Árbitro fazia “ligações secretas” para advogados da Odebrecht e da Paper Excellence enquanto julgava casos das empresas

Anderson Schreiber
Anderson Schreiber | Foto: Reprodução / Facebook

Celular pessoal de Anderson Schreiber manteve ao menos 22 telefonemas não revelados em litígios contra a J&F Investimentos e a Petrobras

 

Entre agosto de 2019 e março de 2022, o árbitro Anderson Schreiber fez ao menos 22 ligações telefônicas secretas para advogados da empresa sino-indonésia Paper Excellence e do grupo Odebrecht, ao mesmo tempo em que julgava casos em que essas empresas eram parte.

Árbitros são juízes privados escolhidos pelas empresas para julgar disputas fora do poder Judiciário, de forma mais rápida e com menos custos. Pela Lei Brasileira de Arbitragem, não há segunda instância e as decisões dos árbitros são definitivas, mas esses julgadores têm o dever de revelar qualquer fato capaz de gerar dúvida nas partes sobre a sua independência e imparcialidade.

Schreiber não revelou ter qualquer relação com os escritórios de advocacia que justificasse os contatos constantes durante os julgamentos. As informações foram publicadas pelo Faria Lima Journal e confirmadas pela Revista Poder.

Os dois casos em questão envolvem cifras bilionárias. No caso da Paper Excellence, trata-se da disputa pela Eldorado Brasil Celulose, uma briga de R$ 15 bilhões movida pela empresa estrangeira contra o grupo brasileiro J&F Investimentos, dos empresários Joesley e Wesley Batista. Já a arbitragem da Odebrecht envolve uma subsidiária do grupo contra a Petrobras, com relação à execução de obras e investimentos.

Segundo reportagem do Estadão, Schreiber renunciou ao cargo de árbitro de ambos os processos após outras denúncias de conflito de interesse contra a J&F e a Petrobras, mas em nenhum dos dois casos havia a informação sobre as ligações telefônicas agora reveladas.

Chamadas do celular pessoal

Metade das ligações secretas realizadas por Schreiber foi com integrantes do escritório carioca Ferro, Castro Neves, Daltro e Gomide. A banca defendia tanto a Paper Excellence quanto a subsidiária da Odebrecht nas arbitragens em que ele era julgador.

Outras quatro ligações de Schreiber foram feitas diretamente para o ramal do advogado Eduardo Damião Gonçalves, sócio líder da área de arbitragem do escritório paulistano Mattos Filho. Damião lidera a defesa da Paper Excellence ao lado do carioca Marcelo Ferro.

Também foram realizadas outras quatro chamadas para o escritório Sérgio Bermudes Advogados, que defende a Paper Excellence em uma ação judicial na qual a J&F pede a anulação da arbitragem. Um dos principais argumentos do grupo brasileiro nesse processo é, justamente, um conflito de interesse não revelado por Schreiber. A J&F descobriu que o árbitro dividia salas, despesas, clientes e processos com outro escritório da defesa da Paper Excellence, o Stocche Forbes, que também havia sido o assessor jurídico da empresa sino-indonésia na negociação da compra da Eldorado.

Ou seja, embora o escritório Sérgio Bermudes não tenha atuado diretamente na arbitragem julgada por Schreiber, defendeu a Paper Excellence em um processo crucial para preservar a sua decisão arbitral e no qual o próprio árbitro e seus sócios e ex-sócios juntaram manifestações.

Mais vínculos

Os vínculos entre Schreiber e os advogados da Paper Excellence também foram evidenciados pela revista IstoÉ, que registrou um encontro entre o principal advogado criminalista do escritório Mattos Filho, Rogério Tafarello, e o advogado Diogo Malan, que defende o árbitro em um inquérito policial por suspeita de falsidade ideológica ao omitir os conflitos de interesse nas arbitragens da J&F e da Petrobras. Os dois foram vistos almoçando juntos no restaurante Xian, anexo ao aeroporto Santos Dummont, em uma fase crucial das investigações.

Tafarello defende a Paper Excellence nos inquéritos criminais envolvendo a disputa pela Eldorado, nas quais a polícia investiga a espionagem de mais de 70 mil e-mails trocados entre a J&F e os seus advogados da arbitragem contra a estrangeira. A Paper Excellence e o árbitro Anderson Schreiber sempre alegaram inocência.

Minoritários da Petrobras

Já no caso da Petrobras, o conflito de interesse foi identificado em outro processo, e não na arbitragem envolvendo a subsidiária da Odebrecht. Schreiber foi escolhido para arbitrar uma disputa na qual fundos estrangeiros cobram cerca de R$ 1 bilhão da Petrobras por prejuízos ligados à Operação Lava Jato.

O Estadão revelou que Schreiber tinha relações com uma associação de acionistas minoritários que movia uma arbitragem idêntica contra a petrolífera, mas nunca havia revelado essa ligação. O árbitro havia atuado como advogado da associação e da família fundadora. Um sócio de seu escritório chegou até mesmo a assinar como advogado responsável a ata da assembleia na qual a associação decidiu processar a Petrobras.