Por Paulo Vieira
Fotos Adrian Ikematsu
Transformação digital é uma dessas expressões mandrakes que o mundo corporativo fala com gosto, às vezes sem nem mesmo saber direito do que se trata. Talvez ela só seja menos utilizada hoje do que “jornada do cliente” e “aprender com o erro”. Mas na pandemia houve de fato aceleração para essa vida digital, sob pena de negócios quebrarem, alunos não assistirem a aulas, reuniões deixarem de ser feitas e refeições não serem entregues. Tudo isso seria impossível, claro, sem alguém que fizesse as conexões digitais, ou seja, que espalhasse pelo país cabos e operasse tecnologia para que a comunicação acontecesse. Caso da Vivo, maior companhia do setor do Brasil, líder em telefonia móvel e que, em 2020, reportou receita líquida de R$ 43 bi. O período da pandemia marcou uma inflexão na história da empresa, não apenas em função da Covid-19 e dos grandes investimentos feitos em expansão de fibra ótica, mas pela entrada da Vivo – ou Telefônica Brasil, seu nome oficial –, em novos mercados. No relatório de Administração de 2020, isso está traduzido pelo slogan “Tem tudo na Vivo”, que expressa a ideia de que há nas lojas virtuais ou físicas da empresa “tudo o que as pessoas precisam”. A esse conceito, tratado como “pilar”, junta-se o velho conhecido pilar da expansão da infraestrutura de conexão, chamado de “Tem Vivo pra tudo” e que, entre junho de 2020 a junho de 2021, colocou fibra ótica de velocidade em 4,3 milhões de domicílios em 77 novas cidades. Hoje são 17,3 milhões de residências em mais de 300 municípios cobertos com essa tecnologia.
Ter tudo na Vivo também significa que a companhia já não é mais uma “telecom”, como explica a PODER Christian Gebara, CEO da empresa, no 32º andar de um edifício do Brooklin, na zona sul de São Paulo. Ela está mais para um “ecossistema digital” que se aproveita dos ativos grandiosos da companhia, a começar de sua marca, conhecida por qualquer brasileiro que porte um smartphone ou assista à televisão – a empresa é um dos dez maiores anunciantes do país e deixa sua marca, por exemplo, na Seleção Brasileira de Futebol. Há ainda, claro, os 97 milhões de acessos móveis em um mês, para cerca de 60 milhões de usuários, e uma rede copiosa de lojas físicas, de cerca de 16 mil pontos. Em 2020, foram lançados um marketplace para venda de produtos inteligentes para o lar e um serviço de crédito pessoal, o Vivo Money, que empresta de R$ 1 mil a R$ 30 mil a clientes selecionados, com taxas de juros “competitivas”. Em 2021, a picada se alarga, quando estreiam parcerias ambiciosas nas áreas de saúde e educação. “O que ocorre aqui está em consonância com o que acontece no mundo, não existe mais off-line e on-line, é uma única realidade”, diz Christian, que exemplifica a ideia com empresas que vão mudando seu escopo, como as de delivery que incorporam negócios financeiros. “É um momento único da Vivo, ainda temos pela frente muita infraestrutura para construir, tanto de fibra ótica como de 5G”, revela.
