Revista Poder

ESTRANHO NO NINHO

Fundador do Grupo Gaia, João Paulo Pacifico faz parte de uma geração que coloca o sucesso profissional em segundo plano. O primeiro passo foi doar o dinheiro da venda de sua empresa para uma ONG voltada para projetos de alto impacto social

João Paulo Pacifico || Crédito: Divulgação

Por Michele Loureiro

“Tenho total consciência do meu privilégio de homem branco, heterossexual e que nasceu em uma família de classe média. Por isso, meu papel é ajudar quem não teve os mesmos privilégios.” Foi assim que João Paulo Pacifico iniciou a entrevista que concedeu a PODER. Nascido em São Paulo e o mais velho de três irmãos, ele defende bandeiras sociais e, por causa disso, é uma figura um tanto controversa no meio empresarial. Isso porque, há alguns anos, João trata a felicidade como pilar da gestão e bate de frente com nomes que considera que vão no sentido oposto do que acredita. Caso de Guilherme Benchimol, fundador da XP, e Jorge Paulo Lemann. “Trabalhei no mercado financeiro. Sei como funciona a estrutura e não quero isso para mim”, afirma o empresário.

Recentemente, ele assumiu uma postura ainda mais radical e está nos holofotes por desistir de receber o dinheiro da venda do Grupo Gaia, empresa que fundou há 13 anos e é uma das maiores securitizadoras (negócio que transforma dívidas em ativos) do mercado brasileiro, para usar o montante em causas sociais. Vendeu a parte puramente financeira do grupo, sob o nome Planeta, para uma de suas concorrentes, a Opea (antiga RB Securitizadora), que é controlada pelo fundo Jaguar Growth Partners. Agora, João Paulo se dedica à nova fase da Gaia. Os recursos da venda e as ações foram doados para a ONG que criou com o objetivo de fazer investimentos de impacto social, que manteve o nome Gaia. “Pensei muito sobre o que fazer com o dinheiro e, para mim, seria hipocrisia não colocá-lo a serviço de algo maior. Além disso, seria injusto com minhas filhas que eu definisse o futuro delas. Vou oferecer todo o suporte, claro, mas quero dar a elas a oportunidade de construírem algo”, diz o empresário, sem negar que tem uma condição financeira confortável, apesar de ter doado o dinheiro da venda da empresa. Em um primeiro momento, essa decisão pode soar estranha, mas olhar a trajetória de João Paulo – desde a infância – ajuda a entender um pouco por que ele resolveu abrir mão de parte de seu patrimônio em prol de uma causa.

TREINOS E FILANTROPIA

Formado em engenharia, pai de duas meninas e casado com uma juíza, João teve uma infância feliz. Sua personalidade foi moldada em meio aos treinos de natação que garantiram medalhas em competições estaduais e nacionais, e o ajudaram a desenvolver a perseverança. Fora isso, nas férias era monitor de crianças no acampamento da mãe e trabalhava como voluntário em ONGs. “Aprendi a ver a vida de forma mais leve e lúdica.”

Mas, profissionalmente, mesmo estando na faculdade, não sabia muito bem o que faria. No terceiro ano começou a procurar estágio e depois de meses e de dezenas de entrevistas, conseguiu o primeiro emprego. “Fui privilegiado, mais uma vez, já que um amigo do meu pai me chamou para uma conversa. Eram dois banqueiros que abririam uma empresa de investimentos, que ainda não tinha nome”, conta. Tratava-se da Rio Bravo, gestora que hoje administra um patrimônio de aproximadamente R$ 310,5 bilhões. “Quando vi, já estava dentro do mercado financeiro.”

A trajetória de João Paulo na Rio Bravo durou sete anos e foi essencial para a sua formação na área financeira. Ele saiu de lá como diretor para trabalhar em um banco sulafricano, onde ficou pouco mais de um mês, quando foi convidado para o Banco Matone, que, em 2011, se fundiu com o Banco JBS, formando o Banco Original. Porém, a crise econômica de 2008 atrapalhou os planos e ele precisou demitir muita gente de sua equipe. “A partir daquele momento decidi que não queria mais trabalhar daquela forma. Queria abrir um negócio em que as pessoas realmente fossem importantes”, diz.

