Crítica ferrenha da corrupção no Judiciário, a ministra aposentada do STJ Eliana Calmon, que vem sendo sondada pelo partido Podemos do ex-juiz, ex-ministro de Bolsonaro e ex-consultor a soldo de empresas que ele mesmo julgou Sergio Moro para uma possível dobradinha na Bahia, tem combatido o “filhotismo”.
O neologismo, ventilado por ela mesma, pode ser traduzido pelo favorecimento de um filho de um magistrado. Como um ministro de uma corte – o STJ, digamos –, que age para acelerar um processo do qual u hmerdeiro faz parte. O episódio, relativamente comum, constrange juristas como Eliana.
Em conversa com PODER Online nesta segunda-feira (22), a soteropolitana diz que, durante o tempo em que foi corregedora-geral de Justiça, entre 2010 e 2012, sempre buscou formas de impedir legalmente que filhos pudessem atuar na esfera em que seus pais têm cargos importantes. Sem papas na língua, no entanto, afirma que “a safadeza não está aí” – o problema são as ações que ocorrem nos bastidores.
“Muitas vezes, os pais de advogados que são juízes ou ministros, porque isso acontece muito, interferem de uma forma diferente, privilegiando seus filhos. Interferem falando com colegas, pedindo decisões céleres e positivas, tudo isso em troca de vantagem”.
Ela deu como exemplo o ex-presidente do STJ, João Otávio de Noronha, “que viajava demais e levava com ele muita gente que não precisava ter ido” e o ministro Aroldo Cedraz, do TCU, cujo filho “fez a aconteceu aqui mesmo na Bahia”.
Segundo a ex-ministra, a dificuldade em coibir isso passa por falta de interesse da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que “faz ouvidos moucos”, e da falta de interesse do próprio Judiciário. “A gente pensou muito em uma forma de barrar o filhotismo, mas ainda não a encontrou. Se você cerceia o direito, cerceia o direito daqueles que são sérios e estão trabalhando seriamente.”
“Pelo que vi até agora, não tem nenhum filho brilhante que foi prejudicado pelo fato de o pai ser juiz. O que estou vendo e vi a vida toda é o seguinte: o filho não é nada e, de repente, vira um advogado próspero por causa do pai. E no dia que o pai se aposenta, o escritório cai e as portas praticamente são fechadas. Mas aí eles já estão com as burras cheias de dinheiro”.
Eliana Calmon, aduz que “no passado não era assim”, pois muitos filhos de ministros trabalhavam como advogados, inclusive nas cortes em que seus pais tinham cargos importantes, sem nenhuma influência. “Ninguém fala mal do filho do Carlos Mário Velloso [ex-ministro do STF], que trabalhava direitinho. Ninguém nunca falou mal do filho do Eduardo Ribeiro [ex-ministro do STJ]. Hoje é diferente.”
Juíza durante uma década do TRF-1 e ministra durante 14 anos do STJ, diz que ninguém aparecia em seu gabinete com “carteira de filho de juiz”. Hoje, atuando como advogada, afirma que não aceita lobby em sua banca. “Já vou logo avisando, aqui o negócio é sério.”