Revista Poder

BERNARDO PARNES EXPLICA POR QUE O CAPITAL NÃO GOSTA DO BARULHO DE BRASÍLIA

Para Bernardo Parnes, sócio-fundador da Investment One Partners com três décadas de experiência à frente de instituições financeiras nacionais e internacionais, o Brasil está perdendo a oportunidade de capitalizar sobre boas notícias ainda possíveis na economia. O motivo é o ruído político que parte de Brasília

Bernardo Parnes // Crédito: Paulo Freitas

Por Sergio Leo

Por uma década presidente da Merrill Lynch no Brasil, ex-gestor de investimentos da família Safra, criador e ex-CEO da Bradesco Investimentos e por 30 anos comandando as operações do Deutsche Bank na América Latina e no Brasil, Bernardo Parnes sabe medir o pulso do mercado financeiro. E nota que ele bate descompassado pelo ruído político que parte de Brasília. O Brasil está perdendo a oportunidade de capitalizar sobre boas notícias ainda possíveis na economia, e de avançar em medidas indispensáveis para um crescimento sustentado, avalia. Preocupado com o acirramento da crise política, Parnes vê com ceticismo, porém, as notícias de “desembarque” do governo Bolsonaro pelos grandes atores do mercado.

“Se, por uma semana, pararem os discursos radicais, você vai ver o mercado embarcado de novo”, diz, com realismo de quem conhece seus pares – e, hoje, como fundador e CEO da Investment One Partners, empresa de assessoria financeira, presta aconselhamento em operações como fusões e aquisições, faz a gestão de cerca de R$ 5 bilhões em fortunas de famílias e mantém um fundo de ações com carteiras somando pouco mais de R$ 800 milhões.

Mas ele não minimiza o estrago feito não só pelos discursos divisivos do presidente Jair Bolsonaro, como também por seu ministro da Economia, Paulo Guedes: o país paga o preço da falta de qualidade na gestão da crise, com inflação e câmbio acima do que deveriam e atraso em reformas essenciais, como a tributária. Pessimista, vê com desconfiança os rumos que essa reforma toma no Congresso. Para fazer uma “reforma meia-boca” agora, talvez seja melhor adiar para um momento político mais adequado, defende. 

PODER: NO ANO PASSADO VOCÊ JÁ ALERTAVA PARA AÇÕES ERRÁTICAS DO GOVERNO E DA EQUIPE ECONÔMICA NO “LADO POLÍTICO-TÉCNICO”, E DIZIA QUE TERÍAMOS DE ESPERAR E REZAR. A REZA DEU CERTO? AINDA DÁ PARA ESPERAR?
BERNARDO PARNES:
Quando falei isso, ainda disse: “Espero estar errado”. Não estava. O Brasil foi caminhando para a inserção muito forte de aspectos políticos na economia. Agora, aqui, infelizmente, houve uma partidarização muito grande: “Se não sou a seu favor, sou contra”. O mundo não é assim, é uma negociação diplomática, toma lá, dá cá. Essa radicalização faz com que, se você critica o governo é acusado de ser a favor da esquerda. Não sou, mas acho que deveria haver um equilíbrio institucional maior.

PODER: E QUAL A CONSEQUÊNCIA DESSA POLITIZAÇÃO?
BP: O Brasil está para zerar o déficit em conta corrente, as contas internas estão bem; a arrecadação fiscal corrente está muito boa, estamos com grande parte dos ingredientes para ter um reconhecimento. Quando se vê o estrangeiro investindo, o Brasil é mais uma entre várias opções. E está entrando investimento direto estrangeiro, o que é bom, são coisas de longo prazo, acredita-se infraestruturalmente no Brasil. Mas os investimentos financeiros, mais nervosos, espelham a percepção lá fora, que não é boa. Sempre lidei muito com investidor internacional, a quem eu falava: “Não misture governo com país”. Hoje, está havendo uma confusão e não dá para dissociar as duas coisas.

PODER: ALGUNS DIZEM QUE O PAÍS FUNCIONA, APESAR DOS RUÍDOS NO GOVERNO. ISSO MUDOU?
BP: O governo está fazendo muita coisa, mas o discurso é tão radical que permeia negativamente na percepção do país.