“Quero fazer o investimento de impacto social mudar de patamar e mostrar que é possível saber como o seu dinheiro está sendo aplicado, se ele está ajudando na reconstrução do país”

É nesse ponto que a Gaia entrou em cena, uma oportunidade do universo como ele diz. “Decidi criar uma securitizadora para atender uma demanda de clientes, que depois não fecharam o negócio e descobri que eram pilantras. A parte positiva é que eu segui em frente”, revela. E o curioso é que João Paulo precisou comprar um CNPJ que estava inativo para atender rapidamente os futuros clientes – e a empresa já tinha esse nome. “Na mitologia grega, Gaia significa mãe terra. Eu nem pensei em mudar o nome porque achei que fazia todo sentido seguir assim”, lembra. Apesar do começo difícil, a Gaia prosperou. Virou uma das maiores securitizadoras do país e – antes mesmo que o mercado corporativo começasse a falar em propósito, o empresário criou valores e causas que prezavam a qualidade de vida dos funcionários e o impacto social. A empresa teve braços no esporte (como organizadora de corridas) e vestuário (fabricando camisetas para corridas), mas foi no agronegócio que deu uma guinada e se consolidou no mercado.

EMPRESÁRIO E APOIADOR DO MST

Em 2013, João Paulo começou a estudar psicologia positiva para usar os conceitos na gestão de sua empresa. Desde então, o tema felicidade passou a ser uma espécie de marca pessoal e virou tema de um livro que ele escreveu. Depois de fazer uma palestra em um evento do LinkedIn, ao lado de nomes da Unilever e da XP, o empresário foi ovacionado e passou a ser convidado para falar sobre o assunto em empresas. “Pensei: ‘Por que não cobrar por elas e ajudar quem precisa?’. Fiz quase 60 palestras corporativas em 2019 e tudo foi revertido para a Gaia+, ONG de acolhimento de crianças que criamos em 2014” diz. Nessa época, ele viu aflorar seu lado comunicador. Participou de alguns podcasts e chegou a apresentar um programa sobre felicidade na Rádio Globo, além de ser colunista em jornais e revistas.

“Isso me ajudou a conhecer boas pessoas e foi assim que tive contato com o pessoal da Vivenda”, conta, referindose à startup fundada em 2014 para reformar moradias da periferia e de comunidades que se tornou um case de negócio de impacto social. Marco Gorini, cofundador da consultoria Din4mo, já havia batido em muitas portas na Faria Lima a fim de emplacar uma debênture para dar crédito a clientes da Vivenda, mas foi só quando conheceu João Paulo que o negócio começou a andar. É que o empresário se encantou com a causa e fez a operação sair do papel e ser vendida para clientes do private bank do Itaú, em uma transação que se tornou referência de investimentos com impacto social.

A partir daí, como ele mesmo diz, a chave virou. Há pouco mais de dois anos, ele recebeu João Pedro Stédile, líder do MST, em seu escritório. Pouco tempo depois, ao visitar vários assentamentos, decidiu ajudar a financiar a agricultura familiar via instrumentos financeiros. A estreia do MST no mercado de capitais aconteceu em maio de 2020. “O MST me ajudou a sair da bolha de desigualdade que é a Faria Lima. Percebi que essa era minha vocação e até notei incoerência em tudo o que havia feito. Meu negócio cresceu com base no agronegócio e entendi que a agricultura familiar era a frente que deveria ser alavancada. Ajudar a gerar impacto virou meu objetivo de vida”, afirma.

O novo negócio social tem a agricultura familiar como um dos cinco setores prioritários, ao lado de habitação, geração de renda, energias renováveis e educação. Em cada uma delas há operações em estruturação – inclusive novas emissões do MST. “Hoje, conto nos dedos os meus amigos no mercado financeiro. Recebo mensagens de ódio e de pessoas me chamando de comunista, mas não tenho medo de me posicionar. É maior do que eu, não consigo deixar de lutar pelo que acredito”, diz.

Aos 44 anos, vegetariano e membro do conselho fiscal do Greenpeace Brasil, tem uma missão: “Vou me dedicar a fazer o investimento de impacto mudar de patamar. Quero mostrar que é possível ter consciência de como o seu dinheiro está sendo aplicado, se está financiando armas e desmatamento ou se está ajudando na reconstrução do país. Não é simples, mas vou lutar por isso”, revela João Paulo, que agora é diretor da Gaia, recebe salário e se orgulha em dizer que todo lucro vai ser investido em projetos de impacto social e ambiental.

Crédito: Divulgação
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