Quando Francisco Brennand ocupou as ruínas da velha cerâmica que fora de seu pai, no bairro da Várzea, no Recife, ele escreveria em diário o espanto e a esperança que o lugar lhe despertava. “Sinto no ar, na sombria atmosfera destes enormes galpões semidestruídos, que algo está acontecendo ou na iminência de acontecer. Na penumbra dos corredores, fecho os olhos e aguardo o sonho…”.
Aos 50 anos de existência, a Oficina Brennand ganha uma exposição panorâmica da obra do artista, que morreu em dezembro de 2019, aos 92 anos. Devolver a Terra à Pedra que Era: 50 Anos da Oficina Brennand fica em cartaz até outubro de 2022 e conta com cerca de 200 itens, entre pinturas, esculturas, gravuras, serigrafias e documentos, muitos deles inéditos, abrangendo toda a trajetória do pernambucano.
O panorama apresenta obras garimpadas do acervo permanente do instituto – que abriga aproximadamente 3 mil peças –, de colecionadores e de museus de todo o país. Entre elas, algumas pouco conhecidas do grande público, como a Série Amazônica, presente na Bienal de São Paulo de 1971. “A gente vai ver o Brennand ceramista, o Brennand pintor, o Brennand que faz utilitários, o Brennand que está se relacionando com outros intelectuais e artistas”, afirma Júlia Rebouças, que assina a curadoria ao lado de Julieta González.
Quem hoje toca o legado do artista é sua sobrinha-neta e cineasta Marianna Brennand. Presidente da Oficina Brennand (oficializada como instituto sem fins lucrativos em setembro de 2019, meses antes da morte do artista). Ela conta que o tio-avô se preocupava não só com a preservação de sua obra, mas queria que a Oficina abrigasse programas culturais da cena artística do estado e do país. Para a nova fase, ela convidou um time com nomes como Lucas Pessôa, ex-diretor do Masp, que assumiu a diretoria, e a curadora Júlia Rebouças, com passagem pela Bienal de São Paulo.
Marianna lembra que a história da Oficina remonta a 1917, com a fundação da Cerâmica São João pelo pai de Brennand, Ricardo. Em 1971, quando Francisco quis recuperar a velha olaria, o lugar estava em ruínas. “O objetivo
de Brennand era conservar o passado de experiência em torno da cerâmica. Apaixonado por ruínas, ele dizia que a
ruína daquela fábrica ganhou contornos de romance e passou a ser um desafio, além de trazer importantes memórias da infância, pois era no espaço abandonado que realizava suas brincadeiras infantis com os irmãos”, conta Marianna. “Agora é a nossa vez de dar continuidade ao legado de Francisco, com uma instituição aberta, plural, democrática e inclusiva a partir do legado deixado por Francisco, respeitando todas as características naturais e essenciais da Oficina e seu entorno.”
Segundo Marianna, uma série de programações públicas e educativas serão desenvolvidas ao longo de 2022, como uma exposição inédita do artista plástico carioca Ernesto Neto, que instalará uma obra de grande porte comissionada pela Oficina.