Revista Poder

EM BUSCA DO TERCEIRO TEMPO

Crédito: Getty Images

Por Renata Mei Hsu Guimarães – advogada na área de família e sucessões

Passado mais de um ano do início da pandemia e sem clareza acerca do seu fim, são duas as constatações: não mais se justifica postergar determinadas decisões e a forma de viver está definitivamente modificada. Além da constante e física presença da morte.

Nesse contexto a advocacia de família e sucessões, área do direito particularmente sensível ao momento atual, apresenta uma crescente e grande demanda de trabalho, marcada pelo número elevado de testamentos, tanto a revisão das disposições daqueles que já o tinham quanto a elaboração desse documento para pessoas que nunca o fizeram ou cujas preocupações sucessórias não eram prementes e tampouco parte do cotidiano.

No âmbito das reflexões acerca do falecimento, crescente não apenas a lavratura de testamento, mas também, e sobretudo, o planejamento familiar e sucessório como um todo, que implica organização da base patrimonial e das relações familiares, inclusive governança da empresa familiar (acordo de sócios) e governança da família (conselho familiar, protocolo familiar), bem como providências para o caso de incapacidade civil (vida sem condições cognitivas, um coma por exemplo), transmissão de parte do patrimônio em vida (doações) e assim por diante.

Igualmente crescente o número de divórcios e dissoluções de união estável, eis que se agravaram as dificuldades dos casais que, antes de pandemia, já vivenciavam uma situação de crise e, submetidos ao intenso convívio imposto pela quarentena, só viram aumentar as divergências e situações de conflito, não mais se justificando aguardar o fim (incerto…) da pandemia para formalizar seu afastamento.

A elevada mortalidade também trouxe o aumento dos inventários e respectivas partilhas de bens entre os herdeiros, nem sempre convergentes, sendo certo que atualmente todos têm em seus círculos de convívio pessoas próximas falecidas.

Por fim, em face da grave crise, alguns empresários, especialmente aqueles que venderam sua empresa e que possuem patrimônio preponderantemente formado por ativos financeiros e investimentos, decidiram deixar o Brasil e se estabelecer em outro país, notadamente Estados Unidos, Portugal, Espanha, Inglaterra e Uruguai. Tais mudanças acarretam, a depender da jurisdição escolhida, desde providências relativas aos pactos de casamento e união estável existentes até a compatibilização com as regras sucessórias então aplicáveis, passando algumas vezes pela reestruturação patrimonial e constituição de veículos externos, a exemplo de sociedades estrangeiras, trusts, fundações de direito privado, fundos sediados no exterior e estruturas outras.

O fato é que, com maior ou menor dificuldade, o torpor dos primeiros meses de pandemia cedeu lugar a decisões acerca dos relacionamentos conjugais, providências relativamente à inexorável realidade da morte, escolhas sobre onde, com quem e como viver. Essas escolhas e decisões constituem um segundo tempo, marcado pela ação, pelo fazer, bastante diverso dos primeiros meses de inércia da pandemia, mas entendo que haverá um futuro e terceiro momento, este sim determinante de como se estabelecerão as relações familiares e do real impacto da pandemia sobre todos nós.

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