Por Dado Abreu
Fotos Maurício Nahas
A pandemia transformou a vida das pessoas e alterou definitivamente os rumos da humanidade. Uma coisa, no entanto, não mudou. A alegria de Fafá de Belém. Completando 45 anos de carreira, a dona da gargalhada mais famosa do Brasil segue inabalável. “Sou uma mulher de fé, tenho sempre esperança e acredito no poder transformador da alegria”, confessa a cantora, convidada especialíssima do Ensaio de PODER.
Um episódio recente, ocorrido durante o período de isolamento mais duro da pandemia, serviu para Fafá reforçar suas crenças. Era um dia de semana. Passava da meia-noite e ela se aprontava para dormir quando o telefone começou a tocar insistentemente. Sem parar. Do outro lado da linha uma amiga, Rosa, enfermeira de Aracaju, pedia para Fafá uma gravação, em áudio, daquela contagiante risada que o país acostumou a ouvir. “Fiquei ligeiramente irritada, estava na cama, quase dormindo.” A amiga logo explicou o pedido inusitado. Médicos de um grande hospital no qual ela trabalha na capital sergipana haviam sido agredidos, humilhados e expulsos do ônibus a caminho do serviço, e por isso Rosa pensou em uma maneira de animar os colegas. Daí a ideia da sonora gargalhada de Fafá. “Fiquei tocada com a cena dos médicos sendo constrangidos. Levantei da cama, acendi a luz e comecei a cantar ‘há uma nuvem de lágrimas sobre os meus olhos…’”, lembra, enquanto solta a voz para a reportagem. Do outro lado daquela ligação a reação veio em coro uníssono, os profissionais de saúde seguiram a letra da canção e Fafá riu, gargalhou, chorou, emocionou-se noite adentro. “Fui dormir pensando no dom que Deus nos deu. Acreditava que o meu era cantar, mas descobri que também é distribuir alegria. Foi uma grande lição da pandemia.”
“Fui dormir pensando no dom que Deus nos deu. Acreditava que o meu era cantar, mas descobri que também é distribuir alegria. Foi uma grande lição da pandemia.”
Também vieram outras lições, descobertas e mudanças. A começar pelo visual, ao assumir os fios brancos, “um desejo antigo” que esbarrava na pressão social em parecer mais nova. “Foi libertador, estou me sentindo belíssima e há tempos não estou tão em paz. Os que criticam, na maioria das vezes mulheres, dizem que estou parecendo uma vovozinha. Poxa, mas eu sou uma vovozinha!”, brinca, lembrando das netas Laura e Julia, filhas da cantora Mariana Belém.
Envelhecimento saudável tem sido uma das principais bandeiras da artista, que se diz incomodada com a falta de visibilidade dos idosos no Brasil. No boom das lives, no começo da pandemia, a cantora de infinitos sucessos reclamou contra uma resistência dos patrocinadores, que até então depositavam toda a verba em apresentações de músicos jovens. “Não tenho 45 anos de história para ficar passando o chapéu, decidi bancar o projeto e os patrocinadores apareceram.” Desde então foram dezenas de lives, inclusive internacionais, como a que Fafá celebrou 64 anos de vida, em agosto, direto do santuário de Nossa Senhora de Fátima, em Portugal, a sua segunda casa – apelidada de “a cantora brasileira mais portuguesa do Brasil”, ela vive entre São Paulo e Lisboa. “Nunca tive vergonha de dizer a minha idade e não uso botox. Usei uma vez e fiquei a cara de um político, toda congelada”, diverte-se.
Nascida Maria de Fátima Palha de Figueiredo, Fafá sempre buscou força no contratempo. Da vida, não das notas musicais. “A minha trajetória foi cheia de ‘nãos’. Eu não era magra, não era a mais bonita, nunca tive paciência para brincar de boneca e nunca quis ser miss. Não tinha os ‘planos’ que a sociedade tinha para mim”, conta, sobre a postura crítica que sempre adotou.
Ela também não se abstém de posicionamentos políticos. Nos anos 1980, participou ativamente das Diretas Já, foi um dos rostos marcantes do movimento e esteve presente em todos os 32 comícios realizados, apresentando-se gratuitamente. A causa feminista é outra de suas defesas. A propósito, antes de trocar o look para os cliques do fotógrafo Maurício Nahas, Fafá de Belém vestia uma camiseta com a hashtag “Precisamos Falar Sobre Abuso”, um presente da amiga e jornalista Ana Paula Araújo, autora do livro Abuso: a Cultura do Estupro no Brasil.
“É uma questão muito séria, minha geração não tinha essa consciência. Eu já passei por isso, e olha que eu não sou mulher de levar desaforo para casa”, ressalta. “Não podemos ignorar esses movimentos sociais, como não podemos ignorar a ciência, a cultura, nossa ancestralidade. Porque não há nada pior do que não saber se reconhecer.”
Styling: Cuca Ellias
Beleza: Haline Bebiano
Produção executiva: Ana Elisa Meyer
Produção de moda: Jaqueline Cimadon
Assistente de produção: Marina Araújo
Assistentes de fotografia: Renato Zimmermann e Verônica Ritton
Manicure: Rose Luna