Revista Poder

QUAL O SEU IKIGAI? – POR CLAUDIA FEITOSA-SANTANA

Ilustração Getty Images

Por Claudia Feitosa-Santana  neurocientista, arquiteta e engenheira, com mestrado e doutorado pela USP e pós-doutoramento na Universidade de Chicago. É autora do livro Eu Controlo Como Me Sinto, da editora Planeta

Ou, qual o seu propósito de vida? Pois esse é o sinônimo de ikigai, que também pode ser descrito como a motivação que nos dá razão para viver. Se você tem um propósito, a sua mente consegue ver sentido em sua vida e, portanto, alimenta seu cérebro. Logo, você pode viver mais e melhor. 

Se você encontra sentido na vida, facilitará tanto a gratidão quanto a resiliência, dois ingredientes extremamente importantes para o bem-estar.

Enquanto alguns logo descobrem seu ikigai, a maioria tem a chance de o construir. Afinal, não nascemos prontos, somos criaturas criadas por nós. Assim, a possibilidade dessa construção de forma consciente e deliberada.

Porém, em uma sociedade acelerada e imediatista, a falta de energia e tempo – ambos recursos limitados –, são os maiores obstáculos para se encontrar nosso propósito. Energia, pois tudo que é deliberado exige energia cerebral. Mas não estamos falando de energia espiritual, mas sim de glicose, a principal fonte de alimento para o cérebro. E, claro, tempo. Por isso, não podemos estar sempre atrasados, correndo atrás do tempo. É importante notar que o sofrimento, incluindo o que leva aos transtornos mentais, rouba nossa energia cerebral. Por isso, é fundamental cuidar dos nossos sofrimentos e evitar um diagnóstico debilitante. Pode parecer bobagem, mas um tratamento cientificamente comprovado funciona como atalho. Assim, ganhamos tempo e energia.

E, nessa jornada, lembrar que o presente é um presente. Menos é mais, não somos multitarefa. Qualidade é mais, quantidade é menos. Lembrar que fazer escolhas implica em não escolhas. Imagine uma encruzilhada: se estamos atentos, sabemos escolher o caminho ou, pelo menos, os caminhos que não queremos escolher. E, quando recusamos de forma consciente, estamos construindo nosso propósito de vida. E, claro, mais chance de sermos felizes. Se não estivermos atentos, não temos como escolher, somos escolhidos. E sem nos construirmos, apenas com sorte seremos felizes. 

Temos algumas evidências de que o propósito pode funcionar como um neuroprotetor, ou seja, ter um cérebro mais forte contra processos inflamatórios que, em geral, levam ao desenvolvimento de doenças autoimunes ou neurodegenerativas. E aquele que ficar doente, mas tiver ikigai, viverá melhor do que aquele que não tiver. 

Se ter razão de viver é exclusividade humana, ela pode ter surgido junto com a evolução dessa região cerebral próxima da testa, que chamamos de córtex pré-frontal. Mas isso não significa que essa é a área onde reside nosso propósito, muito pelo contrário. Uma mente com ikigai influência tudo, corpo e cérebro e, se você preferir, corpo e alma. 

Apesar de ser um conceito antigo, o termo foi popularizado nas últimas décadas e não representa necessariamente a felicidade e a longevidade japonesa – segundo o relatório Mundial da Felicidade 2021, patrocinado pela Organização das Nações Unidas, o Japão ocupa a 56ª posição no ranking; o Brasil está na 41ª. Embora os japoneses tenham a maior expectativa de vida do planeta, isso se deve pelas mudanças na alimentação que reduziram drasticamente as doenças cardiovasculares em sua população. 

Historicamente, ikigai teve origem em Okinawa, nas ilhas Ryukyu, bem ao sul do Japão, onde não é difícil encontrar Okinawas centenários, pessoas que nunca pensam em se aposentar, uma vez que trabalham com o que gostam. Parece que por lá é fácil encontrar quem tenha ikigai.

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