Revista Poder

METAVERSO – UNIVERSO PARALELO

Ilustração David Nefussi

Por Guilherme Sommadossi

Imagine um lugar onde tudo é possível. Você pode ser quem quiser, como quiser e na hora que quiser. Nesse local existem regras, mas nenhum limite ou dependência das leis da física e do espaço-tempo. Agora, pense que essa utopia pode ser acessada a qualquer instante, seja da sua cama ou em uma cafeteria, basta uma conexão com a internet. Esse é o conceito do metaverso, um ambiente virtual para todos, dos fãs de videogames às grandes corporações.

O termo veio emprestado das obras de ficção científica, mas o precursor de tudo não foi nenhum grande filme do cinema, mas um livro: Neuromancer. A obra é parte da trilogia do romancista William Gibson, que mostra um mundo muito avançado no qual a tecnologia está presente nos corpos das pessoas, seja como próteses para voar ou um chip que acessa os servidores globais. O protagonista da saga é Case, um hacker e mercenário que perdeu sua memória, mas sofre as consequências de um passado que ele não se lembra.

Ao longo da trama, o personagem principal usa uma tecnologia que o transporta para outro mundo, onde seu frágil corpo físico é capaz de tudo. Mais tarde, essa ideia foi mais popularizada com os filmes Matrix, criados e dirigidos pelas irmãs Wachowski, em que Neo (Keanu Reeves) descobre que vive em uma grande simulação e que o mundo de verdade está colapsado.

Assim como muitos outros avanços tecnológicos – como as chamadas de vídeo, impressão 3D, assistentes virtuais etc. –, as primeiras “aparições” foram em obras sci-fi. Com isso, a famosa frase “a vida imita a arte” esbarra no campo da inovação, nos fazendo avançar no futuro.

E o futuro chegou ao mundo dos negócios. Em junho, o investidor de risco Matthew Ball ajudou a lançar um fundo na bolsa para que as pessoas possam investir no espaço do metaverso, incluindo empresas como a fabricante de chips gráficos Nvidia e a plataforma de games Roblox. Pesquisador da área, Ball define o metaverso como algo constante, síncrono e ao vivo, com número ilimitado de usuários. Um ambiente que possui uma economia funcional; que abrange o mundo físico e digital simultaneamente; com acesso a dados e arquivos; e composto de conteúdos e experiências criados pelos próprios colaboradores. “O metaverso irá se tornar a porta de entrada para a maior parte das experiências digitais, a chave para todas as [experiências] físicas, e a próxima grande plataforma de trabalho”, crava.

GAMES COMO CONTROLE 1
No mundo dos jogos eletrônicos isso é praticamente uma realidade. Jogos como Second Life (2003, desenvolvido pela Linden Lab), Roblox (2004, Roblox Corporation), Fortnite (2011, Epic Games), Animal Crossing: New Horizons (2020, Nintendo) e muitos outros contam com um universo próprio e em constante crescimento.

Ainda que cada um deles possua suas especificações, hoje em dia eles praticamente se retroalimentam. Mesmo que gratuitos, as compras de roupas, itens especiais, danças e outras ativações como shows de celebridades dentro dos jogos sempre elevam os números de jogadores e de gastos na plataforma. 

Em março, a Roblox entrou na Bolsa de Valores de Nova York com ativos a US$ 64,50. A estreia já foi explosiva, gerando uma valorização da marca em US$ 38,2 bilhões. No ano passado, o game disponível para celulares, computadores e consoles cresceu 82%, chegando a US$ 923,9 milhões. Desse montante, US$ 253,3 milhões foram distribuídos entre 1,2 mil pessoas que criam e vendem mapas dentro do jogo, como já é uma prática da companhia americana. Em entrevista à rede CNBC dos Estados Unidos, o CEO David Baszucki disse que os 15 anos de crescimento do game são “impulsionados por nossa comunidade, pelo conteúdo incrível, por nossos criadores e por nossa capacidade de as pessoas fazerem coisas juntas”.

Resumidamente, o Roblox é um jogo de criação livre, no qual os usuários personalizam suas roupas e podem criar mapas inspirados em filmes, séries, desenhos ou apenas para uma diversão despreocupada. Com esse apelo comunitário, ali há um universo próprio, cujo único limite é a tela do monitor.

