Projeto que reconhece cultura gospel divide opiniões: incentivo cultural ou risco à autonomia das igrejas?

CRISTIANISMO / CULTURA
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Por Agenor Duque

A Comissão de Educação e Cultura do Senado deve se reunir no próximo dia 26 para analisar um projeto de lei que visa reconhecer a cultura gospel como uma manifestação da cultura nacional, permitindo que templos religiosos possam acessar recursos da Lei Rouanet. Inicialmente prevista para o dia 12, a votação foi adiada, trazendo à tona um debate que envolve não apenas o fortalecimento do segmento gospel, mas também preocupações quanto à autonomia das igrejas.

De autoria do senador Lucas Barreto (PSD-AP), o projeto inclui os templos religiosos como “pontos de cultura” e sugere mecanismos para apoiar e incentivar a cultura gospel, como programas de fomento, concessão de recursos financeiros e apoio para a realização de eventos culturais. Dessa forma, o projeto estenderia os benefícios da Lei Rouanet para as igrejas que promovam eventos que incluam expressões culturais como música, teatro, literatura, artesanato, dança e outras manifestações ligadas à fé cristã.

Apesar da proposta ter recebido parecer favorável do relator, senador Laércio Oliveira (PP-SE), e contar com apoio de alguns segmentos do setor gospel, há também uma corrente de cristãos conservadores que vê o projeto com cautela. Muitos temem que a abertura para o financiamento público por meio da Lei Rouanet possa resultar em interferências do Estado nas atividades das igrejas. Representantes desse grupo argumentam que a autonomia das igrejas corre risco, uma vez que o financiamento público pode vir acompanhado de exigências ou restrições que afetem a liberdade religiosa.

Os críticos da proposta alertam para a possibilidade de que, uma vez reconhecidas como pontos de cultura e receptoras de incentivos públicos, as igrejas possam se ver pressionadas a cumprir regras ou condições impostas por órgãos governamentais, o que poderia limitar o conteúdo dos eventos religiosos ou até mesmo permitir que o Estado reivindique algum tipo de controle sobre as atividades das igrejas. Para esses grupos, a abertura da Lei Rouanet ao segmento gospel é uma decisão delicada, pois envolve valores centrais de independência e liberdade de expressão das instituições religiosas.

Ainda que desde 2012 a cultura gospel seja reconhecida pela Lei Rouanet, os recursos destinados a essa área são restritos a pessoas físicas e entidades específicas, e não abrangem eventos promovidos diretamente por igrejas. Caso aprovada, a nova proposta eliminará essa restrição, permitindo que templos também tenham acesso a esses recursos. Para o relator do projeto, o reconhecimento dos templos como pontos de cultura garante uma maior integração das igrejas nas políticas públicas culturais, incluindo sua participação em Conselhos de Política Cultural e Conferências de Cultura, fortalecendo sua representatividade.

No entanto, os grupos mais conservadores defendem que essa proposta pode, inadvertidamente, transformar a relação entre Estado e igreja, introduzindo uma nova dependência financeira e abrindo espaço para uma supervisão indesejada. Como alternativa, alguns líderes religiosos têm sugerido que o apoio à cultura gospel ocorra de outras maneiras, que não envolvam necessariamente a captação direta de recursos via Lei Rouanet, mantendo, assim, a independência das igrejas em relação ao poder público.

Essa questão surge em um momento em que o governo federal tem realizado esforços para se aproximar do segmento evangélico. Em outubro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou a criação do Dia Nacional da Música Gospel, comemorado em 9 de junho, e anteriormente, em setembro, sancionou a criação do Dia Nacional da Pastora Evangélica e do Pastor Evangélico. Essas medidas, aprovadas pelo Congresso com apoio de parlamentares de diversos partidos, foram vistas como acenos políticos ao eleitorado evangélico, que tem se mostrado uma força significativa no cenário político nacional.

Diante desse cenário, o projeto de lei que busca fortalecer a cultura gospel coloca o Senado em um papel decisivo. O projeto, que tramita em regime terminativo, será analisado exclusivamente pela Comissão de Educação e Cultura e, caso aprovado, poderá seguir diretamente para a Câmara dos Deputados. Esse regime indica que, se não houver pedidos de emendas ou solicitações de vista, a matéria poderá ser aprovada sem necessidade de passar pelo plenário do Senado, acelerando sua tramitação.

Se por um lado o projeto representa uma oportunidade para o desenvolvimento cultural e ampliação do alcance da música gospel e demais manifestações artísticas cristãs, por outro, ele também levanta dúvidas sobre a necessidade de um equilíbrio entre o incentivo público e a manutenção da autonomia religiosa. A aprovação da medida poderá sinalizar um novo modelo de incentivo cultural no Brasil, que precisará lidar com o desafio de conciliar apoio financeiro estatal e respeito à independência das igrejas, fortalecendo a cultura gospel sem comprometer os princípios fundamentais da liberdade religiosa.