um círculo virtuoso se armou: a empresa valorizou cerca de 13 vezes desde que abriu seu capital na bolsa, em 2011. Pode-se dizer que, se não foi responsável direta por esses resultados, algo de Luiza esteve ali. Ao mesmo tempo, ela conseguiu participar de foros que reclamam protagonismo à mulher, colocando sua reconhecida capacidade de inspirar a serviço de um trabalho de multiplicação de lideranças. Para sua companheira do Mulheres do Brasil Sonia Hess, ex-Dudalina, “Luiza tem uma inteligência emocional que não vejo em mais ninguém”. Com uma definição à feição das “coisas simples mas não simplórias” que Luiza cultiva, Sonia completa: “Ela está sempre inteira, quando olha para você, ela olha para você, não está nunca au passant”.

Luiza Labs // Divulgação

INTUIÇÃO E PROTAGONISMO
Por Frederico Trajano*

Minha mãe costuma dizer que não existe receita para a maternidade. Mas há, sim, diferentes receitas, baseadas no estilo de cada mãe. E a receita dela é excelente, uma das melhores! A garra e as conquistas que ela acumula foram e ainda são verdadeiras lições na minha criação e de minhas irmãs. Temos orgulho de ser filhos dela e de termos aprendido a amar nosso país, a respeitar a todos, a acreditar na intuição e a buscar nosso protagonismo. Ela ensina não somente a nós, mas a muitos brasileiros.
Foi com muito suor e amor, sendo fiel às suas crenças, que ela ajudou o Magalu a chegar até aqui. E não parou. Ela aprendeu a vender com a minha tia [avó] Luiza, a fundadora da companhia, depois chegou à liderança de toda a operação e hoje está à frente do nosso conselho de administração. Ao longo dessa jornada, não houve um só dia que eu não tenha admirado a paixão e a energia que ela coloca para fazer tudo dar certo e alcançar novos patamares. E o que falar do trabalho dela no Mulheres do Brasil, grupo que reúne milhares de brasileiras aqui e mundo afora num movimento realmente transformador?
Eu me orgulho de pensar que os verbos empreender e transformar seguem pautando não só a vida dela, mas a de todos que, como eu, têm a sorte de ser inspirado pela sua presença. *Frederico Trajano é CEO do Magazine Luiza

LÓGICA EMPRESARIAL
Não seria justo exigir uma lógica empresarial ao Mulheres do Brasil, entidade criada em 2013 por Luiza Trajano e outras 40 executivas com o fito de lutar por igualdade de oportunidades de gênero e raça. Mas a intimidade das fundadoras com planos estratégicos, gestão de pessoas e a própria oferta de investimento permite que elas façam o grupo se expandir e torna a comparação pertinente. Hoje são mais de 38 mil participantes no Brasil e outros 14 países.

Se o Magalu vem mostrando resultados consistentes – das recentes aquisições de verticais como Netshoes e Estante Virtual ao crescimento espetacular do e-commerce, que em 2019 representou 45,3% das vendas totais –, o Mulheres também exibe estofo. Multiplicar o número para 100 mil mulheres integrantes é uma meta considerada factível, embora não seja mais um objetivo de 2020. Em sua última viagem pelo grupo, Luiza esteve em fevereiro em Dusseldorf, na Alemanha, liderando um coletivo de 300 mulheres. A executiva volta a viajar para o exterior em maio, desta vez para Nova York, para receber a comenda de Personalidade do Ano oferecida pede Câmara de Comércio Brasil-EUA. É a segunda brasileira a receber essa distinção, o mesmo prêmio que foi dado a Jair Bolsonaro em 2019 e que teve de ser entregue no Texas, pois o prefeito de Nova York, Bill de Blasio, propôs na ocasião um boicote ao presidente brasileiro.