“A esquerda ter capacidade de diálogo, de escuta, é essencial”, diz Boulos

Guilherme Boulos || Crédito: Divulgação

Ex-candidato a presidente em 2018 e a prefeito de São Paulo em 2020 pelo Psol, Guilherme Boulos fala sobre as dores da esquerda e o naurfrágio do Brasil sob Bolsonaro

O ano é 2018. Em um bar frequentado por universitários de Brasília, um candidato à presidência se reúne com jovens da cidade. É Guilherme Boulos (Psol/SP), que à época tinha apenas 1% de intenção de votos na corrida pelo cargo mais alto do Executivo do país.

Enquanto seus adversários faziam grandes eventos, ele percorria ruas e fazia pequenos comícios em lajes de casas das cidades-satélite.  O mesmo ocorreu em 2020, quando concorreu à prefeitura de São Paulo. E é assim, que segundo Boulos, a política deve ser feita – perto das pessoas. “Um dos grandes problemas da esquerda brasileira foi ter deixado de lado o trabalho de base”, afirma.

Boulos é pré-candidato ao governo de São Paulo nas próximas eleições e acredita que a esquerda tem chances reais de derrotar o “Tucanistão”, o domínio do PSDB do estado desde o século passado. Para isso, não descarta possíveis alianças com outros partidos progressistas. Também é coordenador do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST), que ganhou os holofotes nesta quinta (23) ao ocupar por algumas horas, pacificamente, a B3, a bolsa de valores de São Paulo, em protesto contra a fome, o desemprego e a inflação.

No perfil em uma rede social, Boulos escreveu: “O lucro de uns não pode ser a fome de outros” e parabenizou o movimento pela ação.
Em sua já tradicional live de quinta-feira, o presidente Jair Bolsonaro criticou o que classificou como “invasão” da B3 e chamou Boulos de “paspalhão”.

Também por rede social, Boulos respondeu que “ser xingado por um genocida é, para mim, um elogio”. Boulos crê que Bolsonaro representa “risco real de retrocesso democrático”.

Veja a entrevista exclusiva que o jovem político concedeu a PODER Online.

PODER Online – Muito se fala em polarização política e em terceira via. Como o Psol chega às eleições de 2022?

Guilherme Boulos – É importante pontuar que o Brasil é polarizado há 500 anos. Temos um nível de desigualdade muito grande no país e isso se expressa na política. O importante é que essa polarização não seja determinada por intolerância e por incapacidade de diálogo, que é o tom que o bolsonarismo tem dado à política. Hoje, se olharmos as pesquisas, as candidaturas mais fortes são as do Lula e a do Bolsonaro. Tenho trabalhado, assim como a maior parte do Psol, para construir uma unidade para derrotar Bolsonaro em 2022.

PODER Online – O presidente ainda tem pouco mais de um ano e três meses de governo. O que pode acontecer até o fim do mandato?

GB – A aprovação do projeto de lei Antiterrorismo é um dos retrocessos que podemos ter, entre muitos. A cada dia a agenda parlamentar liderada pela aliança entre Bolsonaro e Centrão é recheada de atrasos. Agora mesmo, está em pauta a reforma administrativa, que pode acabar com a estabilidade do servidor público, por exemplo. Isso é um absurdo, uma forma de aparelhamento político-partidário da máquina pública. Dentre todos os retrocessos, pontuo o risco real de retrocesso democrático. Bolsonaro faz ameaças golpistas diariamente. Enquanto tiver no poder, vai utilizá-lo para atacar a democracia, corroer o ambiente democrático.

PODER Online – Bolsonaro tem força e capacidade para dar um golpe?

GB – Força, até aqui, não teve. Por isso, não deu. Porque se dependesse dele, já teria dado. Ele não encontrou eco no comando das Forças Armadas. Vamos lembrar que Bolsonaro tem armado uma milícia privada. Só neste ano, foram mais de 100 mil registros de armas liberados para os CACs (colecionador, atirador e caçador) e para os clubes de tiros – muitos deles bolsonaristas. E venda de armas pesadas como fuzis. Então, existe um grupo fiel, quase fanático, armado. Ele não tem nenhum pudor em mobilizar essa turma para atacar o conjunto das instituições, as liberdades democráticas, opositores. Atacar o próprio sistema eleitoral com essa falácia do voto impresso. O cenário não é tranquilo.


PODER Online – Há algo positivo no atual governo?

GB – O governo Bolsonaro vai passar para as páginas da história brasileira como o maior desastre nacional. É um governo que levou à morte 600 mil cidadãos pela Covid-19 e pelo descaso. É um governo que devolveu o Brasil ao mapa da fome, que bateu recordes de desemprego. Hoje são 15 milhões de desempregados. O governo Bolsonaro é uma tragédia completa. A desmoralização de figuras como a dele e a deste projeto de extrema direita baseado em antipolítica, na ideia de um salvador da pátria, talvez seja a única coisa positiva que fique para o Brasil nesta experiência dolorosa.


PODER Online – Como o Psol trabalha para ampliar seu espaço e ter mais voz nos estados e no Congresso?

