Revista Poder

A DESPOLUIÇÃO DO RIO PINHEIROS, DESEJO DE DORIA

Tratado por João Doria como um de seu três principais projetos à frente do Estado de São Paulo, a despoluição do Pinheiros avança para trazer paulistanos e turistas às suas margens

Por Paulo Vieira

Avistar peixes num rio não deveria surpreender muita gente, a menos que esse rio fique numa cidade como São Paulo, que década após década vem tratando seus grandes corpos hídricos unicamente como estorvo para o tráfego de automóveis, especialmente em épocas de chuvas e inundações. Mas o filminho feito por um funcionário público que estava às margens do rio Pinheiros surpreendeu, viralizou nas redes sociais e, por fim, alegrou imensamente o governador paulista, João Doria, que pretende fazer da despoluição desse rio um de seus três principais legados de governo, como disse em entrevista recente a Joyce Pascowitch, publisher de PODER.

O estado está a investir cerca de R$ 4 bi no projeto Novo Rio Pinheiros, grande parte disso em redes coletoras de esgoto doméstico. Outro aspecto importante é o aproveitamento das margens do rio, que hoje já são frequentadas principalmente por ciclistas. Doria quer estabelecer até 2022 um parque linear na margem oeste do Pinheiros, além de tornar a antiga usina da Traição, na valorizadíssima região da Vila Olímpia, em atrativo turístico.

A ciclovia do Pinheiros, que trouxe ciclistas para perto do rio, antes só visitado por capivaras

Para despoluir o Pinheiros é preciso também cuidar da miríade de afluentes que desaguam nele. O Tietê, o grande rio paulista, não é o maior problema. Apesar de poluído na região metropolitana, ele recebe as águas do Pinheiros, influenciando-o mais significativamente em épocas de cheias.

Eliminar o mau cheiro e a turbidez do Pinheiros é fundamental para trazer a população de São Paulo para mais perto dele, o que, no fim, deverá gerar um círculo virtuoso no cuidado com o rio. Para isso, é fundamental eliminar o lançamento de esgoto nas suas águas – ou nas águas dos afluentes. O estado, por intermédio da Sabesp, realizou ligações de esgoto em 302 mil residências e fala em chegar a mais de 500 mil até 2022. Em córregos que passam por comunidades em que ofertar a rede coletora é pouco viável, há o plano de edificar cinco pequenas usinas de tratamento. Além disso, segue o trabalho de Sísifo que o paulistano se acostumou a ver – e a pagar –, de retirada de entulho, especialmente garrafas pet, mas até pneus e bicicletas, de dentro do rio. Responsável pelo projeto, o secretário estadual de Infraestrutura e Meio Ambiente, Marcos Penido, disse a PODER que não se “espera que alguém vá nadar ou consumir água do rio”, mas que o aproveitamento de suas margens e a navegação são grandes objetivos.

‘‘Nos programas de despoluição anteriores, atacava-se a consequência. Agora ataca-se a causa”

Marcos Penido, secretário de Infraestrutura e Meio Ambiente de São Paulo

A despoluição do Pinheiros já foi anunciada – e tentada – por diversos outros governadores, sem sucesso. Além do monótono trabalho de recolher materiais volumosos da superfície, chegou-se a implantar, durante o governo Alckmin, por exemplo, um sistema pouco eficaz de flotação e agregamento de lixo. Para Penido, a diferença em favor do projeto que lidera é que antes “atacava-se a consequência, agora ataca-se a causa” – o lançamento de esgoto no Pinheiros e em sua bacia. O secretário ainda ressalta que o investimento feito em outras gestões, em rede coletora, por exemplo, levando águas à estação de tratamento de Barueri – será aproveitado. Finalmente, ele não vê no Novo Rio Pinheiros óbice para o programa de despoluição do Tietê, antiga reclamação da sociedade civil que é, de alguma forma, a gênese de tudo isso. O acordo firmado entre a prefeitura de Guarulhos e a companhia de saneamento paulista Sabesp em 2018, ainda no governo Márcio França (PSB), trouxe algum alento ao Tietê, pois apenas 10% do esgoto dessa que é a segunda cidade do estado era tratado.

