CIDADE: CONVÍVIO, SOBREVIVÊNCIA E IGUALDADE, por Ciro Pirondi

Crédito: Getty Images

Por Ciro Pirondi*

As cidades foram feitas também pelo inesperado. A pandemia é o inesperado deste tempo, que pode nos deixar mais loucos ou sábios.

A cidade é um dos mais significativos artefatos construídos pelo homem. Amparar o convívio e a sobrevivência em dimensões de igualdade é o seu horizonte. O convívio e a sobrevivência estão condicionados a fatores sociais, educacionais, culturais e ambientais.

A exclusão, por exemplo, tão presente em nossos espaços urbanos, fere um dos princípios fundamentais, pelos quais instituímos as vilas, as comunidades e finalmente as cidades. O princípio do convívio, do encontro, são fatores fundamentais para a longevidade da vida, segundo estudos recentes da neurociência.

O preconceito é outro fator totalmente contrário à ideia de cultura na cidade. A cultura só pode ser, se for múltipla, dinâmica e navegar na liberdade. A cidade é para todos ou então não é cidade, mas fortificação.

Cidade e natureza são binômios inseparáveis, com os quais construímos uma civilização. Tem sido assim desde quando começamos a caminhar. No entanto, a partir do advento da indústria e consequentemente da aglomeração em burgos, transformamo-nos, por ignorância ou egoísmo, em inimigos da natureza.

A “pandemia urbana” revelou de maneira transparente o quanto nossas cidades foram construídas a partir de um desenho desumano. Uma cidade feita apenas para favorecer o automóvel individual e o escoamento mais veloz possível da mercadoria. Os gregos diziam que a lentidão do corpo acelera a rapidez do pensa- mento. A engenharia de tráfego é a principal secretaria da gestão pública da cidade que se diz moderna, como na sublime música de Milton Nasci- mento “dizia o cego ao seu filho”.

Tenho a impressão que estamos distraídos ou muito espantados com a cidade. Sempre esperamos um líder que em quatro anos resolva os problemas, que seria o trabalho contínuo de uma civilização, e não sujeito ao “soluçar” de partidos e políticos, quase todos, interessados na reeleição.

A questão de reconhecermos nossa condição histórica colonial, e um sistema exploratório de ocupação do território, nos identifica de uma forma significativa, mas não deve nos imobilizar ou afastar dos ideais de construção de cidades mais humanas, da ocupação dos territórios de maneira mais inteligente, menos predatória e capaz de nos desviar da rota de colisão com a natureza.

É urgente, pós-pandemia, assumirmos e agirmos com essa consciência. Inventarmos novos paradigmas, termos a coragem e a inteligência de reconhecer os erros e usar todas as competências das mais diversas áreas do conhecimento para esse propósito: desenharmos e construirmos espaços públicos para a vida.

A cidade pós-pandemia será outra, se apontarmos nossos vetores para outros horizontes possíveis e desejáveis. Por certo será mais bela com espaços mais generosos, públicos e amigáveis, onde finalmente percebamos que a própria felicidade depende de tudo que a circunda. Nessa cidade utópica, mas possível, nossa rápida passagem pela vida poderá assim ser feita de maneira lenta, onde possamos ser senhores do nosso tempo, do espaço do nosso habitar, pois que será temporário porque cada vez mais somos nômades, mas felizes. G. Vico há muito tempo nos dizia: “O mundo ainda é jovem”.

Se quisermos ter uma cidade digna, é imperativo estabelecer um acordo quanto a necessária precedência do bem-estar da comunidade sobre o individual, e se optamos, no meio da crise, por ficarmos mais lúcidos e criativos, o que sinceramente espero, ou mais loucos e egoístas. n

*Ciro Pirondi é arquiteto e diretor da Escola da Cidade