Revista Poder

REVOLUÇÃO AGRÍCOLA

Nas últimas quatro décadas o agronegócio brasileiro quadruplicou a produção poupando terra para florescer – salto de 390% na safra de grãos ocorreu com aumento substancialmente menor da área plantada

Crédito: Getty Images

Por Nivaldo Souza

Se a França quiser disputar o mercado de soja em pé de igualdade com o Brasil, como sugeriu o presidente Emmanuel Macron, independentemente da área plantada o país europeu precisará elevar a sua produtividade por hectare em mais de 25% – das atuais 2,7 mil toneladas para as 3,4 mil toneladas produzidas em solo brasileiro. O desafio é ainda maior pois os franceses terão também de colher, na entressafra, mais algumas toneladas de milho no mesmo terreno onde a soja for colhida. Por isso, se Macron tinha a intenção de criticar os inegáveis problemas ambientais brasileiros, o desafio não passou de bravata.

A explicação é do engenheiro agrônomo Marcos Jank, coordenador do centro de pesquisa Insper Agro Global e um dos principais especialistas do setor no Brasil. Ele diz que os elevados níveis de produtividade nacional foram atingidos de maneira sustentável a partir de uma revolução técnica iniciada nos anos 1970, com suporte da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). “Temos um agronegócio sustentável porque o Brasil foi berço de uma revolução agrícola. Não só a produtividade aumentou muito, como desenvolvemos diversas técnicas que nenhum outro país tem. Fazemos duas safras anuais, por exemplo, produzindo soja e milho ou soja e algodão na mesma área”, compara.

A rotatividade de culturas agrícolas e métodos de produtividade adaptados à realidade climática de cada região, desenvolvidos ao longo de 40 anos, colocaram o Brasil à frente da maioria de seus competidores. São fatores que explicam o salto de 390% na colheita de grãos a partir de 1980, atingindo o total de 257,8 milhões de toneladas no ano safra 2019/20 – a Embrapa registra aumento exponencial no rendimento médio (quilos por hectare) com destaque para o trigo (346%), o arroz (314%), o milho (270%), o feijão (119%) e a soja (92,45%). Há quatro décadas, a produção de arroz era de 1,5 tonelada por hectare. Hoje, a média é de 6,2 toneladas no mesmo espaço de 10 mil metros quadrados.

O economista Felippe Serigati, coordenador do mestrado profissional em agronegócio da FGV (Fundação Getulio Vargas), afirma que o Brasil conseguiu produzir mais alimentos gerando o que ele denomina como “efeito poupa terra”. Ou seja, a área plantada cresceu em menor proporção: 60% entre 1980 e 2020, alcançando o total de 65 milhões de hectares. “O Brasil conseguiu produzir uma quantidade brutal de alimentos demandando cada vez menos terra”, afirma. O movimento ocorreu, segundo Serigati, com apreservação de um “estoque de florestas” equivalente a cerca de 65% do território nacional, na forma de parques nacionais, reservas indígenas ou legais. “O Brasil é o país com a maior área florestada, como mostrou o relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas)”, explica, tomando como referência um documento do organismo científico das Nações Unidas publicado em 2019.

‘‘Temos de fazer valer a lei, aplicando o Código Florestal. Se não fizermos isso o mundo vai continuar achando que não somos sustentáveis”

Marcos Jank, coordenador do centro de pesquisa Insper Agro Global (Crédito: Divulgação)

CARNE X DESMATAMENTO
A proteína animal é um bom exemplo. A produção de carne de frango voou 6.000% em algumas décadas. Em 2019, o país produziu 13,2 milhões de toneladas de carne da ave, segundo a ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal), contra 217 mil toneladas registradas pela Embrapa em meados dos anos 1970. O crescimento alçou o país à posição de maior exportador de carne de frango do globo, com 4,2 milhões de toneladas comercializadas. Com relação à carne suína o aumento foi de 464%, saindo de 705 mil para cerca de 4 milhões de toneladas.

No mesmo período o rebanho bovino transformou o país no maior exportador e segundo maior produtor global de carne bovina – passou de cerca de 30 milhões de cabeças de gado para 214,7 milhões. Mas essa expansão, em contrapartida, se deu ao custo de muita terra. O rebanho ocupa 170 milhões de hectares, sendo 25% considerados degradados pelo Ministério da Agricultura. Além disso, a produtividade média de cinco arrobas por hectare ainda é considerada baixa. “Avaliamos que cabe mais boi por hectare”, observa Serigati.

Os números da pecuária expõem o calcanhar de Aquiles do agronegócio: o desmatamento, geralmente acompanhado pela ocupação por pastagens como forma de domínio ilegal da terra. O IBGE calcula que, entre 2000 e 2018, os biomas brasileiros perderam 50 milhões de hectares. Somente a Amazônia perdeu 8% de sua cobertura vegetal: 26,9 milhões de hectares – o equivalente a mais de um terço do território da França de Macron

 

Contra o desmatamento, Jank sugere uma estratégia de Estado mais objetiva. “Temos de fazer valer a lei, aplicando o Código Florestal, fazendo a regularização fundiária, mais controle e fiscalização. Se não fizermos isso o mundo vai continuar achando que não somos sustentáveis. Mas temos de entender que esse não é o centro da agricultura, que não está exposto ao desmatamento.” Além disso, o professor do Insper sugere maior efetividade na comunicação do agronegócio para explicar ao mundo que o desmatamento é ilegal e praticado por produtores criminosos. “Não dá para o agronegócio ficar apenas falando ‘a gente tem mais estoque de floresta do que a Europa e os Estados Unidos’. Isso é verdade. Mas o nosso problema é o fluxo de desmatamento, que hoje é em média de 1 milhão de hectares por ano [a partir de 2016]. É isso que assusta [o mundo]”, afirma.

