Por Paulo Vieira
A pesar da onda que elegeu dezenas de deputados e senadores irmanados no mais estrito conservadorismo, o grande vencedor das eleições de outubro é Lula. No Brasil, o poder Executivo possui força desmedida e dita a pauta institucional, ainda que o presidente tenha de fazer concessões – aparentemente cada vez maiores – para o Legislativo. Lula não venceria, por sua vez, sem o apoio que teve das mulheres. Das mulheres brasileiras, de modo geral, e de algumas delas, em particular. No primeiro caso, é possível inferir, lançando-se mão de dez entre dez pesquisas de intenção de votos feitas antes e ao longo da campanha eleitoral, que o petista manteve-se sempre à frente na preferência do eleitorado feminino. É bastante sintomático que, no lado do adversário, a campanha bolsonarista tenha trazido para o palco a primeira-dama Michele Bolsonaro, uma tentativa de undécima hora de tentar diminuir a rejeição nesse público.
Seria exercício de especulação tentar quantificar as contribuições da senadora Simone Tebet (MDB- -MS), da deputada eleita Marina Silva (Rede-SP) e até mesmo da socióloga Janja, mulher de Lula, na vitória do líder petista. Mas é certo que o empenho das três foi decisivo, assim como o foram, a sua maneira, o de outras figuras, entre elas a senadora maranhense Eliziane Gama, do Cidadania, a presidente do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann, a governadora reeleita do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra, e Lu Alckmin, mulher do vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (no infográfico da página ao lado, inspirado no PowerPoint do ex-coordenador da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol, estão os nomes de algumas mulheres que participaram decisivamente da vitória eleitoral e de outras que agora atuam no governo de transição).
O caso de Simone Tebet merece destaque, pois era a senadora, terceiro lugar entre os presidenciáveis no primeiro turno, a única que tinha um capital eleitoral apreciável em disputa. Seus 4,9 milhões de votos, 4,16% do total apurado, seriam fundamentais para as pretensões de vitória dos finalistas na rodada decisiva. É impossível saber quantos votos Simone converteu para Lula, mas a senadora, adiantando-se à lentidão natural de seu partido, engajou-se decisivamente na campanha, fez diversas viagens com o ex-presidente e, de quebra, injetou na pauta do candidato temas e demandas relativas às mulheres. “Entrei na campanha inteira, com sentimento de paz por estar do lado certo da história. Trabalhei no segundo turno como trabalhei para minha candidatura, sem descanso. Cumpri missões onde a campanha de Lula avaliou que minha presença e palavra poderiam ser úteis, como em Brasília e nos três maiores colégios eleitorais do Brasil, Minas, Rio e São Paulo”, disse, por mensagem de texto, a senadora a PODER. Sobre a incorporação de pautas próprias no programa do presidente eleito, Simone lembrou que Lula já havia aderido, no começo de outubro, a “todas as cinco propostas” que a senadora havia apresentado em sua campanha. Mas sublinhou, em relação ao eleitorado feminino, que Lula “comprometeu-se em sancionar a lei que iguala salários entre homens e mulheres que exerçam a mesma função”. Além disso, outra ideia de Simone acatada pelo petista é a formação de um “ministério plural”, com, segundo a senadora, “mais mulheres, negros e pessoas com deficiência”.
Professora de direito constitucional da FGV-SP e estudiosa da participação feminina na política, notadamente em cargos legislativos, Luciana Ramos disse a PODER que o eleitorado feminino, particularmente aquele formado pelas mulheres mais pobres, periféricas e chefes de família, “veem como muito significativo para suas vidas a entrada de um filho numa universidade pública”, e, isso, que “afeta a dinâmica familiar e eventualmente muda as condições socioeconômicas da família como um todo” é um fenômeno comumentemente atribuído aos governos de Lula. No caso das “mulheres de Lula”, aquelas que se incorporaram à campanha petista, Simone Tebet tem, para Luciana, participação especialmente importante para o debate que deve se seguir nas próximas semanas, sobre temas como representatividade dos ministérios. Para a professora, haverá ainda claras demandas de “vozes plurais” e dos movimentos sociais, e um possível não endereçamento disso “seria um problema” para o novo governo. “Acho que os nomes do governo de transição já têm conseguido atender essas demandas, especialmente no caso das lideranças negras, que são fortíssimas” (leia mais sobre o governo de transição no boxe abaixo).
Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente de Lula que, em 2014, seria vítima de campanha hostil do PT, quando disputou a presidência com Dilma Rousseff e Aécio Neves (PSDB), reaproximou-se da sigla e de Lula neste 2022. Ela justificou algumas vezes essa decisão por ver em jogo, especialmente no segundo turno, um embate “entre a democracia e o fim da democracia” e entre a “integridade e a destruição da Amazônia”. Como Simone, Marina também subiu a palanques nos momentos cruciais da campanha e, em meados de novembro, fez-se acompanhar de Lula em Sharm el-Sheikh, no Egito, na edição 2022 da Conferência do Clima, a COP27. A presença dos dois ali, com intensa agenda internacional especialmente por parte de Lula, deixou clara a importância que a pauta ambiental deve vir a ter no governo do presidente eleito, imperativo hoje para o reposicionamento do Brasil como player global.
“Entrei na campanha [de Lula] inteira, com sentimento de paz por estar do lado certo da história. Trabalhei no segundo turno como trabalhei para minha candidatura, sem descanso” Senadora Simone Tebet (MDB-MS)
Quanto a Janja, seria necessário talvez ter uma bola de cristal para mensurar sua importância na vitória do marido. Mas Lula, muito antes do início do calendário eleitoral, reputava à socióloga boa parte de sua vontade de concorrer a um terceiro termo. Em entrevista em meados de novembro ao programa Fantástico, da TV Globo, um reconhecimento tácito da emissora da força da futura primeira-dama, Janja disse que não teve qualquer papel de articulação política na campanha, mas confirmou ter sido a pessoa que acabou por fazer a ligação telefônica que colocou Simone em contato com Lula. “Era importante conversar com ela (…) Foi uma campanha significativa do ponto de olhar feminino, [Simone] trouxe essa importância da participação feminina. Ele teve um papel importantíssimo no segundo turno [para a campanha de Lula] e eu tinha certeza que seria assim”, disse.
PAÍS EM TRANSIÇÃO
Estar nos grupos do governo de transição não habilita necessariamente seus integrantes a participar de ministérios a partir de 2023, mas, se os nomes já postos indicam algo, é que os temas de equidade e diversidade – e até, forçando um pouco a barra, ortodoxia econômica – são alguns que podem vir a ser contemplados na hora h. Os diversos grupos de trabalho que vêm sendo anunciados pelo vice-presidente eleito e coordenador da transição, Geraldo Alckmin, incluem figuras muito representativas desses e de outros setores, casos de Persio Arida e André Lara Resende (economia), Preta Ferreira e Douglas Belchior (igualdade racial), Silvio Almeida (direitos humanos), Bela Gil e a própria Simone Tebet (Assistência Social), Priscila Cruz e Neca Setubal (Educação), Guilherme Boulos e Nabil Bonduki (Cidades), Raí e Ana Moser (Esportes) e Anielle Franco, a irmã da ex-vereadora Marielle Franco (Mulher). Com tudo isso, e a despeito de nomes praticamente intocáveis, como os do grupo de educação, é a economia que ainda desperta, para o bem e para o mal, os humores políticos e midiáticos. A cobrança do nome do futuro ministro da Economia tem liderado as discussões, como se essa figura aparentemente iluminada fosse desvendar, de uma só vez, tudo o que há por desvendar de Lula 3. A verdade é que, se há algo desse futuro ministro que hoje se pode afirmar com certeza, é que ele não será exatamente um posto Ipiranga.
Fotos: Roque de Sá/agência Senado, Fábio Rodrigues Pozzebom/agência Brasil, Ricardo Stuckert/instituto Lula, Eduardo Ogata, PT