PODER: VOCÊ ACHA POSITIVO O BALANÇO NA PRIVATIZAÇÃO?
BP: Obviamente não é positivo, houve alguma coisa, mas ficou muito a desejar. Não se consegue em um governo fazer implementações sem passar pelo Congresso. Em outros, talvez nesse também, houve muitas mudanças microeconômicas, que não dependem de consenso geral.

PODER: POR EXEMPLO?
BP: Os programas de infraestrutura com a execução de obras têm andado. O Brasil está em um momento muito bom, mas, infelizmente, o barulho político está se sobrepondo à própria capacidade de execução.

PODER: O CONGRESSO É UM PROBLEMA? OU É O EXECUTIVO?
BP: Não acho que seja o Congresso. O que há é falta de diálogo. Tivemos uma grande situação excepcional, a pandemia: que traz a questão econômica e a de saúde. E a questão de saúde tem de vir antes, porque morte não se reverte. Mas também tem a questão social da pandemia (que levou ao auxílio emergencial). De repente, esse auxílio monetário tornou-se uma muleta para o populismo.

PODER: COM ALTO DESEMPREGO E SEM PERSPECTIVA SÓLIDA DE RETOMADA DE CRESCIMENTO, NÃO HÁ RISCO DE VOLTARMOS A CRESCER SEM DISTRIBUIÇÃO DOS BENEFÍCIOS?
BP: A economia está crescendo mais este ano, mas vem de uma base pequena. A percepção, os ruídos, fazem com que os juros subam demais. A questão fiscal não foi resolvida. Isso faz com que, para o ano que vem, haja uma perspectiva de crescimento mais fraco. Porém, mais importante do que uma recuperação em “V” na economia é que haja estabilidade, e não essa volatilidade que vivemos. Infelizmente, enquanto o Brasil não tiver reformas estruturais não vai conseguir uma velocidade padrão de 4%, 5% de crescimento em longo prazo.

PODER: TEMPOS ATRÁS, VOCÊ FALOU QUE O MINISTRO DA ECONOMIA, PAULO GUEDES, MANTINHA UMA “AURA”, E CONTAVA COM AUXILIARES DE PESO COMO SALIM MATTAR, NA PRIVATIZAÇÃO. MATTAR SAIU. E GUEDES?
BP: Para ser um governante, em todos os níveis, tem de ter a postura adequada ao governo. Você é um porta-voz de um povo, um país. Essas colocações nervosas… dia desses recebi uma charge com várias colocações de Paulo Guedes que não são aceitáveis em um contexto de diplomacia, de política. O governo tem de ser um amortecedor, não um provocador. O radicalismo está incomodando o Brasil. O setor privado é às vezes muito individualista. Determinadas áreas estão indo bem porque teve esse boom das commodities, e há um apego do setor agro no governo federal. Há uma liquidez grande no setor mundial, tenho receio de que isso não acabe bem. Não é questão de aura ou não aura, esse crescimento de temperatura entre partícipes do governo e do setor privado tira possibilidade de diálogo técnico.

PODER: QUE REFORMAS CONSIDERA MAIS IMPORTANTES PARA DAR UM SINAL POSITIVO AO MERCADO?
BP: De longe, acredito que a primeira é a reforma tributária. Sou contra uma reforma meia-boca, neste caso prefiro não fazer nada a não fazer direito. Tem de ser feita uma reforma tributária profunda, há um desequilíbrio muito grande. 

PODER: DO PONTO DE VISTA TÉCNICO, FAZ SENTIDO FAZER REFORMA FATIADA, COMO DECIDIU O GOVERNO?
BP: Acho que não, falando tecnicamente. Politicamente, creio que tem de se adequar à conjuntura. Mas fazer uma colcha de retalhos, com um monte de remendos como está, acaba piorando. Se fala em fazer a reforma tributária em quatro blocos, nos meses que ainda tem de governo, está perfeito, vamos lá. Mas ir e voltar, atender a interesse daqui, lobby de lá, isso não é saudável.

PODER: SOBRE A REAÇÃO DOS BANCOS PÚBLICOS AMEAÇANDO SAIR DA FEBRABAN PELA ADESÃO DA FEDERAÇÃO A UM MANIFESTO PELA HARMONIA ENTRE OS PODERES, PLANEJADO PELA FIESP. ACHA QUE HOUVE POLITIZAÇÃO DESSES BANCOS?
BP: Acho errado, acho que foi isso. Mas se me perguntar se a Febraban estava correta em participar, tenho dúvidas, mesmo que ela não lidere, como alegaram. Talvez o momento que vivemos mereça uma declaração desse tipo, mas não acho que certas entidades devam fazer manifestos desse tipo. Acho pior os bancos públicos não acompanharem do que a Febraban ter feito uma manifestação. Talvez o momento exija, acomode isso.