Já o Fornite, o jogo de combate em que o último jogador vence, é praticamente um parque. O game já teve um show do rapper Travis Scott (e muitos outros cantores e DJs, em outros momentos), em abril de 2020, com a web presença de 14 milhões de jogadores no mundo. Em agosto, em parceria com a revista Time, o game homenageou Martin Luther King Jr. e seu histórico discurso “I Have a Dream” (“Eu Tenho um Sonho”), de 1963, em Washington, nos Estados Unidos. Bastava entrar no game para ver uma espécie de museu do ativista, onde diversos momentos históricos puderam ser acompanhados.

Esses dois movimentos são apenas alguns de um processo antigo da desenvolvedora. O CEO da Epic Games, Tim Sweeney, cerca de 20 anos atrás quando a empresa fazia parte da Microsoft, foi incisivo para que Bill Gates investisse mais no mercado de games. A semente prosperou e, em 2017, ele conseguiu colher os frutos disso e tornar a Epic um dos trunfos do metaverso.

Para o site de tecnologia VentureBeat, o líder da empresa de games indicou que quando o conceito estiver prestes a se tornar algo real, não será preciso que alguma empresa o controle integralmente. “Só assim você pode obter uma economia livre, justa e realmente duradoura, que é construída sobre os mesmos princípios fundamentais que nosso país [EUA].”

Uma tecnologia muito próxima ao metaverso é a realidade virtual. As telas-óculos, por exemplo, permitem uma outra experiência com a tecnologia. O PlayStation VR, da Sony, o Reverb, da HP, e o Index, da Valve Corporation, são alguns dos principais dispositivos do mercado. Ainda que eles sejam primariamente usados para jogos, muitos desenvolvedores e artistas usam as plataformas para criar exposições de arte, reproduzir momentos históricos globais e muito mais.

MAIS GENTE QUER BRINCAR
Com tanto poder social e criativo, as big techs e outras grandes empresas de diversos setores também estão com os olhos e bolsos direcionados para o universo virtual. Uma delas, e a mais avançada, é o Facebook. Mark Zuckerberg, o CEO do grupo responsável também pelo Instagram e WhatsApp, anunciou em junho seus novos planos para entrar no metaverso. “Nosso objetivo geral em todas essas iniciativas é ajudar a dar vida ao metaverso”, afirmou o ambicioso líder em uma grande apresentação empresarial.

Em um cenário hipotético, o metaverso do Facebook seria uma conexão instantânea de todas as suas redes, ao mesmo tempo e sem a limitação física de um acesso pelo smartphone ou computador. Zuckerberg disse ainda que os objetivos são criar um espaço que misture sociabilização, trabalho e entretenimento. Sua ideia é de que pessoas geograficamente distantes possam se encontrar “presencialmente”, seja para se divertir ou aprender.

Um pequeno passo nessa direção já existe. A empresa é responsável pelo Oculus, a fabricante do aparelho de realidade virtual Quest (que já conta com duas versões). Por enquanto, o hardware é dedicado a jogos de computador e experiências em RV.

Em entrevista ao The Verge, o CEO afirmou que o metaverso “é um ambiente persistente e síncrono onde podemos estar juntos, que provavelmente vai se assemelhar a algum tipo de híbrido entre as plataformas sociais que vemos hoje, mas um ambiente onde você está incorporado nele”

Outro grande passo do Facebook na área é o espaço Horizon, no qual os donos do Oculus Quest podem interagir. Ainda em fase de testes com alguns jogadores, o local virtual permite que as pessoas se encontrem, usando seus avatares e se divirtam juntas.

Com essas poderosas armas e o faturamento de US$ 29 bilhões até junho, o aglomerado das principais redes sociais do Brasil e do mundo pode estar a poucos pixels de se tornar um local tangível e visitável. Combinando conceitos com as transações financeiras baseadas em blockchain e mais avanços na área, é possível chegar até mesmo a situações de compra e venda de terrenos virtuais. Por isso, vale apostar no metaverso enquanto é tudo mato. 

GUIA PRÁTICO
Com tantos termos e personagens atuais, entender o conceito de metaverso não é uma tarefa fácil. Para ajudá-lo a ficar mais familiarizado, conheça algumas produções que usam o tema como centro da trama:

JOGADOR N°1 (Livro de Ernest Cline, 2011 | Filme de Steven Spielberg, 2018)

TRON (Filme de Steven Lisberger, 1982)

SWORD ART ONLINE (Mangá de Reki Kawahara, 2009 | Anime da A-1 Pictures, 2012)

MATRIX (Trilogia cinematográfica composta por Matrix, Matrix Reloaded e Matrix Revolutions, de Lana e Lilly Wachowski, 1999-2003)

SPRAWL (Trilogia literária de William Gibson composta por Neuromancer, Count Zero e Mona Lisa Overdrive, 1984-1988)

Sair da versão mobile