Ilan Goldfajn: uma estrela no banco

Para o ex-presidente do Banco Central, o economista Ilan Goldfajn, o Brasil tem dado passos em direção à retomada econômica. Contudo, para que o crescimento se sustente, o hoje presidente do conselho do Credit Suisse no país prevê desafios. “Não vai ser fácil aprovar as reformas, mas mais difícil, na ausência delas, será lidar com o aumento do desemprego e da recessão”

Por Armando Ourique  Fotos Roberto Setton

Presidente do Banco Central entre 2016 e 2019, Ilan Goldfajn tem a aparência confiante que se espera de um economista que contribuiu para derrubar as taxas resistentes de inflação e de juros. Eleito melhor banqueiro central do mundo em 2018 pela conceituada revista Banker (Financial Times), ele hoje preside o conselho do Credit Suisse no Brasil e tem entre suas atribuições mostrar a investidores como navegar no ambiente de juros baixos.

Em entrevista a PODER, Goldfajn sublinha a necessidade de o Brasil arrumar com urgência a sua difícil situação fiscal e promover as reformas econômicas. “Não vai ser fácil aprovar as reformas. Mas muito mais difícil, na ausência delas, será o aumento do desemprego e da recessão”, diz.

Os juros básicos, para Goldfajn, não vão ficar nos níveis atuais por muito tempo, mas deverão permanecer em um dígito, o que é uma revolução para padrões brasileiros. A vacinação contra a Covid-19 é fundamental para a normalização das atividades econômicas, embora a retomada do crescimento já esteja ganhando forma.

O ex-presidente do Banco Central considera que a grande ajuda que deu na condução da instituição foi “não atrapalhar” as inovações do mercado. E fez uma recomendação a quem entra nos órgãos públicos: não queira recomeçar tudo do zero.

PODER: COMO VOCÊ SE ORIENTA NESSA TRAVESSIA POR MARES NUNCA ANTES NAVEGADOS, EM QUE PARA EVITAR O COLAPSO ECONÔMICO BANCOS CENTRAIS NO MUNDO INTEIRO FIZERAM INTERVENÇÕES MAIORES DO QUE AS DA CRISE DE 2008?
ILAN GOLDFAJN: O choque que houve em março e abril deste ano foi muito diferente. Não nasceu no âmago da economia e muito menos no sistema financeiro. Ele veio da área da saúde, da pandemia. O tamanho e a origem dessa crise a tornam fora do comum, e o papel dos bancos centrais é de mitigá-la. Eles servem como uma ponte para que a resolução do problema ocorra fora. O problema só será resolvido com a vacina. Os bancos centrais sabem que haverá momentos mais e menos agudos. Que haverá a primeira e a segunda ondas, mas que é tudo ligado à saúde. A solução virá com a vacina ou com a tal imunidade de rebanho, não pelo tamanho da ajuda dos bancos centrais ou pelo tamanho do auxílio emergencial.

PODER: QUAIS SÃO AS POLÍTICAS DE MITIGAÇÃO QUE FORAM ADOTADAS?
IG: A primeira foi de ajuda financeira, de liquidez. Isso os BCs fizeram logo no começo. Deram liquidez em troca de ativos, foi o papel mais fácil nesta crise, resolvido logo. Os mercados se acalmaram relativamente rápido. Um outro problema, mais grave e mais difícil de solucionar, é como dar suporte de recursos tanto para as famílias que não podem trabalhar quanto para as empresas que não podem vender ou produzir. Houve o auxílio emergencial, mas para as pequenas e médias empresas houve dificuldades para o dinheiro chegar até a ponta. O último ponto envolve uma discussão mais delicada. É de política monetária. Reduz os juros ou não reduz? Faz QE (Quantitative Easing, política monetária que aumenta a oferta de moeda em uma economia), ou não faz? Diria que vale a pena o BC ter uma política ativa expansionista para sustentar a economia na recuperação, no momento em que há necessidade de dar um impulso. Nesta crise, durante a pandemia, os juros do BC ajudaram apenas na rolagem da dívida mais do que no impacto de impulsionar diretamente a economia.