PODER: O “MERCADO” ESTÁ DESEMBARCANDO DO GOVERNO, OU JÁ DESEMBARCOU DO PROJETO DE PAULO GUEDES?
BP: O mercado embarca e desembarca de modo excessivamente rápido. Não acho que haja desembarque nenhum: se por uma semana pararem os discursos radicais, você vai ver o mercado embarcado de novo. O mercado, quem é o mercado? Não é assim. Existe interesse em diálogo com o governo. Assim que o diálogo estiver normalizado de novo, está embarcado. 

PODER: SOBRE A CRISE HÍDRICA QUE COMEÇA A ENTRAR NOS CENÁRIOS DO MERCADO FINANCEIRO, COMO AVALIA OS RISCOS E CONSEQUÊNCIAS PARA O BRASIL?
BP: A matriz de energia no Brasil era essencialmente hídrica. Tem fontes alternativas, inclusive de energia mais limpa em que o Brasil está atrasado. Tivemos uma crise há cinco, seis anos e muito pouco foi feito. Estamos pagando pela incompetência em agir preventivamente. Vamos ter quebra de 20% a 30% das safras de Mato Grosso do Sul para baixo. Temos uma crise infraestrutural e não agimos antecipadamente, não se deu a devida importância. Se não chover até novembro está contratado um custo de energia altíssimo por, no mínimo, mais 12 meses.

PODER: COMO SE DÁ ESSA CONTRADIÇÃO ENTRE O AVANÇO EM INVESTIMENTOS DE INFRAESTRUTURA E A DIFICULDADE DE IMAGINAR O BRASIL CRESCENDO EM LONGO PRAZO?
BP: Quando o governo Bolsonaro apresentou o time de ministros, era muito bom, com algumas exceções.

PODER: EM MEIO AMBIENTE, EDUCAÇÃO E OUTRAS ÁREAS SENSÍVEIS NÃO TIVERAM EXATAMENTE BONS MINISTROS…
BP: Tinham exceções importantes, mas, como um todo, pelo currículo, era bom. Mas aí começou a inserção ideológica do governo, que acabou se sobrepondo à necessidade de visão institucional, à visão de longo prazo. O viés “ou você é contra ou é a favor” acabou gerando confrontos absolutamente desnecessários. Esse nível de turbulência foi crescendo. Os juros futuros foram para 8% a 10%. Se tivéssemos tranquilidade não estaria assim.

PODER: E O CÂMBIO?
BP: Também. Em termos de paridade, não se justifica. O câmbio de equilíbrio estaria na faixa entre R$ 4,50 a R$ 4,80. Mas a inflação está retomando, não só no Brasil. Tem quem ache que é pontual, eu não acredito. Temos uma memória de inflação no brasileiro. Voltamos à era de quando reajustavam o contrato pelos índices predefinidos e, pelas condições do mercado, a lei da oferta e da procura, davam um desconto informal. Olha o que aconteceu agora com os contratos de locação, com o descolamento grande entre IPCA e IGP-M: tinha contrato com desconto de 30%.

PODER: E HÁ AS INCERTEZAS…
BP: Esse barulho institucional do Brasil aumentou demais, a ponto de que, hoje, a influência desse debate acaba maior do que a realidade e as coisas boas que temos, contas externas, déficit quase zerado. Se não tivesse esse bate-boca todo, aí sim concordaria que esses picos de inflação são pontuais. Mas tenho muito medo de retomada estrutural da inflação, ela se tornar endêmica. A inflação poderia estar bem mais baixa, 3%, 4%; o dólar, na faixa de até R$ 4,80. Até aceitaria esse barulho se estivéssemos em agosto de 2022, com a proximidade de eleição, mas estamos 12 meses antes. Acaba ninguém trabalhando. Um exemplo é essa nossa entrevista: em vez de falarmos de potencial de crescimento, tivemos de falar da crise.

Bernardo Parnes em frente à obra de Nelson Leirner, na sede da Investment One Partners em São Paulo | Crédito: Paulo Freitas
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