Revista Poder

FURACÃO CAROLINA

Com uma energia inesgotável, conhecimento de mercado e ousadia, Carol Burg está revolucionando o segmento imobiliário de luxo em São Paulo com a JFL Realty. Como? Alugando apartamentos de alto padrão para quem quer morar muito bem - pelo tempo que for

POR MÁRCIA ROCHA
FOTOS IGOR KALINOUSKI

Para entender um pouco como funciona a cabeça de Carolina Burg Terpins, a Carol, vale pensar nela como uma típica representante da Geração Y ou millennial, que nasceu do início da década de 1980 até meados de 1990 e sacudiu o mercado de trabalho assim que pisou nele. Aos 43 anos, essa paulistana da gema tem características típicas de sua geração: é inquieta; impaciente quando as coisas não saem como planejadas; e superfocada no trabalho, desde que ele esteja alinhado com o que pensa para sua vida e sua carreira. Não que as gerações anteriores não tenham esses traços – o caso é que eles são mais evidentes nos profissionais da Geração Y. Os 50+, por exemplo, eram capazes de passar anos trabalhando na mesma empresa, mesmo quando suas funções não estivessem mais fazendo sentido para eles. Isso porque a estabilidade profissional era parte importante de uma carreira de sucesso.

 

“Compramos o primeiro edifício em construção e fizemos algumas adaptações na planta para que os apartamentos tivessem a cara que a gente queria. Foi meio que um laboratório”

 

No caso de Carol, foram justamente a inquietação e a coragem para executar os próprios planos que a levaram a deixar um cargo de executiva no Banco Brasil Plural e fundar a gestora de ativos imobiliários JFL Realty com Jorge Felipe Lemann, filho do megainvestidor Jorge Paulo Lemann. O nome da empresa, aliás, é formado pelas letras iniciais do nome e sobrenome do sócio-investidor. A JFL Realty atua no mercado profissional de imóveis residenciais para renda – no caso, estamos falando de imóveis de alto padrão. “Nessa área, a empresa é dona do empreendimento imobiliário residencial e o disponibiliza apenas para locação. A JFL faz parte desse mercado no Brasil e foi uma das primeiras a entender e a desbravar esse setor”, explica Robinson Silva, sócio-diretor do Global Real Estate Institute (GRI), clube de networking fundado no fim dos anos 1990, em Londres, que reúnde altos executivos dos setores imobiliário e de infraestrutura no mundo, e está no Brasil desde 2010.

Os apartamentos da JFL, todos de alto padrão, são locados por pessoas que, por motivos profissionais ou pessoais, precisam morar determinado tempo na cidade (no caso, São Paulo), mas não querem se sentir como hóspedes, de um hotel ou mesmo de um flat. A empresa, que aposta no conceito long stay, oferecendo um período mínimo de locação de um mês, tem vários inquilinos que decidiram morar no imóvel de vez. “A maioria dos nossos contratos, aliás, é desse tipo. Gente que gosta tanto da experiência que resolve ficar no apartamento”, explica Carol.

De 2015, ano em que a empresa foi fundada, para cá, já são 11 empreendimentos – entre prédios que já têm moradores, edifícios em construção e terrenos. Todos localizados em pontos estratégicos da capital paulista – bairros como Jardins, Itaim, Vila Olímpia e Pinheiros, que são próximos de grandes centros financeiros. Paralelamente à fundação da JFL Realty, veio também a questão de como seria feita a gestão dos prédios. “Nossa ideia era não só oferecer imóveis de alto padrão, mas também uma experiência diferenciada de morar e, para isso, não fazia sentido deixar a gestão nas mãos de outra empresa”, diz Carol. Foi assim que nasceu a JFL Living, que gere o dia a dia dos prédios e acabou se tornando o principal negócio da empresa. Atualmente, são 612 apartamentos de 36 m2 a 431 m2 de área, totalmente decorados e equipados com eletrodomésticos, louças, talheres e artigos de cama, mesa e banho, além de facilidades como serviço de café da manhã, lavanderia, piscina e academia. Ou seja: basta abrir a porta para se sentir em casa.