Christian, que está há 15 anos na companhia, tendo passado por diversas áreas, do marketing à estratégia, da inovação à operação, tanto em Madri, na Telefónica de Espanha, controladora da Vivo, como aqui, canta as outras cartas que tem na mão: “Um dos maiores portais de e-commerce e apps de interação e um dos maiores big data do Brasil”. Além disso, os investimentos em infraestrutura são contínuos. Só no segundo “tri” de 2021 foram R$ 2,2 bi em reforço e ampliação das redes móvel e fixa. O novo produto de saúde que vem por aí, o “Vida V”, é fruto de uma associação da Vivo com a Teladoc Health, empresa americana presente em 175 países, que irá prover atendimento de telemedicina. Ainda no Vida V haverá espaço para laboratórios e redes de farmácias, que podem oferecer descontos, além de programas de prevenção e bem-estar. Na área de educação, a Vivo quer disponibilizar, em uma sociedade com um player ainda a ser revelado, cursos de ciência de dados, tecnologia e empreendedorismo e, mais do que isso, criar espaço nesse mesmo ambiente para que posições de trabalho sejam oferecidas – algumas delas da própria Vivo. Esses dois produtos se somam a vertentes já ativas, como os apps de bem-estar – há, por exemplo, o de meditação (negociado pessoalmente por Christian) e o de treinamento físico; e os serviços diversos, como armazenamento de dados em nuvem (cloud) e o “Guru”, que permite ao usuário consultar uma equipe de nerds para sanar problemas de tecnologia. Já o marketplace da casa inteligente se expandiu, com sessões de live commerce e a entrada de gadgets “tech” para pets. Além disso, em seu pacote de serviços, a Vivo inclui parcerias com companhias de streaming como Netflix, Spotify e Disney – o preço da assinatura desses canais, por conta da escala da operadora, pode ser mais atraente para o consumidor; e a Vivo tem com a Microsoft acordo para oferecer aos clientes um pacote familiar com os principais softwares da empresa e espaço de armazenamento de 1 terabyte (por pessoa, até seis, por família); o custo é integralizado na fatura – outro ativo importante da Vivo, considerando-se que o Brasil ainda tem uma taxa de desbancarização de 21% de sua população.
DESAFIO
Não é nada trivial o desafio de gerir toda essa abundância de ativos e atrações, e ainda se preparar para o que vem pela frente com o 5G, cujo leilão de frequências deve acontecer ainda em 2021 e que deve impulsionar especialmente o “B2B”, o negócio corporativo, na medida em que a velocidade de conexão permitirá que empresas enfim se sirvam da Internet das Coisas, com o comércio analisando dados em tempo real de seus pontos de venda e a indústria e o agronegócio, seu maquinário e produção (veja boxe no final da matéria). Mas o paulistano Christian, 48 anos, que das muito tradicionais escolas Miguel de Cervantes e Santo Américo passou para a administração na FGV e daí para o MBA em Stanford, transpira confiança no taco. Ele concorda com o repórter da PODER de que comanda a empresa em um “momento especial” e que, para dar conta disso, precisou rever diversos processos internos. “Temos de ser todos os 33 mil colaboradores digitais, o jurídico, por exemplo, tem de pensar como digitalizar seus processos internos, temos de ser colaborativos entre as áreas. O setor de teles sempre foi muito autocentrado, sempre houve fila para comprar celular. Hoje a penetração de celular entre a população é de 100%, para a gente se diferenciar agora outros skills [habilidades] são requeridos.”
Um São Francisco se destaca dentre os objetos que ornam a sala do CEO da Vivo; comendas e prêmios ficam em evidência em outro ambiente
Nessa revisão programática, estruturas tradicionais de comando e gerência foram sendo dinamitadas para dar lugar aos já famosos “squads”, equipes multidisciplinares que trabalham sob supervisão de “owners” diferentes; profissionais experimentados trocaram de áreas, como um head de inovação assumindo a chefia de pessoas (“vivês” para RH); por fim, a própria arquitetura dos escritórios no Rio e em São Paulo foi modificada para tornar os espaços mais agradáveis, acolhedores e desfrutáveis. Christian enfatiza que o que “se fala para fora” tem de ser replicado para o microcosmo da Vivo, com seus 33 mil funcionários diretos e, quando possível, para os 150 mil indiretos. Em São Paulo, além das mesas coletivas, do espaço de meditação, do futuro plantão de uma equipe médica com fisioterapeuta, acupunturista, nutricionista e psicólogo, do bicicletário com vestiário, de unidades do Starbucks e do Hirota, a Vivo ainda incentivou seu pessoal a testar um novo código de comportamento, com o intuito de deixar aflorar as individualidades – vale mostrar tatuagens e piercings, colorir cabelos, usar bermudas.