Ilan Goldfajn

PODER: COM OS JUROS BÁSICOS A 2%, O SERVIÇO DA DÍVIDA HOJE ESTÁ MENOR DO QUE JÁ FOI. DAÍ A RELEVÂNCIA DOS JUROS CONTINUAREM BAIXOS. ACHA POSSÍVEL, A LONGO PRAZO, QUE SE MANTENHAM PRÓXIMOS DISSO?
IG: Os juros hoje estão abaixo do neutro. Eles não vão ficar neste valor por muito tempo. Porque estamos falando de 2% de juros nominais, o que significa juros reais negativos. Com uma inflação que vai flutuar entre 3% e 4%, se der tudo certo, e um risco Brasil que está em 2,5%, a Selic deve ficar entre 5,5% e 7,0%.

PODER: COM O NÍVEL DE DÍVIDA PÚBLICA QUE ATINGIMOS, SE OS JUROS VOLTAREM A 7% NÃO PODEREMOS TER UMA SITUAÇÃO DE ESTRESSE?
IG: Acho que é uma taxa revolucionária os juros básicos no Brasil ficarem em um dígito. Estou falando de uma forma permanente. Os nossos juros ficarão em um dígito se não andarmos para trás [pela questão fiscal]. Normalmente ficarão em torno de 6%, 7% no máximo. Quando tiver que apartear a política monetária para derrubar a inflação, os juros terão que subir mais para 8%, 9%. E quando precisarem cair poderão ir para 3%, 4%, acima dos níveis atuais, que estão muito baixos. E assim os juros vão flutuar em um patamar que é extremamente baixo para os níveis históricos no Brasil. Para a economia brasileira, ter juros nominais de um dígito, com juros reais de 1% a 2% ao ano, isso é uma revolução para o sistema financeiro.

PODER:  AINDA ASSIM, HÁ PREOCUPAÇÃO COM A GESTÃO DA DÍVIDA. COM UM AUMENTO DA TAXA BÁSICA DE JUROS, ESSA QUESTÃO NÃO PODE TORNAR-SE PREOCUPANTE?
IG: Acho, obviamente, que dado o tamanho da nossa dívida, que vai de 95% a 100% do PIB, qualquer subida de juros faz diferença. O problema não é se os juros voltam ao normal ou não. O problema é que a nossa dívida ficou muito alta. Temos um problema fiscal a resolver.

PODER: E A QUEDA DO TETO FISCAL?
IG: O Brasil precisa de uma âncora fiscal. Se não houver âncora nenhuma, é um problema. Por muitos anos tivemos como âncora a meta do superávit primário. Mas depois o governo viu que as despesas sempre cresciam e a meta do superávit só poderia ser atingida com aumento de impostos. No governo Dilma, o primário despencou de um superávit de 3% do PIB para um déficit de 2% ou 3%. O pessoal então foi no foco do problema, que são os gastos. Foi criado o teto de gastos.

PODER: COMO EXTINGUIR OS BENEFÍCIOS CRIADOS DURANTE A PANDEMIA, ESPECIALMENTE POR SEREM BASTANTE POPULARES? PODEMOS TER UMA RESSACA COMPLICADA?
IG: Acho que já estamos tendo uma ressaca complicada, com muito pouco espaço de manobra. A gente não consegue investir. O investimento público foi a zero, a dívida pública chegou a 100%. O credor da dívida não está querendo mais pagar essa conta toda, ele está exigindo juros maiores. Os juros para comprar dívida não são 2% (atual taxa Selic), são 7%, 8%, 9%. Mesmo a dívida de um dia, as LFTs (Letra Financeira do Tesouro, termo substituído por Tesouro Selic), são compradas com desconto, o que nada mais é do que um juro maior.

PODER: COMO SE RESOLVE ESTA SITUAÇÃO?
IG: A única solução que vejo é fazer as reformas. Reforma emergencial para cortar gastos, reforma administrativa para cortar, lá no futuro, o gasto obrigatório e gerar espaço. Depois a reforma tributária para simplificar. Então você consegue crescer mais. O principal hoje é reduzir o crescimento dos gastos obrigatórios em pessoal e em promoções automáticas.

