Revista Poder

CAIU NA REDE É ESG

À frente de uma empresa de soluções ambientais que adquiriu cerca de 40 outras em dois anos, a paulistana Cristina Andriotti, CEO da Ambipar Environment, sua para harmonizar culturas, propósitos e receitas e fazer da companhia a maior e mais completa consolidadora ESG do país

Cristina Andriotti || Crédito: Paulo Freitas

Por Paulo Vieira
Fotos Paulo Freitas

Fatos relevantes e comunicações ao mercado não são exatamente textos que convidam à leitura, exceto para quem fareja negócios, investe no mercado financeiro, analisa o sobe e desce das ações. Para esses, o nome Ambipar tem se tornado cada vez mais familiar. Rara é a semana, ou a quinzena, em que a empresa de soluções ambientais não emite um desses comunicados, em geral para dar ciência de que acaba de adquirir o controle acionário de mais uma empresa no Brasil ou no exterior – a Ambipar está em dezena e meia de países. Desde que a companhia fundada, em 1995 por Tércio Borlenghi Júnior, abriu seu capital na bolsa, há dois anos, primeira de seu setor a fazê-lo, foram 36 aquisições, mas, pelo andar do trem-bala, o número tende a ficar defasado quando esta PODER chegar a seu leitor.

“Se fôssemos criar aqui dentro da empresa o know-how para as novas vertentes em que entramos, perderíamos o timing para a concorrência”

Nas últimas semanas, a Ambipar incorporou ao seu ecossistema – eis finalmente o uso preciso da palavra – a canadense Graham Utility, a capixaba CTA, ambas de respostas a acidentes na natureza, a Bioenv Análises Ambientais, a Flyone, de resgate aéreo, e a Dracares, de proteção marinha e costeira. Com as duas últimas vieram também as vistosas frotas das companhias. No fim de julho, o grupo de empresas da Ambipar contava com 12 mil colaboradores.

Para dar munição a esses negócios, o bilhão de reais obtido no IPO, contudo, foi insuficiente, até mesmo porque algumas compras são feitas no exterior. Com as ações na bolsa hoje travadas no mesmo valor da precificação da abertura de capital em 2020 – e valendo 1/3 da máxima histórica, a cotação do papel de há um ano – , um alívio surgiu no começo de julho, quando, numa operação engenhosa, a Ambipar levantou US$ 168 mi ao fundir-se com um fundo do tipo Spac, de propósito específico, listado na Nyse, a bolsa de Nova York. A grana dará fôlego à empresa, cuja dívida rondava 2,8 vezes o Ebitda (o lucro antes de juros, impostos, amortização e depreciação), proporção não recomendada para cardíacos. A isso se somam algumas rodadas de emissão de debêntures, a última de R$ 750 milhões na virada do ano.

Para auxiliar na governança e na consolidação de tantos novos negócios, a Ambipar dividiu-se em duas: a Environment, que dá destino e gerencia os resíduos de grandes clientes, serviço que está na origem da empresa, entre outras atividades; e a Response, de socorro a acidentes ambientais, principal eixo de atuação da companhia no exterior. É de se imaginar a felicidade com que o CFO da empresa recebe a notícia de cada nova aquisição, mas a face pública – e boa parte do suor privado – da Ambipar é a da economista paulistana Cristina Andriotti, 58 anos, há 14 anos na companhia e hoje CEO da divisão Environment. Apesar de ter um par na Response, Guilherme Borlenghi, filho de Tércio, é ela quem fala por toda a Ambipar. Além disso, Cristina, que é egressa da área de RH, tem a trabalhosa missão de acolher os recém-chegados, entender as sinergias, estabelecer uma cultura minimamente comum, alinhar os chacras, ou melhor, os propósitos, e fazer com que as incorporações efetivamente deslanchem e façam sentido. Parece complicado, e é, mas agir rápido é imperioso. “A gente começou fazendo gestão e valorização de resíduos das empresas, passamos para soluções de economia circular e, enquanto isso, o mercado começou a falar das tais três letrinhas, o ESG”, disse a CEO a PODER na sede da empresa, em Nova Odessa, na região de Campinas (SP). “Se fôssemos criar aqui dentro da empresa o know-how para as novas vertentes em que entramos, perderíamos o timing para a concorrência.”