Carol desconversa sobre números e prefere usar outra métrica para mostrar o crescimento da JFL Living: a quantidade de empreendimentos até hoje. São 11, ou seja, mais de um por ano desde a fundação da empresa. Os aluguéis variam de R$ 8 mil a R$ 100 mil, valor que o locatário da cobertura de um dos prédios desembolsa todo mês.

Os negócios vão muito bem, obrigado, mas ainda há muito chão pela frente e os passos têm sido largos e rápidos. Um exemplo recente é que pouco antes da última conversa com a PODER (foram duas entrevistas realizadas entre novembro e dezembro), Carol estava em reunião com um grande banco brasileiro para fechar um crédito de R$ 1 bilhão – que conseguiu. “No início, a gente tinha muito mais dificuldade porque o mercado não conhecia a empresa e, menos ainda, nosso tipo de negócio”, pontua.

O sucesso da JFL Living também é impulsionado por uma mudança de comportamento, já que, para as gerações atuais, comprar um imóvel se tornou menos relevante do que há duas ou três décadas. “Os empreendimentos imobiliários para locação são uma tendência e os investidores e incorporadores passaram a enxergá-los como um filão promissor”, diz Robinson, do GRI.

ONE OF THE GUYS

Carol foi forjada em um mercado eminentemente masculino: o financeiro. “Na área em que eu trabalhava, todos os meus chefes e colegas eram homens”, lembra. Até ser aceita, conta que foi testada de todos os jeitos, não só profissionalmente, mas também com piadinhas e comentários machistas, que ouvia o tempo todo. “Na happy hour, por exemplo, era como se eu não estivesse presente.” Ela também se recorda de uma vez, durante a revelação do amigo secreto na empresa, em que foi definida desta forma: “Ela é o único homem de seu setor”. E, como tantas outras mulheres, Carol sofreu assédio sexual no ambiente de trabalho. “Foi de um colega que tinha acabado de ser promovido. Acabei pedindo demissão.” No seu tempo de mercado financeiro, ia trabalhar de óculos para parecer mais velha e não usava saia para não destoar do dress code. “Para mim, isso era natural, já que não conhecia outros ambientes e vivia para o trabalho.” Influenciada pela misoginia reinante, confessa que tinha preconceito profissional em relação às mulheres. Nada a ver com a Carol de hoje, que tem várias funcionárias em sua equipe e diz que as mulheres prestam mais atenção aos detalhes, algo fundamental em uma empresa como a JFL Living. “Claro que não contrato pensando nisso, mas, na maioria das entrevistas que fizemos, as candidatas eram mais competentes.”

 

UMA IDEIA NA CABEÇA

Em 2012, três anos antes de fundar a JFL Realty, Carol trabalhava no Banco Brasil Plural à frente da área de mercado imobiliário – ou de real estate, para usar o jargão do setor financeiro. Foi lá que ela conheceu Jorge Felipe Lemann, o Pipo. “Na época, a corretora dele, a Flow, havia se fundido com o banco e o Pipo se tornou um dos maiores acionistas, além de CEO da corretora dentro do Brasil Plural. Por conta do trabalho, acabamos nos tornando amigos.”

Na ocasião, Carol tinha grandes empresas do mercado imobiliário em sua carteira de clientes – caso da Cyrela, da Brookfield e da Vitacon, entre outros. Para comandar uma área como a dela, são escolhidos profissionais com profundo conhecimento do mercado financeiro, experiência que Carol adquiriu nas empresas em que trabalhou antes, como Citibank, Braskem e Alcoa. Cabia a ela pensar, a partir de uma análise criteriosa do cenário econômico, em soluções rentáveis para os clientes – o que podia ser desde sugestões para adquirir ou construir imóveis ou fazer um IPO, por exemplo. Seu setor era focado em fee business, área de assessoria financeira em que o banco presta serviço para o cliente, normalmente sem alocação de capital próprio, e ganha de acordo com o sucesso da transação.

