Atos reacionários na Cultura e em estados buscam vetar linguagem neutra

Uso de pronomes não binários descredencia projetos que tentam financiamento via Lei Rouanet; Roraima proíbe uso expresso por professores

Crédito: Janine Moraes/MinC

Atacar questões identitárias é importante para o governo federal, que se elegeu apoiado num certo retorno a uma normalidade conservadora, na verdade reacionária, em que a homossexualidade, por exemplo, era um padrão de desvio.

Assim, ninguém fica surpreso com a solidariedade demonstrada pelo senador 01 Bolsonaro (Patriota-RJ)  ao jogador de vôlei Mauricio Souza, demitido do Minas Tênis em razão de declarações homofóbicas que foram consideradas inapropriadas pelos patrocinadores da equipe.

Até mesmo a linguagem neutra, que não faz uso de gêneros definidos, é uma trincheira de batalha do governo. Usá-la descredencia projetos submetidos a financiamento pela Lei Rouanet, conforme recente portaria publicada pelo secretário de Fomento e Incentivo à Cultura, André Porciúncula, da secretaria especial da Cultura.

Levantamento da Agência Diadorim aponta que existem no Brasil 34 projetos de lei que fazem uso do gênero neutro em 19 estados e no DF. Apenas um, Roraima, proibiu expressamente essa implementação nas escolas. Em Minas, na capital Belo Horizonte, projetos para vetar a linguagem avançam desde o ano passado.

Professor da Universidade de Brasília (UnB), que faz uso da linguagem não binária, como também é conhecido o vocabulário neutro, Jorge Martins explica que “essa é uma maneira de incluir outras pessoas” e que o Brasil “que se orgulha da mistura de gêneros deveria dar mais atenção ao tema”.

Jorge afirma que quem resiste ao uso neutro da linguagem apoia a história patriarcal do país, marcada pela intolerância às minorias e diferenças. E sugere a inspiração no inglês. “Acredito que a inclusão é sempre a melhor saída. Nos Estados Unidos, país tão admirado pelo presidente Bolsonaro, ‘friend’ serve para homens e mulheres”.

Na linguagem sem gênero, fala-se “todes” em vez de “todos”, “amigues” em vez de “amigos”, por exemplo. Para o professor Carlos Alessandro Gadelha, da Universidade Estadual de Goiás (UEG), “isso dificulta ainda mais a nossa complexa linguagem” e pode atrapalhar o aprendizado, inclusive, da classe acadêmica.

A linguagem não binária é uma alternativa de comunicação tanto para pessoas que não se reconhecem com os gêneros masculino e feminino ou transitam entre os dois. Para alguns, é um ato de resistência à prevalência do gênero masculino na língua portuguesa.