O executivo não se ressente de uma experiência maior em outras empresas, uma vez que passou por áreas distintas da Vivo e por quase cinco anos esteve na consultoria McKinsey, em Madri, desenvolvendo projetos para companhias de setores diferentes da “Suécia, de Düsseldorf e de Londres”. Não tem um guru de gestão em que se fiou ou se fia, mas diz ser “muito estudioso”. “Acredito que tenho de aprender constantemente, preciso conhecer o negócio em profundidade. Tenho credibilidade interna, percorri muito essa empresa gigante, sempre me senti muito preparado para assumir as posições que iam sendo oferecidas.” Ele conta que controla 12 verticais e incorporou as funções do COO, quase uma ironia para quem vem da McKinsey, pois, segundo ele, a visão que se tem do executivo oriundo de consultoria é de “alguém muito mais de estratégia”.
“O que ocorre aqui está em consonância com o que acontece no mundo, não existe mais off-line e on-line, é uma única realidade”
Um episódio aparentemente banal protagonizado por Christian em julho pode marcar a biografia corporativa do CEO, quando ela for escrita ou contada lá na frente. Sabedor de um episódio de injúria racial de que foi vítima o colaborador André Felício, de uma loja da Vivo no Plaza Shopping, em Niterói, ele aproveitou uma viagem ao Rio de Janeiro para “dar um abraço” em André. Um deslocamento curto, mas um gesto “impecável e grandioso”, na opinião do pensador e ativista do movimento negro José Vicente, reitor da Universidade Zumbi dos Palmares. Vicente chegou a escrever sobre o evento: “O “fraterno e solidário abraço (…) do presidente da empresa não tem dinheiro que pague e não haverá borracha que apague. Ficará para sempre tatuado no fundo das duas almas e terá a força e a potência de reenergizar o espírito e encorajar a seguir adiante”. Christian, mais modesto, diz que aproveitou também para dar um abraço na gerente, que teve “atitude exemplar” e que tudo isso seria uma questão interna, mas que o fato acabou extrapolando as fronteiras da Vivo. De qualquer forma, diversidade é pilar, e no caso de raça, estabeleceu-se uma cota de 30% de negros na mais recente seleção do programa de trainees – o resultado foi de 43%. Dentre os estagiários, a cota é de 50% e houve expansão de vagas, de 120 para 750. A ideia é tentar replicar na Vivo a representatividade brasileira, o que ele diz já acontecer na base, mas não nas posições de liderança. Em relação às mulheres, que ocupam 42,6% dos postos de trabalho, são 27,9% líderes e 25% no Conselho de Administração. Há subcomitês e iniciativas também para LGBTQIA+, PCD (pessoas com deficiência) e para os 50+. Os programas de recrutamento passaram a ser mais universalistas, e deixou-se de procurar futuros profissionais nas instituições de elite de melhor desempenho por amor de uma abordagem mais democrática. No front ambiental, a neutralização da pegada de carbono é uma meta para já: 2025. Para a rede de prestadores de serviço e fornecedores, nem tanto: 2040. A Vivo ainda utiliza 100% de energia renovável e abriu suas lojas para receber lixo eletrônico – não é preciso ser cliente para deixar a sucata lá. O inventário dá conta de recepção de 5 milhões de itens, 20% disso telefones celulares. Segundo dados divulgados em peças publicitárias da companhia, cada brasileiro produz 7 quilos de lixo eletrônico por ano.