PODER: ACHA QUE SERÁ DIFÍCIL APROVAR TANTAS REFORMAS?
IG: Não vai ser fácil, mas acho que será mais difícil lidar com um problema fiscal à frente. Não conseguir rolar uma dívida é um problema de uma natureza que as pessoas não estão imaginando o tamanho. Significa recessão muito maior do que a de hoje, um índice de desemprego muito maior.  Essa reforma administrativa vai parecer moleza.

PODER: O MERCADO ESTÁ ESTIMANDO UMA RETOMADA NO ANO QUE VEM DE 3%. QUAL A SUA AVALIAÇÃO?
IG: Pode ocorrer sim. Tenho confiança que na saída da pandemia, na normalização da nossa vida, a economia volta ao normal. É claro que haverá setores que não vão voltar, outros voltarão mais rápido. Acho que as pessoas subestimam o impacto quando todo mundo volta a trabalhar, a gerar valor. Está todo mundo pensando em demanda: se der auxílio emergencial, haverá o retorno do consumo. Mas quando as pessoas forem para a rua vender seu produto, gerar um negócio, isso irá gerar um valor de PIB significativo. A queda do PIB este ano deverá ficar em 4,5% a 5%. Ela se concentrou em março, abril e maio. Desde junho está voltando.

PODER: COMO SE EXPLICA O FENÔMENO DOS JUROS NEGATIVOS?
IG: Juro negativo basicamente resulta em você dar mais valor ao futuro do que ao presente. Tem muita gente querendo poupar, tem muita gente preocupada com o futuro, há pouco desejo de investimento hoje. Quando você tem muito mais poupança do que investimento, os juros acabam por cair. Não tem nada do lado do real que diz que o encontro dos dois teria que ser um número positivo.

PODER: DEIXANDO A QUESTÃO MACRO UM POUCO DE LADO, COMO FOI A SUA EXPERIÊNCIA NO BANCO CENTRAL E COMO É ESTAR DE VOLTA AO SETOR PRIVADO?IG: É interessante experimentar trabalhos diferentes. Estive no Banco Central durante um período como diretor e depois como presidente. Tive a sorte de estar no BC em um período de mudança estrutural, que permitiu queda relevante da inflação e da taxa de juros. E agora estou no setor privado, em que as pessoas têm de lidar com essa mudança. E tem gente que não sabe o que fazer: Essa mudança veio para ficar? Como ligo o real com o lado de valorização das bolsas? Está caro? Não está caro? A taxa de câmbio mudou? É para diversificar? Investir mais no Brasil ou lá fora? Então, hoje estou tentando ajudar a navegar no cenário que eu ajudei a criar.

PODER: DURANTE SUA PRESIDÊNCIA, O BC CONSEGUIU CRIAR UM AMBIENTE MAIS COMPETITIVO NO SETOR BANCÁRIO?
IG: Esse é um processo contínuo. De novos entrantes, de mais tecnologia, de mais fintechs. Diria que o sistema financeiro tem duas quase revoluções: a primeira é o novo patamar de juros; a segunda é a revolução da tecnologia, das fintechs. Toda essa mudança foi acompanhada também pela mudança da regulação, o BC permitiu entrar. Na verdade, a grande ajuda foi não atrapalhar. Tinha gente entrando, deixava entrar. Deixava todo mundo conviver, não limitava. Sabe quando na primavera começa a florescer? Você tem que saber apreciar.

PODER: SE TODOS GESTORES AGISSEM ASSIM SERÍAMOS MAIS EFICIENTES?
IG: Muita gente entra nas instituições, principalmente do setor público, e pensa: “Vou mudar tudo, começar do zero”. Se houver uma percepção de instituição onde se cria, o próximo da fila dá continuidade e prossegue. Você cria alguma coisa sobre o que foi feito. Mas isso não existe tanto no Brasil, infelizmente.