Por vezes um charuto é apenas um charuto, costumava dizer o pai da psicanálise, na tentativa de dizer que nem tudo é simbólico e a interpretação tem limites – cartas à redação caso a interpretação enseje reparos. Mas provavelmente não era Freud que o vice-presidente do Brasil, Hamilton Mourão, tinha em mente ao falar nesta terça (8) que o desmatamento na Amazônia em janeiro passado “foi ruim, foi bem ruim”.
A tônica do discurso antiambientalista do governo Bolsonaro é negar os fatos. Caso os dados de desmatamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) sejam ruins, que seja trocado o porta-voz – como aconteceu com Ricardo Galvão, ex-presidente do Inpe, que no ano de su demissão foi considerado “cientista do ano” pela revista Nature.
Por isso, não deixa de ser tentador especular sobre o que Mourão quis dizer ao simplesmente assumir que seu governo desmata como poucos. O dado de janeiro é o pior desde 2015, quando começou a medição pelo sistema chamado Deter. E isso porque foram considerados apenas três semanas do mês.
Teria Mourão se cansado de jogo de cena e atirado a toalha? Tentado iniciar um processo de desacoplamento do governo que compôs com vistas a uma sobrevivência eleitoral em 2023? Ou decidiu o vice-presidente que era hora de ser finalmente fiel à ciência?