‘‘É preciso transferir mais tecnologia para os produtores menos eficientes, especialmente para os pequenos, cuja chave para melhorar a produtividade é a tecnologia”

Felippe Serigati, coordenador do mestrado profissional em agronegócio da FGV (Crédito: Divulgação)

INTEGRAÇÃO DE CULTURAS
Uma das apostas do agronegócio para recuperar áreas degradadas e ampliar produtividade sem precisar de mais terra é a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF). Como o nome sugere, a metodologia combina diferentes culturas, como a criação bovina e o plantio de florestas para produção de celulose ou extração de madeira legal. Pode ser também a combinação de pasto com milho, sorgo ou algodão. Há possibilidade de convívio de até cinco culturas diferentes na mesma área mesclando agricultura e pecuária de corte.

A ideia é que cada sistema produtivo se beneficia preservando água no solo e emitindo menos poluentes. A Rede ILPF, organização criada pelo Bradesco, a Embrapa e outras empresas privadas, diz que já foram recuperados cerca de 18 milhões de hectares. A meta é chegar a 35 milhões até 2030.

Renato Rodrigues, presidente da Rede ILPF, explica que o modelo de integração tem como principal objetivo evitar a abertura de áreas para plantio ou gado. O agricultor teria como contrapartida um maior rendimento da propriedade. “Chegamos a multiplicar até por sete a produção de uma fazenda que produzia cinco arrobas de carne por hectare e hoje está em 35 arrobas”, conta.

‘‘[Com a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta] Chegamos a multiplicar por sete a produção de uma fazenda que produzia cinco arrobas de carne por hectare”

Renato Rodrigues, presidente da Rede ILPF (Crédito: Divulgação)

Já são 35 fazendas contempladas pela Rede ILPF. Entre elas a Fazenda Laço de Ouro, localizada no município de Almas (TO), onde a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta começou a ser adotada na safra 2013/14. Na época, a propriedade do casal Neiçon e Neiva Gomes perdia muito pasto e, consequentemente, oferecia menos alimento para o rebanho bovino. Optou-se por plantar milho junto ao capim, depois chegou o sorgo forrageiro e o eucalipto. O resultado foi a recuperação de 60% da pastagem, que permitiu triplicar a quantidade de gado na mesma área. “Aquela história dos nossos avós de colocar o boi na sombra é verdadeira. O ganho [para a pecuária] com a árvore é maior porque o animal fica na sombra dela e o processo digestivo é modificado. O animal consegue processar melhor o alimento”, explica Rodrigues.

CAMPO DIGITAL
Com tantos recursos, a tecnologia é cada vez mais presente no campo e a tendência é de aumento como mostra a pesquisa “A mente do agricultor brasileiro na era digital”, da consultoria McKinsey & Company. O levantamento indica que 40% dos agricultores do país reinvestem parte dos lucros em novas máquinas e tecnologia. Essa tendência explica o surgimento do AgTech Garage, um hub tecnológico criado em Piracicaba, onde mais de 700 startups voltadas para o agronegócio estão instaladas – a cidade no interior de São Paulo é um dos maiores polos mundiais de inovação agropecuária.

É comum gigantes como a Usina Açucareira São Manoel, uma das maiores produtoras de açúcar e etanol do país, buscarem soluções no AgTech. Neste momento, a usina seleciona startups que apresentem soluções para reduzir o gasto com combustíveis e os pneus das máquinas usadas na colheita de cana.

O avanço da tecnologia, porém, é desigual, exigindo maior empenho do setor para levá-la aos pequenos agricultores (leia box abaixo) como alerta Serigati. “É preciso transferir mais tecnologia para os produtores menos eficientes, especialmente para os pequenos produtores, cuja chave para melhorar a produtividade é a tecnologia”, diz.

Tecnologias de baixo carbono desenvolvidas no Brasil confirmam o compromisso do agronegócio com a sustentabilidade: etanol, biodiesel, adição de álcool na gasolina, geração de energia por biomassa e o carro flex. Temos muitos bons exemplos.

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O TOMATE É TECH

Tecnologia nem sempre se traduz em maquinários. Na maioria das vezes, chega como técnica de plantio. Em 1995, a Embrapa Solos decidiu ajudar pequenos produtores de tomate da região serrana do Rio de Janeiro e da Baixada Fluminense com o programa Tomatec, que já auxiliou 19 pequenos agricultores. O projeto desenvolveu técnicas que podem parecer simples, mas mudaram a forma como o tomate é plantado e colhido. A equipe desenvolveu um modelo de fertirrigação por gotejamento para reduzir o uso de água e agrotóxicos, e o ensacamento dos frutos para evitar efeito de intempéries, entre outras técnicas. O uso de produtos químicos para combater pragas caiu de 50 para 10 aplicações ao longo do ciclo de desenvolvimento do tomate, que é de 150 dias. O resultado foi uma produção com tomates maiores e mais saudáveis. Em 2017, o selo Tomatec ganhou as gôndolas de uma rede de supermercado de alto padrão na zona sul do Rio, que firmou parceria de exclusividade. Hoje, além da venda in natura no supermercado, alguns agricultores começaram a produzir polpa de tomate, cujo valor de venda é maior, e estão comercializando por conta própria.

Crédito: Carlos Dias/Divulgação

 

 

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