Revista Poder

EXPRESSO DO ORIENTE

Renata Campos (CEO Takeda) || Crédito: Roberto Setton

Com faturamento global de US$ 30,3 bi, a Takeda replica no Brasil a ambição de ser uma das maiores farmacêuticas do mundo. E a jovem presidente Renata Campos, que lidera a operação por aqui, incorpora as metas – e os valores – da centenária empresa japonesa

Por Paulo Vieira
Fotos Roberto Setton

A executiva Renata Campos, 44 anos completados neste mês, há quatro presidentes da operação brasileira da Takeda, uma das dez maiores empresas farmacêuticas do mundo, com faturamento global de US$ 30,3 bi, é, como na velha canção, apenas uma garota latino-americana, sem parentes importantes e vinda do interior. E, mesmo assim, ela é responsável por uma operação bastante relevante, que fatura perto de R$ 2 bi anuais, tendo estado antes à frente do mercado sul-americano (sem o Brasil) e da operação turca da Takeda. Para quem imagina que uma cadeira dessas só é destinada a filhos de famílias afluentes cultivados em academias de grife, Renata é a mais rematada exceção. Afável, sem qualquer afetação, ela é, pode-se afirmar, o triunfo da pessoa comum – ou, quem sabe, o triunfo do mérito.

Filha de um contador e de uma professora, ambos já falecidos, Renata nasceu em Assis, no oeste paulista, a 440 quilômetros de São Paulo, e se mudou para a capital quando passou na faculdade de farmácia e bioquímica da USP. Foi no mesmo ano que seu pai morreu, prematuramente, aos 48, por complicações de leucemia. O interesse pelas “biológicas” vinha de criança, com os jogos de laboratório de química, e, na transição para a vida adulta, pela proximidade com uma prima que foi estudar farmácia na Unesp.

Apesar de fazer iniciação científica – em toxicidade de alimentos – e de ter uma carreira acadêmica bastante segmentada, um estágio de ano e meio na área comercial da Sintofarma, empresa brasileira depois adquirida pela belga Solvay, indicou para Renata um caminho distinto de grande parte de seus colegas, que preferiram seguir nos laboratórios, envolvidos até o pescoço com pesquisa científica. A executiva entrou em área de treinamento de força de vendas, fazendo manuais em que traduzia para o marquetês, digamos, o conhecimento que tinha sobre moléculas, reações bioquímicas e antígenos – informações que eram divulgadas por representantes e consultores em visita a médicos, para que estes conhecessem e aviassem os produtos da Sintofarma. “Eu ter me apaixonado pela área comercial foi uma coisa bem diferente para a época, que era de grande expansão da pesquisa clínica do Brasil”, disse em entrevista a PODER no muito iluminado 11º andar de uma novíssima torre comercial da zona sul de São Paulo em que a companhia recentemente se instalou.

Renata está na Takeda desde 2005, considerando o tempo na Nycomed, do famoso medicamento Dramin, laboratório que seria adquirido pela companhia japonesa. Ela diz que ser mulher, solteira (hoje é casada), muito jovem e brasileira jamais foi um problema em sua carreira, algo que parece não ser regra no mundo corporativo. “Tive a felicidade de ter líderes que sempre investiram no meu suporte e no meu desenvolvimento, além de uma exposição internacional”, diz. A executiva afirma que, se não precisou trabalhar mais apenas por ser mulher, ela sempre deu o que chama de “meu a mais”. Chefiou dois mercados antes de voltar ao Brasil, a Turquia e a Argentina – onde também era responsável por outros quatro países do continente em que “até o espanhol era diferente”. Na Turquia, para onde foi com 36 anos, reputa ter vivido o momento mais desafiador de sua carreira, não apenas pelas diferenças das práticas daquele mercado – em que os remédios são reembolsados pelo governo ao consumidor –, mas pela dificuldade de comunicação. Ela não conseguiu ter fluência em turco e poucos ali falavam inglês. “Acho que comunicar e convencer pessoas são alguns pontos fortes meus, e da noite para o dia perdi essas habilidades. Dependi de uma terceira pessoa para que essa comunicação começasse a fluir.”

