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Como poderosas do Vale do Silício estão investindo seus bilhões para mudar a realidade das mulheres que atuam nas big techs

Por Anderson Antunes

Quando começou a estudar ciência da computação na prestigiada Universidade Duke, fundada em 1838 na Carolina do Norte e considerada uma das 20 melhores do mundo, Melinda Ann French provavelmente jamais sonhou que viria a se tornar a mulher mais poderosa do Vale do Silício um dia. E não apenas porque se casou com Bill Gates, passando a ser conhecida como Melinda Gates daí pra frente, mas, sobretudo, porque sua forma de conduzir questões do chamado terceiro setor a tornaram uma das maiores experts do mundo no uso da tecnologia de ponta para o bem.

Vista aérea da região do Vale Silício, nos Estados Unidos

Melinda, é claro, se tornou conhecida como a cofundadora da Bill & Melinda Gates Foundation, entidade filantrópica que criou com seu agora ex-marido e que é a maior do mundo entre as privadas. A fundação inovou em vários sentidos, sobretudo no quesito erradicação de doenças em países pobres, e tem tido papel fundamental na luta contra o novo coronavírus, para a qual já doou bilhões de dólares.

Mas aquela que possivelmente se tornará a receptora da maior indenização por divórcio da história – comenta-se que os Gates trocaram alianças sem ter um acordo pré-nupcial devidamente costurado, o que a torna uma forte candidata para receber ao menos metade da fortuna de US$ 131 bilhões dele – é um caso raro no Vale do Silício, a região da Califórnia que ficou conhecida por sediar a maior parte das empresas de tecnologia dos Estados Unidos.

Assim como em várias outras indústrias, a de tecnologia trata as mulheres com certo desdém, por considerá-las incapazes de resolver problemas matemáticos e coisas do tipo com a mesma facilidade que os homens. Mais do que isso, das grandes empresas da área que fazem sucesso hoje, nenhuma tem entre suas cofundadoras uma mulher.

Talvez a maior exceção nesse aspecto seja Meg Whitman, que não fundou a Hewlett-Packard (HP), mas foi responsável por tirar a companhia do buraco no começo dos anos 2010. Meg também é uma das maiores acionistas do eBay e por último tentou, junto com Jeffrey Katzenberg, criar uma espécie de Netflix para celulares, o aplicativo Quibi, que não mostrou a que veio e rendeu prejuízos de bilhões de dólares. Ainda lhe restaram US$ 6,6 bilhões de patrimônio, que ela usa para investir em sua carreira na política, já que sonha ocupar o lugar de Joe Biden na Casa Branca (se promovendo como uma mulher de sucesso entre os “vilões” do Vale do Silício e de olho no crescente eleitorado feminino dos EUA).

De acordo com dados atuais, as empresas do Vale do Silício estão investindo centenas de milhões de dólares para diminuir as diferenças de gênero em seus ambientes de trabalho. Inclusive porque elas performam melhor diante de tanta competição. “Precisei trabalhar em dobro para mostrar meu valor, mas consegui chegar aonde queria”, disse Bethanye Blount, cofundadora e CEO da startup de laboratórios Cathy Labs, em entrevista para a revista The Atlantic.

De acordo com um estudo recente feito pela plataforma de pesquisas americana Carta, mulheres que trabalham no Vale do Silício ganham menos do que seus colegas homens, e também recebem menos “equity”, ou seja, participação nas empresas em que atuam, sempre que se destacam para tal. A Carta analisou os dados de 6 mil companhias que empregam 180 mil trabalhadores e são comandadas por 15 mil fundadores, e destes 91% eram homens. 

Das 9%, uma que se destacou foi Chloe Sladden, que já teve um alto posto de comando no Twitter e deixou o microblog para fundar o grupo #Angels, cujo objetivo é promover uma maior presença feminina nas empresas de tecnologia e também entre os investidores de venture capital. “Não teremos como evoluir se não agirmos em grupo”, disse Chloe, em entrevista ao canal de notícias econômicas CNBC.

Chloe Sladden

Um dos maiores empecilhos para as mulheres que atuam no Vale do Silício, ainda de acordo com Chloe, é que aquelas que conquistam grandes feitos acabam passando despercebidas da grande mídia. Mas as que erram na frente de todo mundo não apenas são massacradas em público como também são transformadas em “exemplos negativos”. Tome-se o caso de Elizabeth Holmes, que foi do céu ao inferno com sua startup de exames clínicos, a Theranos, que prometia amostras de sangue em tempo recorde e se provou uma fraude. “Um insucesso como o da Elizabeth representa anos de retrocesso para nós”, ponderou.

MacKenzie Scott

Para a sorte delas, duas grandes mulheres têm usado os bilhões que herdaram de seus maridos gênios para tentar mudar essa situação. Viúva de Steve Jobs, Laurene Powell Jobs usa US$ 21,5 bilhões para investir em negócios que beneficiem elas no curto e no longo prazo, e prefere que essas iniciativas sejam tocadas por executivas. Já MacKenzie Scott, ex-mulher de Jeff Bezos, foca na educação, tendo doado desde seu divórcio do fundador da Amazon mais de US$ 10 bilhões para universidades americanas que têm programas de igualdade de gênero bem-sucedidos. De certa forma, é uma “vingança” mais elegante quando comparada àquela propagada por Ivana Trump, ex de Donald Trump, logo que se divorciou dele e gritou para quem quisesse ouvir que mulheres injustiçadas não deveriam ficar com raiva, mas sim com tudo. Melinda, Laurene e MacKenzie parecem pensar diferente: querem apenas provar que são tão capazes de grandiosidades quanto os homens que lhes fizeram sombra a vida inteira.

Laurene Powell Jobs
Melinda Gates