O ocaso de Temer na Sapucaí
O desfile das escolas de samba do Grupo Especial do Rio de 2018 foi quente. A novata Paraíso do Tuiuti causou impacto com seu enredo que tratava da “exploração do homem pelo homem”, como explicou Thiago Monteiro, diretor de Carnaval da agremiação. A comissão de frente já trazia escravos açoitados, e as alegorias faziam um mergulho bastante explícito no dia a dia das desavenças políticas brasileiras. Os direitos trabalhistas surrupiados na reforma de Michel Temer mereceram um conjunto de integrantes fantasiados de patos (o pato da Fiesp, assíduo nas manifestações que pediram o impeachment de Dilma Rousseff em São Paulo) e o próprio Temer deu as caras no último carro, que tinha como destaque um vampiro trajando a faixa presidencial.
(Créditos: Divulgação)
Itamar e Lilian
A estranha sina dos vice-presidentes brasileiros proeminentes – de João Goulart a Temer – teve em Itamar Franco uma figura sui generis. Apagadíssimo diante do fulgor burlesco e charlatão de quem viria a substituir, o hoje senador Fernando Collor (PROS-AL), Itamar talvez tenha sido a pessoa menos talhada para a liturgia e para a exposição do cargo. Mesmo assim, quando presidente legou ao país a estabilização econômica do Plano Real, que deu fim à crônica inflação brasileira e fez de Fernando Henrique Cardoso, então ministro da Fazenda, seu sucessor na presidência. No Carnaval de 1994, ele aceitou o convite para ser o primeiro presidente a assistir ao Carnaval no sambódromo carioca, uma das marcas da gestão do pedetista Leonel Brizola à frente do estado do Rio. Solteiro e razoavelmente mamado, o presidente se alegrou com a modelo Lilian Ramos, que havia desfilado pela Grande Rio. Com gestos, pediu que ela subisse ao camarote e, uma vez ali, fez sussurros em seu ouvido. Quando Lilian ficou de pé, a posteridade viria a notar a ausência de uma peça íntima. A crise que quase vitimou Itamar foi contornada com o holocausto do ministro da Justiça, Maurício Corrêa, que, como Itamar, também se comportava como se estivesse numa excursão de formandos do ensino médio em Porto Seguro. Rifado do Planalto, Correa acabou ganhando naquele mesmo ano uma cadeira no STF.
(Créditos: Marcelo Carnaval)
O esplendor de Joãosinho Trinta
Embora a ele seja creditada a frase “o povo gosta de luxo, quem gosta de miséria é intelectual”, Joãosinho Trinta, o mais famoso carnavalesco brasileiro, morto em 2011, talvez tenha chegado ao ponto alto de sua carreira com o desfile da Beija-Flor de 1989, “Ratos e urubus, larguem minha fantasia”, em que o luxo sucumbiu ao lixo. Os componentes de uma das alas interpretavam mendigos – e o verbo interpretar é mesmo cabível aqui: parte deles eram atores e chegou a avançar sobre os camarotes em busca de salgadinhos. O carro principal dessa ala tinha um Cristo coberto com plástico preto, já que uma ação judicial impetrada pelo próprio arcebispado do Rio de Janeiro impedia sua exibição. Em plena anomia do governo Sarney, o primeiro governo civil brasileiro, em que a inflação anual batia impressionantes quatro dígitos, Joãosinho foi ainda mais explícito em seu Carnaval ao inserir os prédios do Congresso Nacional numa alegoria e chamar a ala de “lixo da política”.
(Créditos: Divulgação)
Um ditador africano na SapucaíAssíduo no Carnaval do Rio, o africano Teodoro Obiang Nguema Mbasogo não apenas frequentava anualmente o “maior espetáculo da Terra” como patrocinava os desfiles da escola de seu coração, a Beija-Flor. No Carnaval de 2015, o presidente da Guiné Equatorial exuberou: investiu R$ 10 milhões na agremiação, que naquele ano cantava a África e não se furtava a fazer menções ao país do mecenas. O petróleo e o controle estrito das forças armadas permitem que Obiang se eternize no cargo – este ano ele completa 42 anos sem largar o osso desde que conduziu um golpe que apeou seu tio da presidência. Trata-se do segundo líder mais longevo do mundo, excluídos os egressos de famílias reais. O PIB per capita do país teve um enorme salto na virada do século e quadriplicou em 2010, momento que marca o começo da exploração do petróleo no país. O dinheiro, entretanto, que novidade, é pessimamente distribuído – o país, de 1,3 milhão de habitantes, é um dos últimos no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU. (Créditos: WikiCommons)