
Um inquérito policial (2135615-42.2024.010216), instaurado em 9 de maio do ano passado pelo delegado do 16º Distrito Policial, de Vila Clementino, já investigava o desvio de dinheiro das contas de centenas de aposentados e pensionistas do INSS, que registraram boletins de ocorrência. Em meio às entidades e empresas envolvidas, está a Ezze Seguros, uma das mais famosas no segmento.
A operação Sem Desconto, deflagrada pela Polícia Federal e Controladoria-Geral da União em 2023, revelada nesta quarta-feira (23), expôs um esquema de desvios de R$ 6,3 bilhões de benefícios previdenciários entre 2019 e 2024. A Ezze está sendo investigada sob suspeita de envolvimento. Investigações da Polícia Civil de São Paulo revelam detalhes de como entidades como o CEBAP (Centro de Estudos dos Benefícios dos Aposentados e Pensionistas) e empresas como a Ezze Seguros lucraram com descontos não autorizados em aposentadorias, vitimando até mesmo idosos como Valdir Louzada, de 70 anos.
Valdir descobriu, em abril de 2024, ao consultar seu extrato no INSS, um desconto de R$ 45,00 em seu benefício de aposentadoria, supostamente autorizado pelo CEBAP. A entidade, com sede em São Paulo, alegava oferecer serviços associativos, mas Valdir jamais consentiu com a cobrança. Em seu boletim de ocorrência no 16º DP de Vila Clementino, declarou: “Não autorizei nada. Isso é um roubo.” A investigação apurou que o CEBAP integrava uma rede de entidades-fantasma criadas para fraudar aposentados. Segundo a PF, essas organizações usavam dados falsificados e assinaturas adulteradas para firmar convênios com o INSS, desviando recursos para empresas como a Ezze Seguros, que supostamente oferecia serviços nunca prestados.
O esquema operava em três etapas. Primeiro, associações como CEBAP e AMBEC eram registradas em cartório com diretores fictícios e sites falsos que simulavam serviços de saúde. Em seguida, por meio de lobistas, firmavam Acordos de Cooperação Técnica com o INSS, ganhando acesso para descontar mensalidades diretamente dos benefícios. A Medida Provisória 871/2019, do governo Bolsonaro, facilitou a regulamentação desses descontos, mas falhas na fiscalização permitiram brechas. Por fim, os valores desviados eram repassados a empresas reais, como a Ezze Seguros, cujos controladores ostentavam carros de luxo e patrimônios superiores a R$ 20 milhões.
A CGU identificou que 97% dos entrevistados não autorizaram os descontos, muitos com assinaturas falsas. O esquema começou em 2019, durante o governo Bolsonaro, mas as investigações formais só começaram em 2023, sob a gestão Lula. A Operação Sem Desconto resultou em 211 mandados de busca e apreensão, seis prisões temporárias e o sequestro de R$ 1 bilhão em bens. Entre os afastados está o ex-presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e o procurador-geral Virgílio Antônio Ribeiro, indicado em 2020.
A Ezze Seguros aparece como peça-chave no caso Valdir. Investigadores apontam que a empresa recebia repasses do CEBAP em troca de serviços fantasmas, como “planos de saúde” nunca implementados. O Ministério Público de São Paulo já apensou inquéritos contra a Ezze e outras entidades, sob suspeita de lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Mais de seis milhões de aposentados tiveram descontos irregulares, segundo a CGU. Para combater o problema, o INSS suspendeu todos os Acordos de Cooperação Técnica e lançou um sistema de reconhecimento facial para validar autorizações. Vítimas como Valdir podem solicitar a exclusão de descontos via aplicativo Meu INSS e buscar ressarcimento judicial.
O caso expõe falhas crônicas na fiscalização do INSS e a vulnerabilidade de idosos, alvos preferenciais de golpes. Enquanto a PF rastreia bens de investigados, a CGU alerta que a fraude não é um caso isolado, mas um sistema que precisou de conivência interna.