Por Renato Mendes
Quem nunca bebeu demais numa festa e amargou uma ressaca braba no dia seguinte que atire a primeira pedra. Essa imagem ajuda a entender o momento que o ecossistema de startups está atravessando. Depois do exagero em valuations turbinados pelo excesso de liquidez global, vivemos agora o day after com uma dor de cabeça daquelas. Demissões em massa, quedas no faturamento, revisão de valuations para baixo e cancelamento de IPOs parecem o fim do mundo, mas são apenas consequências da virada de cenário dentro da lógica cíclica que rege a economia global. Ou seja, como uma boa ressaca depois de uma bebedeira essa crise era esperada, e é positiva no sentido de fazer algumas correções e, obviamente, não é o fim do mundo.
Os problemas começaram antes, quando, na ânsia do FOMO (Fear of Missing Out), investidores botaram fogo no mundo, injetando dinheiro com valuations para lá de questionáveis. Deram carta branca para os garçons e a molecada passou do ponto.
Todo mundo sabia que uma hora essa farra – janela de oportunidade – iria acabar. Ninguém sabia quando nem podia imaginar sua intensidade e muito menos crer na infeliz coincidência da Covid e da guerra da Ucrânia, que aceleraram a inflação, obrigaram bancos centrais a subir juros, geraram recessão e colocaram o mundo em estado de alerta. Quem receia o futuro não gosta de risco. Daí que a fonte de grana das startups, negócios de risco por definição, começou a secar.
Sem dinheiro, muitos desses negócios sofrem. A maioria não dá lucro e queima caixa porque opera numa lógica diferente, de crescimento acelerado sempre que os unit economics fazem sentido. Daí a crise ser boa para ajudar a turma a colocar a cabeça no lugar. Quando as startups justificam as demissões dizendo que estão se reorganizando, é a mais pura verdade. O norte mudou de crescimento para rentabilidade. Mas dizer “nunca mais vou crescer a qualquer custo, injetando dinheiro em mídia paga para alavancar a aquisição de novos clientes e contratando gente a rodo” é como o “nunca mais vou beber” do camarada de ressaca.
Algumas startups foram e serão sufocadas pela falta de capital de giro. O que já estamos vendo é o aumento de fusões num momento em que ativos de qualidade ficam baratos. Se você vai fechar, eu te compro pagando menos do que você vale. Na crise, quem tem caixa é duas vezes mais rico.
Que fique claro que isso não tem nada a ver com o ciclo político brasileiro. As eleições impactam pouco ou nada o futuro desse setor que já é brilhante e gera emprego, renda e produtividade. Ninguém liga se vai dar Lula ou Bolsonaro. As startups continuarão a crescer porque são resolvedoras de problemas de gente real. E não existe local mais propício para isso que a América Latina, mesmo com todas as dificuldades para se ter um negócio. Além do aumento de aquisições, a crise pode trazer um olhar para o exterior. A desvalorização do real fomenta a ampliação para mercados de moeda forte. E isso também é fabuloso já que obriga nossos empreendedores a serem ainda mais competitivos.
De novo, a crise era esperada, tem efeitos positivos e, nem de longe, representa o fim. Como tudo, vai passar e quem sobreviver sairá fortalecido. O Brasil só ganha com isso. Logo, logo começa um novo ciclo com a reversão da inflação e juros em queda. Quando ficar mais difícil ganhar aquele dinheiro fácil dos juros, o apetite por risco vai voltar. Vai ter mais grana para as startups e todos voltaremos a sorrir. Até a próxima bebedeira.