Em uma dessas vezes, uma das construtoras que Carol atendia precisava captar dinheiro e a construção de um prédio estava entre as soluções propostas por ela e sua equipe. “A ideia era vender o edifício inteiro de uma só vez, não comercializar apartamento por apartamento”, conta. Isso aconteceu entre 2012 e 2013, mesma época em que Carol começou a viajar com frequência para os Estados Unidos a fim de estudar o mercado imobiliário. Uma de suas primeiras constatações durante essas viagens foi a alta segmentação. O Equity International, por exemplo, que é um dos maiores fundos de investimentos do mundo para empresas de construção, incorporação e gestão imobiliária, tem áreas separadas para atender os mercados corporativo e residencial. “Para se ter uma ideia, existem nichos específicos para estudantes, aposentados e até para motorhomes, em que o dono do veículo compra o terreno em que vai estacioná-lo.”

 

“A Carol tem duas grandes qualidades: capacidade de execução singular e habilidade de iniciar negócios” Jorge Felipe Lemann, sócio-investidor JFL Realty

 

DE FUNCIONÁRIA A EMPRESÁRIA

Em 2013, o mercado imobiliário mundial e nacional ainda sofria os efeitos da crise econômica de 2008. “O Pipo havia saído do banco para tirar um ano sabático e eu já tinha percebido que o fee business não era um negócio rentável naquele momento.” Ela, então, sugeriu um trabalho mais direcionado para o private equity, ou seja, que o banco investisse nas empresas. “O Pipo e outros membros do board me apoiaram, mas o Brasil Plural era focado no fee business.”

Como a situação não se resolvia, Carol se desligou da empresa no fim de 2014 e abriu a JFL Realty no ano seguinte. “A princípio, nossa ideia era fazer tudo no banco, pois estávamos enxergando uma demanda no mercado e, ao mesmo tempo, uma falta de players. Internamente não voou. Então, decidimos fazer fora”, lembra Jorge Felipe Lemann, sócio-investidor da JFL Realty.

No início, eram apenas ela e Jorge Felipe e os dois ocupavam uma sala no escritório de um advogado amigo de Carol. O tempo passou e, atualmente, a JFL conta com cerca de 200 funcionários. A primeira aquisição, um terreno na avenida Rebouças comprado em 2015 e onde foi construído o JFL 125, que será inaugurado em janeiro e que também vai abrigar o novo escritório da empresa.

O primeiro edifício JFL Living a entrar em operação foi o V House, que fica na avenida Eusébio Matoso. “Compramos o prédio em construção e fizemos algumas adaptações na planta para que os apartamentos tivessem a cara que a gente queria. Foi meio que um laboratório para nós”, conta Carol.

Não há dúvida que o estilo mão na massa da empresária é uma característica de sua personalidade, mas ela diz que, no início, ser assim era premissa para fazer a empresa crescer – e que todo mundo precisava agir dessa forma. Até hoje, Carol mantém esse comportamento, mesmo que isso não seja mais tão necessário. Assim, ela presta atenção em absolutamente tudo, da movimentação financeira aos pisos e objetos de decoração que serão colocados em cada apartamento. Também acompanha de perto as pesquisas feitas entre os moradores para saber o que eles valorizam. “Em uma dessas vezes, tivemos uma surpresa ao descobrir que as máquinas de café faziam menos sucesso do que a gente imaginava”, revela.

O setor em que a JFL Living atua ainda é novo no Brasil, mas os concorrentes estão chegando e já foram anunciadas joint ventures entre investidores e incorporadoras interessados nesse nicho: caso da Cyrela com os fundos Great Star e CPP Investments; dos fundos Hines e Ivanhoe Cambridge, que vão investir cerca de R$ 750 milhões em alguns projetos em São Paulo; e do fundo canadense Brookfield, que assinou um contrato bilionário com a Luggo, empresa da construtora MRV. “De cinco anos para cá, grandes investidores começaram a olhar o segmento com mais interesse”, conta Robinson.

