Revista Poder

PEQUENO MANUAL DA LIDERANÇA INCLUSIVA

Um guia para ampliar conhecimentos, competências e consciência para uma gestão mais diversa, sustentável e inclusiva nas empresas

Créditos: Getty Images

Por Nina Rahe

Mãe de uma menina autista, Mari Gonzalez, diretora e mentora do programa “Di Verdade” da Medral, empresa que presta serviços de engenharia elétrica, encontrou sua filha chorando após retornar da escola. Quando quis saber o motivo, ouviu que ela sentia como se fosse um fantasma e que as pessoas não a viam de fato. O episódio, que aconteceu há poucos anos, acabou servindo como ponto de partida para uma mudança na postura da própria empresária. “Sempre pedi que o mundo aceitasse minha filha, mas antes achava que o problema não era meu”, explica. “Ficava brava em reuniões da escola e achava que todos tinham que fazer alguma coisa, mas daí percebi que era eu quem tinha que começar a fazer.”

Essa percepção fez com que Mari passasse a reestruturar a empresa, que tem quase 2 mil funcionários, a partir de um programa voltado para a sensibilização de temas relativos à inclusão e à diversidade. O resultado, após dois anos, pode ser visto no quadro de colaboradores, que conta com 267 homens negros, 18 mulheres negras, 22 homens indígenas, além de 80 pessoas portadoras de deficiência, e na forma como a Medral segue trabalhando a diversidade, com a contratação da consultoria Gestão Kairós, empresa especializada em sustentabilidade e diversidade, para acompanhar suas ações de perto.

Ainda que venha atrelado a uma motivação pessoal, o percurso trilhado por Mari tem sido cada vez mais o de muitos outros líderes de empresas que perceberam que, para se posicionar em relação às demandas de diversidade, é necessário capacitação e conhecimento. É o caso de Marcos Samaha, CEO do Tenda Atacado, que, no contato com o tema e com os palestrantes por trás de programas de inclusão, foi percebendo como as informações que possuía sobre o assunto eram limitadas. A vontade de saber mais o levou a cursar mestrado e doutorado na área de Gestão Humana e Social nas Organizações – sua tese, que será finalizada neste ano, versa sobre a baixa presença de negros nos quadros de lideranças. Nesse processo, ele conta, o principal aprendizado foi o de que a meritocracia não é um valor absoluto e que ela não pode ser utilizada como desculpa para não contratar negros na sua empresa, por exemplo. “Se os líderes não estiverem conscientemente engajados, as coisas não vão acontecer e a branquitude normalizada vai se perpetuar. Nós vivemos em um mundo hegemônico branco e masculino e o triste disso é que as pessoas frequentam esses ambientes, olham em volta, e acham que é normal”, diz Samaha, que é, segundo ele próprio, parte do mundo masculino, hegemônico, branco e heterossexual. “A gente deve construir um indivíduo engajado e que esteja usando seu poder para influenciar e fazer com que outros executivos sejam conscientes e ativos.”

Essa mudança de mentalidade na alta liderança, de acordo com Liliane Rocha, fundadora e CEO da Gestão Kairós, é também decorrente dos acontecimentos sociais que impactaram as grandes empresas no ano passado, como as mortes de George Floyd, numa operação policial nos Estados Unidos, e de João Alberto, no Brasil, por seguranças da rede Carrefour. “De 2019 para 2020 a gente teve um boom de demanda da alta liderança, o que é justificado tanto pela movimentação social em virtude de tragédias que movimentaram o mundo e escalaram essa necessidade com mais força para o alto escalão, como pelo fato de a gente estar em uma sociedade na qual impera a quarta revolução industrial e as altas lideranças terem também acesso à informação, de forma natural e orgânica, se sensibilizando mais e mais com esse tema”, explica Liliane. “Mas para que a alta liderança esteja preparada para lidar com a diversidade e inclusão, não há outra maneira senão letramento, letramento, letramento”, conclui.

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BONS EXEMPLOS
Acompanhar as ações que estão sendo realizadas por outros líderes e empresas é sempre um bom passo para começar. A iniciativa CEOs’ Legacy, da Fundação Dom Cabral, por exemplo, vem reunindo CEOs de importantes empresas brasileiras para a construção de legados relevantes para a sociedade e lançou o movimento Impacto – CEOs pela Diversidade e Inclusão com o objetivo de inspirar, mobilizar e engajar mais lideranças. Entre outros casos para servir de referência também está a Ambev, que criou um Comitê de Diversidade Racial em 2020 e as empresas Magazine Luiza e Bayer, com seus programas de traines exclusivos para negros.