Tanto na Turquia como na Argentina, onde esteve no último ano do mandato presidencial de Cristina Kirchner, e mesmo agora no Brasil, Renata comandou e comanda a Takeda em meio a gestões de líderes populistas, alguns francamente autocratas, que simpatizam com ideias de um Estado forte e interventor na economia. Mesmo assim, ela acha que o foco da Takeda no paciente, mesmo quando questões institucionais se alevantam, mantém a empresa no bom caminho, independente das granadas jogadas pelos políticos.

A Takeda foi fundada ainda no século 18, em Osaka, mas é difícil imaginar que os princípios que orientavam o pioneiro Chobei Takeda, que começou a saga da empresa vendendo ervas medicinais, valham para os dias de hoje. Grande parte do que é a cara da farmacêutica no século 21 se deve a um processo contínuo de aquisições globais, como a da irlandesa Shire, em 2019, que significou o apreciável desembolso de US$ 62 bi. Desde o começo da década de 2010, a empresa estabeleceu como meta se posicionar entre as dez maiores farmacêuticas do mundo, e isso exige ir ao mercado, seja para comprar, como no caso da Shire, como também para vender: aqui no Brasil, a Takeda se desfez de um portfólio de marcas conhecidas, todas OTC (medicamentos sem necessidade de receita médica), como Dramin e Neosaldina, adquirido por U$ 825 mi pela Hypera Pharma, que celebrou efusivamente o acordo.

Retirar-se de um setor rentável e tradicional inclusive na história da Takeda, como o OTC, parece um contrassenso, mas a empresa decidiu apostar em produtos de preço final alto e que exigem grande investimento em pesquisa e desenvolvimento – a divisão “P&D” tem, com efeito, orçamento gordo, de 15% do faturamento da companhia. São terapias oncológicas, doenças raras, gastroenterologia e neurociência. Com a Shire, hematologia e produtos derivados do plasma sanguíneo entraram fortemente no escopo, e há ainda o desenvolvimento de vacinas. No caso da vacina mais pop do século, contra a Covid-19, a Takeda não virou player, preferindo fazer alianças com a Moderna e a Covavax para fabricá-la no Japão.

Se não é protagonista na corrida das vacinas desse novo mundo pandêmico, o mesmo não se pode dizer em relação ao imunizante contra a dengue. Enfermidade que ano sim, outro também, mata milhares de brasileiros e abala o sistema de saúde daqui, ela pode estar no caminho de ter seus danos minimizados. Desenvolvida pela Takeda, a vacina TAK-003 atua contra os quatro sorotipos da doença, é elegível para quem teve ou não a doença e desde abril está sob escrutínio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Pode vir a ser comercializada já em 2022. Os estudos clínicos foram realizados também com a população brasileira, e os resultados apresentados mostram eficácia geral acima de 80% e redução de hospitalizações em 89,2%. A cobertura contra a dengue hemorrágica é também dessa mesma proporção e a cobertura vacinal pode se alongar por três anos.

Renata Campos (CEO Takeda) || Crédito: Roberto Setton

MAIS ACESSO
A Takeda fala muito em acesso de seus medicamentos aos pacientes, mas isso passa por políticas de preço nem sempre alinhadas com os humores dos investidores. Num ranking do tema, o Access to Medicine Index, a empresa vem em sexto, atrás da GSK, Novartis, J&J, Pfizer e Sanofi, mas lidera em governança – o que indica uma estratégia efetiva para o cumprimento desse objetivo. O Index recomenda expandir a segmentação de preços para mais mercados. O caminho para isso pode passar, paradoxalmente, por mais concentração e aquisições. No fim de 2020, o CEO da Takeda, Christophe Weber, anunciou que o objetivo da empresa é chegar a um fatura[1]mento global em 2030 de cerca de US$ 46 bi, 60% acima do patamar atual. Foi o primeiro anúncio de metas de longo prazo após a aquisição da Shire, negócio mastodôntico, de US$ 62 bi. O mercado pareceu não se entusiasmar com a declaração, e as ações declinaram 2% ao longo do quadrimestre seguinte. O endividamento da corporação é crítico e impacta o ânimo dos investidores. A venda de produtos fora do “core”, como aconteceu no Brasil com a Hypera, é uma das estratégias para amortizá-lo – o montante desejado é de US$ 10 bi. O problema é que, durante muitas décadas, o core era exatamente os medicamentos OTC de que a Takeda procura se desfazer hoje – no Japão, a linha de vitaminas Alinamin, por exemplo.