“Do vídeo não saem as ideias que surgem num café, num almoço. Para a inovação, o contato humano é essencial. Buscar o equilíbrio é a grande missão”
IMAGINÁRIO BRASILEIRO
Sendo uma empresa com tal alcance, tão entranhada até mesmo no imaginário brasileiro, descuidos feitos até por pessoas sem relação direta com a Vivo podem ferir a companhia. Já é proverbial o incômodo de tantos brasileiros que recebem ligações em seus celulares, de noite ou aos fins de semana, e ouvem ofertas de incremento de planos de telefonia. Christian reconhece que isso é um “issue”, capaz de jogar para baixo o desempenho das operadoras em históricos de avaliação no Reclame Aqui, por exemplo, mas que a Vivo oficialmente não faz esse tipo de abordagem, tendo se esforçado junto com empresas do setor para minorar o problema. Ao mesmo tempo, ter a marca a patrocinar a Seleção Brasileira até 2023 não a isenta de fazer cara de paisagem diante dos escândalos de assédios moral e sexual de que é protagonista o presidente afastado da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Rogério Caboclo. A Vivo, junto com os demais patrocinadores, se viram compelidos a se posicionar. A frase de Ciro Gomes sobre a democracia, num debate eleitoral de 2018, vem a calhar aqui. Estar entre os dez maiores grupos empresariais do Brasil em receita bruta, desconsiderados os cinco grandes bancos, é uma delícia, mas tem seus custos.
O LEILÃO VEM AÍ
Depois de sucessivos adiamentos, o leilão da frequência 5G finalmente deve acontecer. Trata-se do maior certame de concessão da área de telefonia do Brasil e, ironicamente, não se circunscreve à grande estrela, o 5G, cuja velocidade de conexão em relação à atual deve ser multiplicada em dez vezes, permitindo que a muito falada Internet das Coisas (IOT) possa vir a se tornar realidade – uma de suas aplicações, por exemplo, é o carro autônomo, que só opera com transmissão em tempo real de uma quantidade formidável de dados. A mesma lógica da transmissão multiplicada de dados permite decisões em tempo real no agronegócio, na indústria e no varejo, o que deverá levar a uma automação cada vez maior – com a consequente e muito provável extinção de vagas menos qualificadas de emprego. Os vencedores do leilão têm de cumprir contrapartidas, como prover acesso 5G em todas as cidades do país com mais de 30 mil habitantes até 2028. Nos municípios menores, a tecnologia ainda presente de 2G vai ser substituída, e isso envolve uma inusitada união entre Vivo e Tim, que vão se utilizar de infraestrutura comum. No Ocidente, a tecnologia de 5G foi objeto de polêmica, por possível rastreamento de dados sensíveis pela chinesa Huawei, uma das fornecedoras de equipamentos para as operadoras. A Conexis Brasil, entidade que representa as “tecs”, posicionou-se ainda no fim de 2020, pela manutenção dos “players” tradicionais no Brasil. Não citou explicitamente a Huawei, mas disse que a saída dos provedores que estão no país desde a implantação do 2G impactaria “nos serviços oferecidos e custos associados, mais uma vez prejudicando os cidadãos brasileiros usuários dessa infraestrutura”.VIVENDO A NOVA VIDA
Foram muitos os desafios que a Vivo precisou enfrentar durante a pandemia e eles não se limitaram a melhorar a infraestrutura de transmissão de dados; a empresa, que fez doações de cerca de R$ 80 milhões, considerado aí o aporte da Fundação Telefônica Vivo a hospitais e população de baixa renda, também precisou criar protocolos de trabalho para os cerca de 180 mil colaboradores diretos e indiretos. Desmobilizar os call centers foi uma tarefa complicada, pois até 70% dos trabalhadores tiveram de ficar em casa no pico da crise, em 2020. E, muito diferentemente de outros profissionais, os de call centers não costumam ter em casa boas condições de trabalho – ou assim se pensava. A Vivo já estimulava o home office de modo geral em dois dias da semana antes mesmo da pandemia, mas com o call center foi preciso “migrar da noite para o dia”. Os técnicos de instalação também não pararam, e mulheres começaram a ocupar essa função – há clientes que as requisitam. Christian ainda não tem completamente definido o protocolo de retorno ao trabalho presencial, mas crê bastante no “contato humano”. “Do vídeo não saem as ideias que surgem num café, num almoço. Para a inovação, o contato humano é essencial”, diz. “Buscar o equilíbrio agora é a grande missão.”
Assistente de fotografia: Charles Willy