Lima Duarte relembra convite para ser candidato a vice-presidente: “Nunca vi ator ou atriz entrar para a política e dar certo”

Maurício Nahas
Créditos: Maurício Nahas

Ariclenes Venâncio Martins. Ou Lima Duarte. Ou Zeca Diabo, Salviano Lisboa, Dom Lázaro Venturini, Sinhozinho Malta, Sassá Mutema, ou tantos outros personagens célebres dos 70 anos da televisão brasileira. Ator de mil faces, Lima, certa vez ao ser comparado a Charlie Chaplin e Marlon Brando, definiu assim sua missão artística: “Somos todos atores de um papel só. O meu é o brasileiro”. E assim tornou-se querido e presente na retina do telespectador desde o primeiro dia da TV Tupi, canal 3 de São Paulo, em 18 de setembro de 1950.

“Eu estava lá, vi tudo isso, ninguém me contou. Trabalhava na Rádio Tupi. Um dia, disseram que vinha a televisão, não tínhamos noção do que seria. Imaginávamos o Jeca Tatu, do Monteiro Lobato, que, quando fica rico, compra uma televisão para fiscalizar os trabalhadores no cafezal. Pensávamos: ‘Será que o Chateaubriand [Assis, dono do grupo Diários Associados do qual a TV Tupi fazia parte] quer fiscalizar a gente?’”, lembra Lima Duarte, testemunha viva, aos 90 anos e com precisão jovial, convidado especialíssimo desta edição do Ensaio de PODER.

 

Ao lado dele e de Chatô estavam Hebe Camargo, Lolita Rodrigues, Walter George Durst, Otavio Gabus Mendes e outros. “Ficamos maravilhados! Pensávamos que seria rádio com imagem, mas não. Era imagem com rádio.” O primeiro “no ar” foi assistido por alguns dos proprietários dos 200 televisores importados de Nova York por Chatô e curiosos que se reuniram em frente às TVs colocadas nas vitrines de 20 lojas no centro paulistano.

Desde então, Lima atuou, dublou, apresentou, dirigiu e assistiu a todos os capítulos dos 70 anos da televisão. Na tela, acompanhou também as transformações do país, geração a geração, governo a governo, e por pouco não deixou de ser personagem quando foi convidado para vice-presidente de Mário Covas na disputa à Presidência da República em 1989 – de olho na popularidade do caboclo simpático Sassá Mutema, vivido por Lima em O Salvador da Pátria, o PSDB convocou o ator para tentar catapultar a candidatura de Covas, que àquela altura, e como a história registrou, não emplacou. “Foi no último dia da gravação da novela. Um voo particular do partido me levou do Rio a São Paulo para me encontrar com ele. Curiosamente, quem dirigiu o carro, do aeroporto até o bairro de Moema, onde ficava o apartamento do Covas, foi o Fernando Henrique [Cardoso]. Era um Opala, blasé e solene como ele”, brinca.

Segundo cálculos do Data Lima, o populismo do bigodudo amealharia votos suficientes para levar Mário Covas ao segundo turno. Mas esse capítulo a história não registrou. Depois de consultar os familiares, o ator declinou do convite prevendo ser massacrado pela sordidez eleitoral. “Não tenho essa vocação. Fico pensando se eu tivesse aceito, como teria sido. Nunca vi nenhum ator ou atriz entrar para a política e dar certo.”

Que o diga a colega Regina Duarte, a Viúva Porcina, com quem Sinhozinho Malta formou dupla histórica em Roque Santeiro. A passagem relâmpago e polêmica da atriz pela Secretaria de Cultura do governo Bolsonaro – foram dois meses no cargo – é vista por ele como “vergonhosa e lamentável”. “A Chapeuzinho Vermelho se encantou pelo Lobo Mau. Acho que os agentes culturais estão no mesmo nível do presidente, um prato raso. A sabedoria, a inteligência e a arte estão sendo perseguidas de todas as maneiras. Mas isso vai passar, tudo passa. E o brasileiro sobreviverá.” Como todos os papéis de Lima Duarte vívidos na lembrança dos telespectadores. (Por Dado Abreu)