AUTOAVALIAÇÃO
No site da consultoria ID-BR (simaigualdaderacial.com.br), qualquer executivo pode realizar uma pré-avaliação do estágio de desenvolvimento de ações afirmativas em sua empresa por meio do Selo Sim à Igualdade Racial. O teste é uma boa forma de entender como melhorar as práticas antirracistas e também avaliar o que se sabe sobre diversidade e inclusão. O formulário aborda tópicos como planejamento estratégico, orçamento para desenvolvimento de ações e balanço anual de contratações, e fornece uma avaliação que passa por três níveis: compromisso, engajamento e influência. O último estágio só acontece quando as empresas possuem metas, prazos e indicadores de igualdade racial definidos, além de resultados tangíveis, influenciando toda a cadeia produtiva.

LIVROS
O Pequeno Manual Antirracista, best-seller em que a filósofa Djamila Ribeiro discute temas como negritude, branquitude e violência racial, convidando a todos a assumir o seu papel na luta pela transformação, e Racismo Estrutural, título do advogado e também filósofo Silvio Almeida com dados estatísticos a respeito do racismo e sua apresentação na estrutura social, política e econômica brasileira, deveriam constar como leituras obrigatórias. Não à toa, os dois estiveram nas listas de livros mais vendidos em 2020.

MEDIA TRAINING AUTOAVALIAÇÃO
Os programas com o objetivo de se aperfeiçoar no relacionamento com a mídia e também com a sociedade têm sido um recurso para muitos executivos e consultorias como a Gestão Kairós e a ID_BR oferecem esse serviço. O treinamento, que pode ser feito em grupo, na Gestão Kairós sai pelo valor médio de R$ 22 mil, com duração de quatro horas para até dez líderes. Já a ID_BR oferece media training para turmas de até cinco por um período de três horas com valores a partir de R$ 18 mil.

PESQUISAS
De acordo com Marcos Samaha, CEO do Tenda Atacado, que fez um levantamento de artigos científicos, teses e dissertações para o seu doutorado, são raras as pesquisas sobre racismo nas organizações, o que se explica, segundo ele, pelo fato dos professores universitários e pesquisadores em administração de empresas serem em sua maioria brancos. Duas das referências encontradas (Pactos Narcísicos no Racismo: Branquitude e Poder nas Organizações Empresariais e no Poder Público e Executivos Negros: Racismo e Diversidade no Mundo Empresarial) estão disponíveis no banco de teses da Universidade de São Paulo.

TED TALKS
Em meio a infinidade de TED Talks que já foram compartilhados, vale conferir o da escritora nigeriana Chimamanda Adichie em O Perigo de uma História Única, no qual ela conta como encontrou sua voz e adverte a todos sobre o perigo de ouvimos uma única história sobre uma outra pessoa ou país. Outra fala imperdível é a do escritor e comediante americano Baratunde Thurston, em Como Desconstruir o Racismo, Uma Manchete de Cada Vez, na qual ele aborda o fenômeno dos americanos brancos que chamam a polícia por causa de negros que cometeram o “crime de viver sendo negros” e o poder da linguagem para transformar histórias de trauma em histórias de cura.

E-BOOKS
A Gestão Kairós disponibiliza uma série de publicações e ferramentas em seu site (gestaokairos. com.br) – muitas delas disponíveis gratuitamente, como o Guia de Diversidade na Legislação e o informativo Programas para Contratação Exclusiva de Profissionais Negros e Negras São Constitucionais? O conteúdo desenvolvido pela consultoria é baseado nas principais demandas do mercado e abrange desde e-books sobre a legalidade de ações afirmativas até o Baralho da Diversidade (R$ 60), composto de 31 perguntas e respostas em torno da temática.

FÓRUM
Entre os encontros que valem ficar de olho, está o Fórum Brasil Diverso, que está em sua terceira edição e foi pioneiro em reunir empresas e especialistas em igualdade de raça e de gênero. Realizado anualmente, a última edição do evento aconteceu em novembro de 2020 e contou com a participação de convidados internacionais, como Lisa Ross, atual diretora de operações da Edelman nos Estados Unidos, e Tomás Flier, gerente global de diversidade e inclusão na Google.

Créditos: Divulgação

CURSOS
Não faltam opções de workshops e aulas. A Perestroika Online oferece na sua grade os cursos Plural – Diversidade e Equidade nas Organizações (R$ 387), com foco em orientações para identificar o que pode ser revisto na rotina das empresas para proporcionar relações que valorizam as diferenças, e Novo NoRHmal – A Gestão de Pessoas no Futuro (R$ 597), que aborda a inclusão de diversidade por meio da compreensão de dados demográficos, econômicos, políticos e sociais como fatores essenciais.

FILMES
Os filmes a respeito de inclusão e diversidade são muitos e incluem discussões sobre gênero, raça, pessoas com deficiência, LGBTQIA+, entre tantas outras. Uma boa dica para começar é a série documental Guerras do Brasil, que conta em cinco episódios as diferentes versões dos principais conflitos armados do país e ajuda a entender como o Brasil foi construído. Chega de Fiu Fiu, documentário que retrata a violência de gênero acompanhando a trajetória de três mulheres, também lança uma reflexão importante ao questionar se as cidades foram feitas para as mulheres.

 

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