Cristina Andriotti || Crédito: Paulo Freitas

Subitamente incorporado ao léxico corporativo, o ESG vem exigindo ações concretas de players que jamais se importaram muito com cuidados socioambientais. A governança já estava mais ou menos assentada, especialmente em empresas listadas em bolsa, que são obrigadas a publicar balanços trimestrais, mas a expressão “net zero” só recentemente virou mantra, muito por conta das pressões do mercado financeiro. De fato, o apocalipse climático era há muito caçapa cantada, mas foi outro dia que a tigrada viu que era preciso dar respostas efetivas a perguntas como “o que fazer com as embalagens?”, além, é claro, de ter de encontrar caminhos para reduzir ou neutralizar a pegada de carbono. Assim, para a Ambipar, criar uma plataforma completa de serviços ambientais passou a fazer muito sentido. Daí a aparente sangria desatada por comprar controle acionário de empresas (algumas no limite dos 50%), que aderem ao ecossistema sem perder sua visão de negócio, corpo técnico e nome. Duas das empresas mais “sexy”, para usar uma expressão cara ao pessoal das startups, são a Boomera e a Biofílica, ambas incorporadas à Ambipar em meados de 2021. A Boomera, que investe bastante em P&D (pesquisa e desenvolvimento) vem dando vida (bem) mais longa ao material das embalagens plásticas, especialmente aquelas de difícil reciclagem, transformando-as em resina e película para produção de novas embalagens. Além disso, a empresa se conecta diretamente com uma rede de 300 cooperativas de catadores em todo o Brasil – o número deve chegar a 500. Cofundador da Boomera e empreendedor social do ano de 2020 para a Fundação Schwab no Fórum Econômico Mundial, Guilherme Brammer viu na Ambipar uma maneira de saciar a necessidade constante de matéria prima – um grande acordo de exclusividade da Boomera com a Dow Química exige entrega regular da resina produzida a partir do plástico coletado. Em entrevista a PODER por videoconferência, Guilherme disse que cogitou capitalizar a Boomera com fundos de investimento, mas que a decisão de aderir à rede de empresas da Ambipar, que na entrevista chamou de “grande startup pujante”, fez muito mais sentido. “Isso permite que a gente tenha um plano agressivo de crescimento, para três vezes nosso tamanho já em 2023. E sem as burocracias de uma multinacional.” Guilherme ainda elogia a CEO Cristina, uma líder de operações que “entende rapidamente o negócio” e é capaz de “colocar-se do nosso lado”.

Cristina Andriotti || Crédito: Paulo Freitas

A Biofílica não coloca exatamente a mão da massa como a Boomera, já que negocia os tão falados créditos de carbono, mercado em franca expansão no Brasil  Com 15 anos de atuação e cerca de 100 clientes no país, ela tem como meta quintuplicar de tamanho até 2030. Não está longe disso: em um ano, já dobrou. Plínio Ribeiro, cofundador da companhia, agora Biofílica Ambipar, disse que já havia recebido propostas de aquisição do exterior, mas se deixou seduzir pela Ambipar. Pesou, entre outros motivos, a objetividade do fundador e principal controlador acionário, Tércio Borlenghi. “Ele viu muito claramente o valor do negócio.” Sobre Cristina, elogia a condução no processo de integração. “Ela limpou o caminho para que não gastássemos muito tempo nas reuniões. Passa muita confiança.” Com a incorporação, Cristina passou para o conselho da Biofílica, envolvendo-se com ainda mais zelo na busca dos resultados operacionais. Para Plínio, ter entrado na plataforma de serviços ambientais “muito completa” da Ambipar foi um movimento estratégico, já que a venda de créditos de carbono é só uma das estratégias net zero das empresas – e se destina justamente àquelas que não conseguem reduzir suas emissões. E apenas pensando no “cross-selling”, a venda de serviços para os clientes da Ambipar no Brasil, a Biofílica aumenta seu escopo potencial de B2B em 20 vezes.