Carol diz que a JFL Living ainda não tem concorrentes “porque outras empresas não fazem o que nós fazemos”, mas tem concorrência. Um exemplo disso, segundo ela, é um cliente alugar um apartamento da Housi, que é um braço da Vitacon, em vez de ficar em um dos prédios da JFL Living. “Eles trabalham no esquema short stay, mas, como nossos aluguéis são mais altos, pode acontecer de alguém optar por morar nos apartamentos da Housi durante mais tempo”, explica. Seguindo o mesmo raciocínio, o Airbnb também pode fazer concorrência para a JFL Living em determinadas situações. Como Carol não perde tempo, claro que os próximos passos já estão planejados e incluem um IPO, além de empreendimentos em outras praças. Rio de Janeiro, Goiânia, Brasília e Porto Alegre estão no mapa de expansão da empresa.

BOA DE PAPO E DE NÚMEROS

Carol tem um irmão mais novo – e outros quatro da nova família que seu pai constituiu depois que se separou de sua mãe. Pouco antes de prestar o vestibular, já tinha em mente cursar Direito e economia – áreas complementares, na sua visão. Ela se formou em economia pela Faap, em São Paulo, e chegou a se matricular no curso de Direito da PUC. “Para segurar a vaga porque queria mesmo era entrar na São Francisco”, lembra. No fim, não fez nem PUC nem USP, pois começou a trabalhar e, além da falta de tempo, achava que aprendia muito mais como estagiária do Citibank.

 

SOPA DE LETRINHAS

Atualmente, a JFL Living tem 652 apartamentos para locação distribuídos em cinco prédios da empresa em São Paulo. Ano que vem, outros três edifícios vão entrar em operação, fazendo o total de apartamentos subir para 912 unidades.

– VHouse
– VO699
– JML747
– GO850
– JFL125

 

Aliás, em se tratando de aprendizado, considera a Braskem uma de suas grandes escolas, já que a empresa lhe descortinou um mundo de possibilidades. “Eu trabalhava na área de risco e tinha muita autonomia.” Aproveitou o espaço para abrir frentes e interagir com colegas de outros setores – desenvoltura que, algum tempo depois, se revelou muito útil para seu próximo passo na carreira: a área de relações institucionais. “Me tornei uma megavendedora e muito competente na área. Sabe por quê? Porque eu tinha uma base técnica muito sólida e descobri que também era boa de relacionamento”, afirma.

Como na vida dela é tudo na base do tudo ao mesmo tempo agora, não foi diferente na hora de construir sua própria família. Thomas, seu único filho, nasceu em 2017, ou seja, quando Carol estava se virando em mil para fazer a JFL Living decolar. “O Ricardo sempre me apoiou, me dando cobertura quando eu precisava ficar ausente por conta do trabalho”, diz, falando sobre o marido, Ricardo Terpins, dono da BLTT Seguros, que é voltada para o público AAA.

E, enquanto a pandemia bagunçou a vida e os negócios de muita gente, para Carol o isolamento ajudou. “Como trabalhava em casa, pude ficar mais perto do Thomas”, comenta. E, segundo ela, a JFL Living foi de vento em popa durante o período. “A gente cresceu e lançou alguns empreendimentos. Afinal, fazer as pessoas se sentirem bem no lugar onde moram é exatamente a razão de ser da empresa”, finaliza.

 

MERCADO EM EXPANSÃO

O segmento profissional de residencial para renda é um dos maiores do mercado imobiliário americano – e muito antigo também. “No Brasil, esse setor começou a nascer informalmente depois da lei do inquilinato, em 1991”, conta Robinson, do GRI. Segundo ele, o Brasil tem uma peculiaridade: a grande maioria dos imóveis residenciais para locação ainda é de propriedade de pessoas físicas e de pequenos investidores que compram um, dois ou mais imóveis e os colocam para locação. Robinson diz que o mercado profissional de residencial para renda tem cerca de cinco anos. Nesse segmento, um investidor ou um incorporador compra um terreno, desenvolve o projeto do zero, e não vende o empreendimento. A receita vem da locação do imóvel. “No futuro, claro, a valorização do empreendimento também entra na equação e pode virar uma oportunidade de negócio. Mas o grande impulsionador desse tipo de investimento é o aluguel residencial”, explica.

 

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