Aos 80 anos de idade, o ex-senador e atual vereador da cidade de São Paulo Eduardo Suplicy segue a fazer o que dele se espera: trabalhar, trabalhar e trabalhar. Seja como vereador, reeleito que foi em 2020, seja como arauto e principal difusor de sua famosa renda mínima, a doação de um valor fixo aos mais pobres.
Menosprezada pelos economistas neoliberais antes da pandemia, hoje o conceito é defendido por 9 entre 10 desses formuladores de políticas públicas, a direita incluída, numa reviravolta impressionante.
A renda mínima – ou Renda Básica de Cidadania, como o projeto de lei foi batizado – ainda depende de regulamentação para ser oficializada, apesar de a lei ter sido sancionada em 2004, por Lula. Diante dessa letargia de 17 anos, o STF agiu para efetivamente implementá-la até no máximo 2022. Agora, uma frente parlamentar mista, presidida pela deputada Tábata Amaral (sem partido-SP), coordenada a regulamentação.
O vereador falou com a PODER Online num giro por Brasília.
Eduardo Suplicy – Tenho trabalhado ativamente na revisão de alguns de meus livros como o Meu jeito de fazer política. Mas, sobretudo continuo trabalhando em defesa da renda básica de cidadania. Também estou atento à resposta que o governo está para dar de como vai regulamentar a Lei 10.835/2004 que a institui. Em 26 de abril deste ano, todos os ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram que o governo Federal deverá, a partir do ano fiscal de 2022, regulamentar os passos que serão dados para instituir o benefício.
PODER Online – Ver uma renda básica de cidadania universal em vigor no Brasil é seu principal objetivo hoje?
ES – Acredito tanto na proposta, neste programa, que quero ver no Brasil a aplicação da renda básica universal durante meu tempo de vida. Tenho procurado fazer um entendimento com Deus para que ele me dê boa saúde para que eu veja implementada ainda durante a minha vida a renda básica de cidadania universal e incondicional para todos os brasileiros e para os estrangeiros aqui residentes há cinco anos ou mais.
PODER Online – Quais as vantagens de se pagar uma renda a todos as pessoas?
ES – A renda básica de cidadania vai elevar o grau de liberdade e dignidade real para todos. Quando, no ano passado, foi aprovada uma renda básica emergencial em São Paulo, que pagou R$ 100 por mês às famílias mais carentes, foi com base nesse projeto. Estudando o tema, fiquei persuadido que melhor que pagar o Bolsa Família e outros programas que temos no Brasil, como o BPC, o Seguro-Desemprego e o Abono, melhor será o dia em que tivermos a renda básica de cidadania incondicional e universal
PODER Online – E como financiar essa renda básica?
ES – É preciso considerar os diversos caminhos da reforma tributária, que estão sendo estudados pelo Congresso, ou maneiras de criarmos fundos que possam pagar o benefício. O Instituto Fiscal do Senado, que faz estudos independentes sobre o total de créditos fiscais concedidos pelo governo, mostrou que, nos últimos anos, o total de créditos subsidiados chegou a mais de R$ 300 bi por ano. O Brasil transfere um volume de recursos para as pessoas de maior riqueza, que são os empresários, bem maior do que paga, por exemplo, ao Bolsa Família. Então, se refletirmos melhor sobre isso, podemos chegar sim a uma forma de financiamento. É preciso que haja um diálogo construtivo e respeitoso com as principais lideranças empresariais do Brasil. Na medida em que compreenderem que, se nós adotarmos um sistema de maior justiça social, até a criminalidade vai cair, essas pessoas vão compreender que podemos sim chegar à renda básica de cidadania.
PODER Online – Mesmo em momentos de crise, como o Mensalão, o senhor nunca se desvinculou do PT.
ES – Eu acredito nos propósitos de construir de forma democrática um país mais justo, solidário e fraterno. Claro que sempre defendendo os princípios éticos e a transparência em tempo real dos atos da administração pública. Tenho consciência de que, em alguns momentos, pessoas do PT cometeram erros. Mas constitui nossa obrigação fazer propostas para prevenir e corrigir esses erros. Continuo a batalhar pelos objetivos do Partido dos Trabalhadores.
PODER Online – O senhor será candidato nas próximas eleições?
ES – Como disse anteriormente, instituir a renda básica universal é meu objetivo maior, minha missão. Vou continuar trabalhando para isso, mas não necessariamente sendo candidato. Algumas pessoas muitas queridas têm dito que eu talvez não precise mais ser candidato.
PODER Online – Qual a avaliação que faz da atuação do governo federal no combate à Covid-19?
ES – O governo federal, por muitas vezes, se negou a observar as normas da Organização Mundial da Saúde e não deu prioridade à vacinação. O governo Bolsonaro acreditou em remédios que não eram considerados eficazes e gastou muitos recursos de maneira incorreta. Houve erros gravíssimos, como os que aconteceram em Manaus, no Amazonas, que acabaram resultando em verdadeira tragédia. A troca frequente de ministros da Saúde constitui uma indicação de que ele não teve o cuidado necessário para combater a Covid. A CPI da Covid tem mostrado como algumas pessoas agiram de maneira criminosa. Isso tudo tem gerado uma reação forte da opinião pública. Manifestações estão sendo realizadas. Eu apoiei as manifestações anteriores, mas não estive presente Agora que estou imunizado, meu médico aprovou minha participação. Pediu para não me aproximar muito das pessoas, usar máscara, álcool em gel. Então, devo ir nas próximas.
PODER Online – O que prevê para as próximas eleições?
ES – Acredito que vamos ter um novo presidente da República, e acredito que seja o Lula. Quero muito ajudar o PT na união dos partidos ditos progressistas, para a construção de um país justo, democrático e mais de acordo com nossos sonhos.
PODER Online – Qual a avaliação o senhor faz dos governos municipal e estadual de São Paulo?
ES – Acho positivos os esforços [feitos] para acelerar a vacinação da população. Tenho procurado ter um diálogo construtivo com o prefeito Ricardo Nunes. Ele está para sancionar um projeto de lei de minha autoria, o Marco da Economia Solidária. Temos conversado sobre outros projetos também, como a criação do Parque do Bexiga. Mas acho que falta maior atenção com a população mais carente, sobretudo a população em situação de rua, que aumentou muito durante a pandemia.
PODER Online – Se o presidente Jair Bolsonaro o convidar para uma conversa, o senhor aceitará o convite?
ES – Quando Bolsonaro disse que estava com Covid-19 e que precisava ficar duas semanas isolado no Palácio do Alvorada, pensei comigo: “quem sabe ele tenha tempo para ler um livro”, e mandei para ele A Utopia, de Thomas Moore. O gabinete do presidente agradeceu o livro, mas não contou que ele o tenha lido. Se o presidente quiser conversar comigo sobre a renda básica de cidadania, pode me convidar. Eu falo com todos sobre o assunto.