Um menino pobre do interior fluminense que chegou à Presidência da República. Uma professora que lançou o primeiro romance escrito por uma mulher no Brasil. Um militar cujo projeto de engenharia solucionou o crônico problema de abastecimento de água na capital do Império. O que tinham em comum? Eram personalidades negras ou mestiças que, no século 19, ajudaram a mudar a história do país.
São personagens como os três – Nilo Peçanha, Maria Firmina do Reis e André Rebouças – que a historiadora Mary del Priore foi buscar em À Procura Deles: Quem São os Negros e Mestiços que Ultrapassaram a Barreira do Preconceito e Marcaram a História do Brasil (Benvirá, R$ 49,90). Estudiosa do Brasil do século 19, Mary conta que, nas pesquisas anteriores, percebeu que negros e mestiços ocupavam altos postos no Império, alcançando inclusive cargos mais próximos ao imperador. Muitos outros, alforriados ou nascidos livres, já estavam socialmente inseridos no Estado, no clero, no magistério. “A minha pergunta era: será que os estudos de escravidão não deixaram de lado o estudo desses negros e mestiços? Onde estão essas pessoas? Quem são?”, diz a historiadora.
Entre elas estava Francisco Gomes Brandão (1794-1870), abolicionista, fundador e primeiro presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (precursor da OAB), e o médico baiano Juliano Moreira (1873-1933), que reformulou a psiquiatria no país. Como o título do livro sugere, são personagens que ficaram muitas vezes escondidos, com suas histórias guardadas nos arquivos, ocultadas por políticas de Estado que desprezaram a contribuição africana e afro-brasileira à formação do país ou, ainda, segundo a autora, por estudos universitários que privilegiaram apenas a temática da escravidão. À espera de mais estudos sobre essas personalidades, Mary considera o livro como uma abertura de novas janelas. “É uma garrafa com uma mensagem lançada ao oceano”, compara.
Com uma vasta produção, indo a temas e tempos diversos, Mary del Priore diz que procura se afastar da “torre de marfim” que estudiosos eruditos por vezes ocupam. “Saí da USP há 15 anos motivada por um projeto: eu queria que mais brasileiros lessem história”, afirma. À época, o fato de abandonar um posto de prestígio para escrever livros de divulgação de história foi visto como um “ato de insanidade”, diz a escritora. De lá para cá, ela já escreveu sobre a história do amor, da sexualidade e sobre pessoas comuns, como na recente série de quatro volumes Histórias da Gente Brasileira. “Estou há anos construindo possibilidades de fazer com que meus conterrâneos se interessem pelos temas mais variados. A história é um romance que aconteceu. Para onde você se voltar, há personagens e situações que permitem uma viagem como em um tapete mágico”, revela.