GB – A nossa perspectiva é trabalhar pela unidade da esquerda para derrotar o Bolsonaro em nível nacional. O Psol vai buscar construir candidaturas nos estados em que tivermos condições. O partido já faz o mapeamento de suas chapas para aumentar nossa bancada no Congresso. Temos uma bancada bastante combativa, com muita diversidade. É o primeiro partido com maioria de mulheres na bancada. Tem praticamente metade de negros e negras na bancada federal. Essa cara de diversidade, de renovação e de vínculo com os movimentos sociais precisa ser maior a partir de 2023. Então, vamos trabalhar para a ampliação de nossa bancada. Nesses últimos meses, vem o momento para fazermos o mapeamento das chapas em cada um dos estados. Certamente vão surgir nomes novos e fortes, vinculados às lutas sociais para fortalecer nossa chapa para 2022.


PODER Online – O finado ex-prefeito de SP, Bruno Covas (PSDB), demonstrava apreço por algumas de suas ideias da campanha, como a que sugere a compra de produtos orgânicos para as escolas públicas. O senhor acredita que Ricardo Nunes (MDB), o atual prefeito de São Paulo, vá adotar alguma delas?

GB – Espero que adote para o bem da cidade. Você ter produtos orgânicos na merenda escolar não é uma vitória pra mim, é uma vitória para a alimentação das crianças de São Paulo. Espero que faça, mas Ricardo Nunes ainda não disse a que veio. Hoje, se você perguntar nas ruas quem é o prefeito de São Paulo, a cidade não sabe responder. 

PODER Online – Enquanto os demais candidatos buscaram o apoio das massas na última campanha eleitoral para a presidência, em 2018, o senhor chegou a fazer comício em uma região metropolitana do Distrito Federal, na laje de um casebre, para 30 pessoas. Por quê?

GB – Um dos grandes problemas da esquerda brasileira foi ter deixado de lado o trabalho de base. Fizemos muitos comícios grandes na campanha de 2018. Inclusive, reunimos 25 mil pessoas em São Paulo, no Largo da Batata. Mas isso tem de vir combinado com o diálogo de base. Eu, não só em 2018, mas em 2020, quando fui ao segundo turno de São Paulo, subi em muitas lajes para conversar com 10, 15, 20 moradores. Ter a capacidade de diálogo, de escuta, ir aonde as pessoas estão, e não só subir em um palco, numa praça pública, é essencial para a gente fazer uma política que seja capaz de traduzir os anseios daqueles que historicamente foram excluídos.


PODER Online – Há milhões de brasileiros em situação de insegurança alimentar moderada ou grave. O trabalho em movimentos sociais e pelas desigualdades sociais são pautas que sempre estão sem seus discursos e programas de governo. Como diminuir as diferenças sociais?

GB – Não existe combate à desigualdade social sem a retomada do papel do Estado. Do investimento público. Hoje o investimento público no Brasil é o pior em 50 anos. Destruíram, esvaziaram o estado brasileiro. Isso aprofunda as desigualdades. É papel do estado ter um desenvolvimento indutor na economia para estimular a geração de empregos e obras públicas, e assegurar serviços públicos de qualidade – saúde e educação. É papel do estado garantir o direito à moradia digna. Hoje explode a população em situação de rua nas grandes cidades do país. Então, só vamos conseguir enfrentar de fato essa desigualdade com o estado brasileiro, em todos os níveis, voltando a assumir o seu papel no investimento público.

PODER Online – Muitos moradores de rua têm título de eleitor e votam. Como atingir esse público?

GB – Minha preocupação não é que os moradores de rua tenham título de eleitor, a minha preocupação é que eles tenham casa e não precisem morar numa calçada ou embaixo de uma ponte. Apresentamos uma proposta nas últimas eleições à prefeitura de São Paulo que era de acolhimento emergencial em casas solidárias a partir do diálogo com o padre Júlio Lancellotti, que faz um trabalho com a população de rua há décadas, levantando experiências que foram feitas em outras partes do mundo. [É preciso criar uma] porta de saída para que essas pessoas tenham autonomia econômica e sejam incluídas em programas habitacionais de médio prazo.

PODER Online – O senhor é pré-candidato ao governo de São Paulo. Acredita que a esquerda tem chances reais de vencer o PSDB, que governa o estado há décadas? Não seria melhor unir forças com outros candidatos progressistas, como Fernando Haddad, que deve ser lançado pelo PT?

GB – Acredito, sim. Nós temos uma oportunidade histórica aqui no estado de São Paulo. Há 25 anos é o mesmo grupo político do Alckmin, do Doria, que comanda o estado. Então, existe um cansaço. A rejeição do governo Doria é muito alta. O campo da esquerda tem aparecido bem nas pesquisas, acho que temos uma oportunidade real de acabar com o ‘Tucanistão’, essa hegemonia do PSDB aqui em São Paulo. Temos trabalhado por união em possível segundo turno. Nosso esforço é construir uma frente da esquerda para disputar São Paulo. Temos dialogado com vários partidos do campo progressista para viabilizar isso. A unidade é essencial para que possamos derrotar a máquina tucana.