Por Fernando Souza
No fim dos anos 1960, quando a bolsa de valores ainda era mato, um ambicioso vendedor de automóveis de Copacabana apostou numa oportunidade que mudaria sua vida. Influenciado por figuras como Francisco Gros, diretor da financeira que atendia a loja de carros (décadas antes de se tornar presidente do Banco Central, BNDES e Petrobras), o jovem Ronaldo conseguiu um emprego para ser auxiliar da corretora Multiplic no pregão carioca, onde já tinha algumas ações. Ali, percebeu que os homens realmente ricos do mercado eram os investidores de fundos públicos (Petrobras, BB, Vale) que colecionavam cautelas a longo prazo. Constatou também que muitos underwritings (IPOs) encalhavam de início, para atingir a estratosfera tempos depois. “Fomos ao Rio Grande do Sul assistir ao primeiro lançamento do grupo Gerdau, e não vendeu nada”, lembra. Incumbido pela corretora de promover os papéis da Casa Sano, antiga fabricante de telhas e caixas d’água de amianto que estreara sem êxito no mercado, Ronaldo virou habitué da rodoviária do Rio, de onde partia com um contrato de 100 mil ações para fazer barulho em São Paulo. Deu certo. Quando o preço subiu, ele realizou a venda, pegou seu lucro da operação e se tornou sócio da Multiplic.
O início da carreira de investidor do carioca Ronaldo Cezar Coelho, 74 anos, traz muitos dos aprendizados que fizeram dele um dos maiores acionistas da bolsa brasileira, com uma carteira de mais de R$ 7 bilhões. Em julho, seu fundo Samambaia foi notícia ao adquirir 7,95% das ações da BR Distribuidora, a maior fatia individual da empresa. O mesmo já havia acontecido com a Light, da qual comprou 20% em duas etapas (a segunda, em 2020).Seus 20% na Energisa – menos apenas que os 30% da família Botelho – foram adquiridos em 2016 e fecham o tripé do fundo. Por enquanto. “Apostei na privatização da BR. Com a saída da Petrobras, o valor destravou. Eu tinha 4%, fui a 8% e tenho o objetivo de chegar a 10%, podendo ir a 15%.” Depois de falar à PODER, ele já detinha 9,5% das ações da BR.
Ronaldo afirma ser mera coincidência a concentração de sua carteira em empresas de geração e distribuição de energia e combustível. “A BR vai expandir seu plano de negócios e crescer com aquisições e fusões. Já a Energisa é a empresa que tem a melhor gestão do setor elétrico brasileiro, com a família Botelho, da qual sou amigo. A Light fez a mudança completa do conselho e se beneficia de sócios como o Beto Sicupira, que atraí para a empresa como investidor e conheço da bolsa desde 1969. Por ser sócio da 3G, ele tem uma experiência extraordinária de pessoas e processos.”
Estar cercado das pessoas certas é um dos mandamentos de Ronaldo. Habituado a citar seus pares e influenciadores nas conversas, ele os chama pela versão carinhosa de seus nomes – o que chega a soar uma excentricidade, considerando se tratar do grosso do PIB nacional. “Eu brincava com o Zé Safra: ‘Compra ações!’. Queria que ele fosse o maior acionista da Nestlé, porque tinha tamanho para isso. Ele respondia: ‘Meu pai dizia lá na Síria que, se juros compostos tivessem asas, voavam’”, conta, ilustrando a predileção do banqueiro.
Muitos dos colegas de Ronaldo se criaram no Leblon, o bairro que, segundo ele, acumulou uma das maiores redes de saberes sobre gestão de fortunas do mundo. “Eu não tenho analistas, nem gente fazendo gráficos, nem nada. Eu uso o conhecimento da ‘Universidade Aberta do Leblon’”, diz, referindo-se ao círculo informal de gestores do bairro. “Tenho um orgulho imenso da história do André Esteves, que eu vi chegando. E o Beto [Sicupira], a nova geração, o Pedro Quaresma, que está na Faria Lima… Vieram de onde? Da Universidade Aberta do Leblon.”
Adepto da filosofia “buy and hold” – que o fez manter uma participação de 6% na Souza Cruz por três décadas –, ele não apenas carrega posições por anos, como reinveste os dividendos. “Sou um investidor de longo prazo, não fico perto do pano verde. Só perde com boas ações quem as vende”, diz. “Não me preocupo com cotações, eleições, pessimismo… Gosto de ir contra a manada. É ali que a gente vê oportunidade.” Um exemplo de como Ronaldo reage a um revés aconteceu no ano passado. “Comprei a Light a R$ 20, R$ 22. Bem no meu aniversário ela amanheceu a R$ 7. Mas se eu achava bom comprar a R$ 22, também deveria achar a R$ 7. Quando me recuperei do golpe, dobrei a parada, indo de 10% para 20%.”
Embora não se envolva na gestão das empresas, Ronaldo demonstra estar atento a seus movimentos. Sobre a mesma Light, ele conta como o problema de ligações elétricas clandestinas no Rio – uma sangria de 600 mil consumidores no sistema da empresa – passou a ser tratado como questão governamental. “Falar dessas perdas como ‘gato’ ou ato criminoso de gente pobre e favelada é falso, é vulgar. Como é que você lança uma conta mínima de R$ 250, em que metade do valor é ICMS, para uma pessoa que só está acima dos sem-teto? Ela teve perda de renda, desemprego, vive do auxílio emergencial… Felizmente o governo do estado entendeu isso, e está em curso uma mudança para o consumidor de baixa renda, com ICMS mínimo de 12%.”
