Por Liliane Rocha*
Quando falamos sobre direitos e temas relacionados às mulheres, parece que estamos falando sobre uma massa homogênea que lida com as mesmas questões, desafios e barreiras. Parte desse entendimento é verdadeiro, pois em uma sociedade construída sobre pilares, cultura e perspectivas masculinas e patriarcais, o marcador identitário ser mulher diz muito sobre o que uma pessoa enfrenta cotidianamente em empresas, espaços públicos e no âmbito do lar.
Todas as mulheres, ou a maioria, provavelmente vivenciam os desafios da dupla ou tripla jornada, assédios na rua e no ambiente de trabalho, preocupações, medos – não somente de assalto, mas também de serem estupradas –, diferença salarial, demissão ou não admissão pela maternidade, enfim, a lista pode ser infinita.
No entanto, quando olhamos para as interseccionalidades e singularidades possíveis, que se somam ao marcador ser mulher, percebemos que as dores, enfrentamentos e desafios podem ser ainda mais complexos para mulheres negras, lésbicas, com deficiência, indígenas, trans, e mulheres com mais de 50 anos… A cada marcador identitário somado, há um novo impacto nas vivências sociais cotidianas.
Segundo o estudo “Diversidade, Representatividade & Percepção – Censo Multissetorial”, da Gestão Kairós, realizado entre 2019 e 2021 com 26 mil respondentes, mulheres são 25% do total de 897 líderes empresariais.
Porém, quando segmentamos os dados, podemos entender com clareza como os marcadores identitários aumentam as dificuldades e, por exemplo, as questões básicas como o acesso ao mercado de trabalho. Dentre os 25% de mulheres que destacamos, temos nessas estruturas somente 3% de mulheres negras, (2% pardas e 1% pretas). Ou seja, na média, o número de mulheres negras é cerca de sete vezes menor do que o de brancas. Mais: indígenas são 0,1%, com deficiência 0,6%, autodeclaradas lésbicas são 0,8% e bissexuais 1,1%. Já quando falamos de mulheres transgênero (travestis e transexuais) temos apenas 0,1%.
É fundamental mergulhar nesses marcadores, pois entendemos ser urgente lutar pela igualdade das mulheres, ou seja, assegurar os direitos básicos universais de todas. Mas também lutar pelos princípios de equidade e isonomia, ou seja, tratar diferentemente as situações que são – de fato – distintas por motivos culturais, sociais, econômicos, adaptando nossas ações em casos específicos, a fim de deixá-las mais justas.
Se em uma determinada empresa, que tem mil pessoas trabalhando e somente 6% são mulheres, será que um programa de diversidade com foco em contratação de mulheres assegura que venham mulheres pretas, trans, periféricas? Ou serão contratadas exclusivamente mulheres brancas, cis e de classe média alta? Neste caso, estamos incorrendo no risco de, como diz Djamila Ribeiro, universalizar a luta pelos direitos das mulheres a partir de uma única perspectiva das mulheres brancas.
Em um país como o Brasil, no qual 29% das mulheres são negras, para extrair somente um recorte dessa problemática, percebemos imediatamente o quanto o abismo de uma sociedade desigual seguirá aumentando se não refinarmos nossa visão de sociedade, assegurando que todas as mulheres, e não somente algumas, estão sendo incluídas e valorizadas.
Nesta edição em que celebramos o poder feminino, convido a olhar, reconhecer e se conectar com cada mulher que está ao seu redor e faz parte da sua vida, compreendendo as suas singularidades, o que as torna únicas em seus desafios, brilhantismo, suavidade e força.
Liliane Rocha é CEO e fundadora da Gestão Kairós e autora de Como Ser Um Líder Inclusivo. Foi eleita por três anos consecutivos como uma das 101 lideranças globais de diversidade pelo World HRD Congress