Tâmisa, em Londres, hoje bem mais vivo do que há 40 anos

 

TÂMISA, O MODELO

Em cidades de diversos países desenvolvidos, rios são polos de lazer, atrativos turísticos e, em geral, motivo de orgulho para seus moradores. Mas nem sempre foi assim, e a despoluição do Tâmisa, que corta Londres, por exemplo, hoje navegável, cheio de bares e áreas verdes às suas margens, transformou um rio que era considerada morto – ou seja, que não continha oxigênio – no começo dos anos 1960 em lar de 125 espécies de peixes hoje em dia. A preocupação agora é com o acúmulo de partículas minúsculas de plástico nas águas. Ainda mais redentora foi a limpeza do rio Han, que atravessa Seul, a capital da Coreia do Sul, hoje tomado por parques, fontes, piscinas (artificiais) e bateaux-mouches. O projeto de US$ 0,5 bi foi deslanchado nos anos 1980 para preparar a cidade para a Olimpíada de 1988.

O Pinheiros vem sendo devolvido à população com bastante vagar. Como sua várzea – assim como a do Tietê – foi entregue pelos planejadores aos carros, que têm ali um contínuo de vias expressas, ele sempre foi interditado à população. Os ciclistas foram os primeiros a voltar, com a inauguração, em 2010, de uma ciclovia paralela ao rio e à linha 9 do trem metropolitano, que também corre ali. Com recursos privados, a via foi incrementada nos dois últimos anos, recebendo iluminação e alguns cafés, além de um inédito conjunto de chuveiros. Eventos também passaram a ser realizados aos fins de semana. Em 2020, a antiga usina da Traição, responsável por reverter o curso do Pinheiros para abastecer a usina Henry Borden, em Cubatão, foi concedida à iniciativa privada para que ali seja implantado um centro comercial e de lazer, com restaurantes, mirante e museu. Doria gosta de pensar a Traição como seu pequeno Puerto Madero, a região revitalizada de Buenos Aires às margens do Prata que se tornou um bairro turístico e bastante gentrificado da capital portenha, hoje sightseeing obrigatório dos turistas estrangeiros em visita à Argentina.

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E O TIETÊ?

A situação deplorável do rio Tietê nos anos 1990, o principal rio paulista, navegado pelos bandeirantes que, atrás de índios e ouro, chegaram a Goiás e Minas no pro- cesso que levou à interiorização do país, resultou no engajamento da sociedade civil, que exigiu sua despoluição. Um abaixo-assinado, capitaneado pela fundação SOS Mata Atlântica e pela rádio Eldorado, chegou a 1,2 milhão de assinaturas e colocou pressão sobre o então governador paulista Luiz Antônio Fleury. Desde então, cerca de US$ 30 bi foram gastos em sua despoluição (junto com a do Pinheiros) em ações como rebaixamento da calha, mas poucos resultados foram obtidos. Gustavo Veronesi, coordenador do projeto Observando os Rios, da SOS Mata Atlântica, elogia o programa Novo Rio Pinheiros, mas teme certa “perda de foco” no Tietê. Ele também julga ser importante que o projeto contemple questões habitacionais, diretamente relacionadas ao despejo de esgoto no Pinheiros. O estado calcula que 3 milhões de pessoas vivam ou trabalhem à margem do rio e dos córregos de sua bacia. Entre elas, de moradores da favela de Paraisópolis a ocupantes dos edifícios luxuosos do Brooklin. Há também as capivaras, que se adaptaram bem ao Pinheiros hardcore, poluído, e vivem em bandos há anos às margens do rio. Um grupo grande desses roedores chegou também à raia de remo da USP, cujas águas são limpas, e ali proliferou. Virou atração turística.

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