 

GISELE

Se a Biofílica e a Boomera são sexy, fica difícil encontrar o adjetivo adequado para definir a modelo gaúcha Gisele Bündchen, que em julho passado foi anunciada como acionista e embaixadora de marca da Ambipar, em movimento que lembra bastante o da ubíqua cantora Anitta com o Nubank. Gisele, que tem forte atuação como ativista ambiental, reuniu-se por três dias em 2021 com executivos da empresa que dividem com ela o comitê de sustentabilidade e se disse “segura” de sua escolha. “Procuro fazer investimentos conscientes em negócios que tenham impacto positivo para a sociedade e para o planeta. Os serviços de cuidado com o meio ambiente e de sustentabilidade que a empresa presta precisam se multiplicar muitas vezes para que consigamos promover mudanças significativas”, disse, conforme divulgou, em nota, a Ambipar. Já o “stake”, a participação acionária de Gisele, esse não foi revelado. Se o core da Ambipar é o “E” (de “environment”), resta saber o que fazer com o “S”, uma vez que as empresas no Brasil ainda têm lacunas na área. Para Cristina, a Ambipar já faz o “walk the talk” organicamente, com diversas posições de liderança ocupadas por mulheres – elas são 35% em cargos dea diretoria, 41% nos de gerência e 30% de supervisão. Mas quanto a colocar no pipeline o oferecimento desse tipo de produto aos clientes, não há nada concreto. Por enquanto. “O social dentro do cliente é bastante difícil de acessar, e muitos já têm atuação no tema, as multinacionais, por exemplo, costumam fundar institutos para isso. Quando não é o caso, a gente se sente na obrigação de dizer: ‘Acho que com esse S aí você não cumpre o que deveria ofertar’. Mas falamos isso muito mais como uma orientação.” Mesmo diante da avalanche de novos negócios, Cristina fala com desenvoltura de seu trabalho de “conectar” empresas, para ela seu principal “desafio” à frente da Ambipar. E embora não tenha nenhuma vontade de se aposentar – “vejo-me trabalhando ativamente por mais 20 anos”, diz –,a nova vovó do mercado não se vê indispensável no processo. “Quanto mais velho a gente fica, mais a gente percebe que ninguém é insubstituível. Entendo que agrego valor para a companhia, mas tenho um time muito bom ao meu lado. Minha missão é dividir conhecimento e ter sempre mais gente comigo.”

Cristina Andriotti || Crédito: Paulo Freitas

“O social dentro do cliente é bastante difícil de acessar, e muitos já têm atuação no tema, as multinacionais, por exemplo, costumam fundar institutos para isso”

 

PLÁSTICO, O PROBLEMA

O Brasil é modelar na reciclagem de alumínio, chegando a 95% de reaproveitamento, assim como performa bem no papelão, mas marca passo no plástico, material que está em virtualmente todos os produtos e que deixa o consumidor com um grande “problema na mão”, na opinião da jornalista Mara Gama, do Ecoa, do portal UOL. Para Mara, as leis permissivas brasileiras não ajudam a incrementar a taxa de reciclagem baixíssima desse componente. O plástico é o grande poluidor dos oceanos e é identificado por 92% da população, como mostrou pesquisa Ipec de 2021, como “muito problemático” para o meio ambiente. Para desespero de Mara e de todos os que se abespinham com o tema, artefatos plásticos são muitas vezes utilizados uma única vez. Em 2019, o Parlamento europeu baniu esses produtos de uso único, como pratos e talheres, algo que seria muito desejável por aqui. O diabo é que as leis brasileiras, vagas, não responsabilizam produtores e comerciantes pela coleta do descarte – a chamada logística reversa. Para não ser portadora apenas das más notícias, Mara lembrou a PODER que em julho o Congresso Nacional rejeitou os vetos de Jair Bolsonaro em relação a projeto de lei de 2017 que dá incentivos fiscais a atividades de reciclagem tanto para pessoas físicas como jurídicas. “Mas se isso vai mudar alguma coisa, democratizando um pouco o setor, é outra conversa.

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