Revista Poder

RETRATOS DO BRASIL

Em exposição no Masp, Dalton Paula questiona o estatuto do retrato na história e nas artes no Brasil, e representa com majestade personalidades negras da trajetória do país

O Museu de Arte de São Paulo (Masp) propõe, no ano do bicentenário da Independência, uma série de mostras que questionam a invisibilização de populações marginalizadas na história do país. O brasiliense Dalton Paula, que vive e trabalha em Goiânia (GO), foi um dos artistas convidados a contrapor narrativas eurocêntricas de fundação do Brasil. Até 30 de outubro, ele expõe 30 retratos a óleo – 15 deles inéditos – de personalidades negras que a história oficial pôs em um canto de página.

Figuras como Manuel Congo – que liderou uma rebelião de escravizados na região do Vale do Paraíba, em 1838 – e Maria Firmina dos Reis – primeira romancista negra do Brasil, autora de Úrsula (1859) – são retratadas por Dalton em técnicas que articulam pintura a óleo e o uso de folhas de ouro de 22 quilates.

Dalton explica que o método para encontrar os rostos foi pensar a questão da ancestralidade. “É um contraponto a fotografias históricas de personalidades negras, que trazem esse corpo no trabalho braçal, com roupas rasgadas, pés descalços. A ideia é trazer um corpo negro com subjetividade, com uma sabedoria milenar”, explica.

Em suas pesquisas de iconografia de época, foram raros os registros de álbuns de fotografia com famílias negras. “Ainda é um grande desafio fugir de estigmas e estereótipos, da caricatura de representar os corpos negros”, diz.

O trabalho envolveu visitas a comunidades quilombolas, quando o artista pôde conhecer descendentes de escravizados e ouvir suas histórias. Com uma câmera Zenit, ele próprio retratou os quilombolas, cujas fotografias servem de base para a criação das imagens de personalidades da história. “Vou com o ouvido atento, principalmente aos mais velhos, no sentido de saber como eles acham que estariam bem representados em um retrato”, conta.

Curadora convidada pelo Masp, a historiadora Lilia Moritz Schwarcz – autora de Lima Barreto – Triste Visionário (2017), livro que tem na capa retrato do escritor feito por Dalton – diz que o projeto do pintor tem a chamada fabulação crítica, conceito da historiadora americana Saidiya Hartman. “Diante da inexistência de fontes, a única possibilidade é fabular, no sentido de criar dentro de uma rede de possibilidades afro-atlântica”, diz. Segundo a historiadora, Dalton se apoia na biografia histórica, mas se vale também das pesquisas que realiza nas várias rotas – do algodão, do ouro, do tabaco. “Ele desmonta o sentido colonial da nossa história e apresenta uma historiografia renovada, trazendo um projeto imaginativo decolonial”, revela.

Dalton de Paula

Telas de Dalton, que completa 40 anos em dezembro, integram coleções como a do Museum of Modern Art (MoMA), de Nova York. Em 2020, ele fez sua primeira exposição individual, Dalton Paula: um Sequestrador de Almas, em Nova York, na Alexander and Bonin Gallery.

Em 8 de outubro, uma instalação do artista ocupará o octógono da Pinacoteca de São Paulo. Rota do Algodão parte de pesquisas do artista no Maranhão e no sul dos Estados Unidos e apresenta altares e tecidos com imagens que fazem referências a quilombos, rios usados para escoar matéria-prima e musicalidade das populações negras escravizadas.

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