VALORES
Ainda que a empresa venha se metamorfoseando com a sucessão de negócios e fatos relevantes, a Takeda faz fé numa cultura corporativa criada lá nos primórdios, chamada internamente de “takedaísmo”, cujos valores parecem estranhos a quem tem fome de participação de mercado: integridade, justiça, perseverança e honestidade. Em caracteres japoneses, isso parece um tanto mais persuasivo, e Renata chega a falar desses valores com alguma emoção. A missão expressa é “promover uma saúde melhor e um futuro mais brilhante para pessoas em todo o mundo por meio da liderança em inovação de medicamentos”. Num prodígio da história, dá para imaginar que o velho Chobei Takeda, o fundador, anteviu em dois séculos a economia do stakeholder.

No front doméstico, a empresa busca standards que, de fato, parecem coincidir com os valores inscritos nos ideogramas. A diversidade é estimulada e, segundo a executiva, foram “acelerados” os comitês de inclusão e diversidade, que ali se multiplicam em racial, LGBTQIA+, de idade (etário), gênero e PCD (pessoas com deficiência). Ela cita alguns benefícios para os colaboradores, como folgas nos aniversários dos filhos, para todos eles, mesmo que sejam afilhados. Casais homoafetivos desfrutam também do benefício, como era de se esperar. Recrutamento diverso está na moda, mas Renata acredita que isso é só o começo, o passo que também deve ser dado deve assegurar condições de desenvolvimento de carreira. “Há aqui cursos de inglês de dois anos para os colaboradores, mas já é preciso rever a duração para quem tem formação muito básica. Esses terão cinco anos”, diz. Ela informa que a taxa de turnover da Takeda que lidera é mais baixa que a média do mercado e que 70% das posições são preenchidas por gente formada lá dentro.

“A cultura muito sólida da Takeda retém o colaborador. É um sistema que engaja e se retroalimenta, e isso é a razão do nosso alto índice de promoção interna.”

A companhia tem sido reconhecida com prêmios como o do Great Place to Work (GPTW), em que figura por sete anos consecutivos. Em 2020, destacou-se também como a única farmacêutica entre as dez empresas do setor de saúde na certificação de “gestão saudável”, além de menções em rankings específicos de diversidade, como o GPTW Pessoas com Deficiência 2020 e o GPTW LGBTQI+ 2021.

Não se sabe ao certo quanto uma empresa pode perder, ou melhor, deixar de ganhar, ao não criar um ambiente e uma cultura capazes de engajar sua comunidade. O jornalista e escritor Alexandre Teixeira, especialista no assunto, já citou a cifra de US$ 300 bi anuais para o conjunto de empresas americanas em seu livro Felicidade S.A. Seja como for, a Takeda, no mundo, e Renata, no Brasil, têm pela frente um desafio dificílimo, que parece exigir mais satori – a iluminação, segundo a filosofia zen-budista – do que propriamente planejamento estratégico: encontrar o equilíbrio entre a ambição gigantesca e a manutenção dos valores que até aqui têm significado um ambiente saudável, inclusivo e diverso.

Fábrica da Takeda em Jaguariúna (SP) (Crédito: Ricardo Matusukava/Divulgação)
Laboratório da Takeda em Jaguariúna (SP) (Crédito: Ricardo Matusukava/Divulgação)
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