Enquanto deixa a governança para gestores como Sicupira, Ronaldo pegou para si o ‘E’ das práticas ESG (Environmental, Social, Governance) como propósito profissional e pessoal. Seus planos incluem o replantio de Mata Atlântica e a produção de água no âmbito da BR Distribuidora, onde pretende emplacar a BR Florestas, e o reflorestamento do entorno da sua fazenda histórica em Vassouras, no Vale do Café fluminense. “A BR tem 8 mil esquinas no Brasil, e cada uma pode manter um quiosque de serviços ambientais. Quando ficar identificado que ali não tem apenas distribuição de carbono, a dinâmica será diferente.”
Em Vassouras, Ronaldo afirma já ter plantado 152 mil árvores e aumentado o ritmo para 20 mil novas mudas por ano. A ideia é emendar a mancha de Mata Atlântica de sua fazenda a outras duas nos arredores, criando um corredor silvestre. “A BR pode replicar isso multiplicado por cem, por mil.” Em outra iniciativa pessoal na região, o Instituto Vassouras Cultural, fundado e presidido por Ronaldo, adquiriu o casarão em ruínas da Santa Casa, de 1848, para restaurá-lo e, até 2022, transformá-lo em um museu sobre a identidade do povo brasileiro.
Embora não se furte a falar de mercado, ele gosta de introduzir temas mais amenos. Colecionador de arte inveterado, sua compulsão é capaz de arrastá-lo ao agreste pernambucano para garimpar um maracatu de Mestre Vitalino. “Sempre prometo que não vou comprar mais nada, já que a coleção de arte moderna está toda amarrada. Mas outro dia fiquei emocionado com um Portinari. E comprei.” Membro dos conselhos do MAM Rio, da Bienal e do Masp, Ronaldo mantém em comodato no museu paulista a tela Composição (Figura Só) (1930), de Tarsila do Amaral, que emprestou para a exposição Tarsila Popular, em 2019, recorde histórico de público. “Aquela Tarsila ganhou uma nova dimensão ao se tornar ‘a Tarsila do Masp’. Nunca mais voltou para a minha casa, nem vai voltar.”
Criado em um apartamento alugado do IAPC (programa de habitação popular de Getúlio), no Lido, em Copacabana, Ronaldo estudou no tradicional Colégio Pedro 2º e se formou em Direito pela PUC. Filho de um propagandista médico e uma funcionária concursada dos Correios, ambos paraenses, sua mãe era descendente da Amazônia Judaica – movimento migratório do século 19 que trouxe judeus marroquinos para trabalhar no ciclo da borracha. “Meu chip de acumulação e respeito ao dinheiro certamente é da mamãe.” Por iniciativa própria, ele se aproximou do judaísmo nos últimos anos e, em setembro de 2020, se deu “de presente” o brit milá, o ritual judaico de circuncisão. “É uma cerimônia feita no oitavo dia de vida, e eu fiz aos 74 anos. Faltava uma clareza na minha identidade religiosa e espiritual.”
Ronaldo tem um único irmão – Arnaldo Cezar Coelho, o próprio, primeiro árbitro brasileiro a apitar uma final de Copa, em 1982, e por quase três décadas principal comentarista de arbitragem da Globo. Inseparáveis, ambos chegaram a trabalhar juntos no mercado financeiro e são sócios na TV Rio Sul, afiliada da emissora no estado. O que muita gente não sabe é que, tal qual o irmão investidor, Arnaldo teve uma carreira muitíssimo bem-sucedida em uma corretora própria, a Liquidez, vendida no ápice, quando era uma das maiores da BM&F.
Depois de 26 anos no Multiplic, que se transformara em banco de investimentos, Ronaldo e seu sócio Antonio José de Almeida Carneiro, o Bode, venderam suas participações para o Lloyd’s por US$ 600 milhões. A essa altura (1996), ele surfava na carreira política, no segundo de seus quatro mandatos como deputado federal – um pelo PMDB (1987 a 1990) e três pelo PSDB (1995 a 2006), partido que ajudara a fundar e lhe trouxe posteriormente inconvenientes: ex-tesoureiro, ele foi investigado pela Polícia Federal por supostas irregularidades na campanha de 2010 do então candidato a presidente José Serra.
Longe da vida partidária, o ex-político, ex-banqueiro, empresário, megainvestidor e neofilantropo se mantém otimista sobre o futuro do país. “O Brasil testa a nossa paciência, mas vai mudar. Olhe para o agronegócio, o maior produtor de seis das mais importantes commodities do mundo. Olhe para a produção de petróleo do Rio, que salvou o Brasil nos últimos 50 anos e vai nos salvar nos próximos 50.”
Sobre o mercado, Ronaldo vê com bons olhos os setores de varejo, proteínas e tecnologia, mas é alérgico à especulação digital. “Bitcoin é cassino, não tem nada a ver com investimento. Eu até entendo a teoria da nova moeda, mas não tenho mais idade para isso.” O investidor diz não simpatizar também com certos modelos da nova economia. “Não acredito em negócios que têm um cadastro que vale não sei quanto, mas você não vê o lucro.” Em um momento de queda dos juros e migração de CPFs para o mercado de ações, Ronaldo Cezar Coelho nunca pareceu ter tanta razão. “Eu só invisto na bolsa.”