ENTRE A CONSCIÊNCIA E O OPORTUNISMO – POR DANIELA GRAICAR

Por Daniela Graicar fundadora e CEO da agência PROS, especializada em reputação de marcas e criadora do Movimento Aladas, em apoio ao empreendedorismo feminino

Em 2016, a rede de lojas de artigos esportivos REI foi na contramão da Black Friday e convidou as pessoas para desfrutarem daquela sexta-feira de forma diferente, ao ar livre e longe do consumismo desenfreado. Em 2017, a Ben & Jerry’s protestou contra a proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo na Austrália e parou de vender casquinhas com duas bolas de sabores diferentes. Em 2018, uma menina esculpida em bronze, apelidada de Fearless Girl, foi encomendada pela State Street Global Advisors e instalada em frente ao grande touro para protestar contra a falta de equidade no pagamento salarial entre homens e mulheres nos EUA. Em 2020, O Boticário capacitou 200 influenciadoras 50+, reivindicando maior representatividade nas redes sociais.

Essas ações reforçam o papel social das marcas de provocar a reflexão, de pôr luz num problema e impactar positivamente o mundo. Mas, na tentativa de criar uma narrativa bem posicionada que as separe das irrelevantes, muitas empresas têm caído na vala do purpose washing. E, se tem algo que as pessoas detestam mais que a insensibilidade das marcas, é quando percebem que elas fingem se importar para faturar nas suas costas.

Querendo pedir justiça pela morte de Kathlen Romeu, negra de 24 anos que estava grávida e foi baleada pela PM no RJ, em junho, a Farm acabou liderando uma ação totalmente equivocada. A empresa anunciou que a venda feita com o código especial da ex-vendedora Kathlen teria sua comissão revertida em apoio à família. A repercussão foi péssima e a ação deu lugar a um pedido público de desculpas. Outro escorregão foi da marca de beleza sul-coreana Stylenanda, que criou uma campanha para promover seu novo esmalte e colocou duas mãos (uma branca e outra negra) entrelaçadas, mas aplicou Photoshop para escurecer a palma da mão negra. A comunidade ficou furiosa, ensinando à marca que negros não possuem a palma da mão dessa cor.

Quantas não são as empresas que acham lindo defender a equidade de gênero no mundo do trabalho, mas não possuem mulheres em sua própria diretoria ou conselho. É aí que as ideias e intenções não param em pé. Segundo pesquisa da First Insights, 73% dos jovens da geração Z estão dispostos a pagar até 10% a mais por produtos sustentáveis, e outro estudo mostra que 36% aceitam pagar mais por produtos de empresas que tenham projetos em apoio ao meio ambiente e à sociedade; mas não, não estão dispostos a “comprar” qualquer discurso.

Ao contrário de promoções e patrocínios, as causas têm de ser escolhidas não pela repercussão de determinado tema do momento, mas pela pertinência aos valores e à realidade da empresa. Não basta dizer, tem de ser.

E, para reforçar a potência dos escorregões na vala das causas, vale analisar o recente filme do Clube de Criação, retirado do ar em minutos. Na tentativa de colocar um viés otimista na atual crise “político-econômicosocial-sanitária-e-tudo-mais” que estamos vivendo, a agência W+K SP resgatou momentos históricos catastróficos e fez um paralelo com residuais positivos. Exemplo: vivemos a escravidão, mas (oba!), ela permitiu que nascesse o blues. Logo quem? A cúpula da criação do Brasil, escancarando o problema das causas que falham por não terem empatia, estudo de contexto e avaliação das consequências.

O velho “falem mal, mas falem de mim” nunca colou para quem valoriza a reputação e sabe o trabalho que dá construir uma positiva. Fica o pensamento de que a consciência social anda de mãos dadas com uma boa escolha de causa e narrativa, porém, bem, bem distante da hipocrisia e das capas de justiceiras que algumas marcas vestem.