Por Ana Elisa Meyer
Ao longo das décadas de 1940 e 1950, o Brasil vivenciou um clima considerado revolucionário na literatura, artes plásticas, arquitetura e urbanismo. Naquela década foram inauguradas instituições centrais para a vida cultural do país: o Museu de Arte Moderna de São Paulo e do Rio de Janeiro, além do início da Bienal Internacional de São Paulo. A jovem Lygia Pape foi uma das protagonistas dessa intensa e promissora modernização. Nascida no Rio de Janeiro em 1927, a gravadora, escultura, pintora, designer, cineasta e docente participou do Grupo Frente – movimento construtivo das artes plásticas no Brasil criado em 1954 e que tinha como liderança o carioca Ivan Serpa, um dos precursores da abstração geométrica no Brasil –, juntamente com artistas como Hélio Oiticica e Lygia Clark. O grupo, na sua maioria formado por alunos ou ex-alunos de Serpa nos cursos que ministrava no MAM do Rio de Janeiro, se caracterizava pelo emprego da linguagem geométrica como um campo aberto à experimentação, rejeitando a pintura modernista brasileira de caráter figurativo e nacionalista. No período em que participou do Frente, a artista produziu uma série de pinturas e relevos com desenhos de linhas exatas inscritas em campos brancos, que confirmavam seu entusiasmo pelo construtivismo soviético. Única gravadora a integrar o grupo, Lygia Pape começou a dedicar-se a xilogravuras e criou, entre 1955 e 1959, a série Tecelares, que foi apresentada nas quatro exposições realizadas pelo Grupo Frente entre 1954 e 1956, e na histórica Exposição Nacional de Arte Concreta – que ocorreu primeiro no MAM de São Paulo, em 1956, e em seguida no do Rio de Janeiro, em 1957. Pouco depois, Lygia abandonou o grupo Frente, juntamente com Oiticica e Lygia Clark, e iniciou o movimento neoconcretista com outros artistas.
NEOCONCRETO
Em 1959, nova reviravolta, novos projetos e novas linguagens. Posicionados contra a exacerbação racionalista dos concretistas, organizou-se um movimento experimental formalizado no Manifesto Neoconcretista – assinado por Lygia Pape, Ferreira Gullar, Lygia Clark, Amilcar de Castro, Franz Weissmann, Reynaldo Jardim e Theon Spanudis – e na 1ª Exposição de Arte Neoconcreta no MAM Rio. Movimento de grande importância na cena artística brasileira, o neoconcretismo era formado por artistas que acreditavam que a arte não era apenas um objeto e que seu objetivo seria propiciar uma participação cada vez mais ativa do espectador a partir de obras que possibilitassem a interação por meio dos sentidos. Destaca-se dentre as obras de Lygia Pape duas que acentuam o diálogo com o público: Ovo, de 1967, composta por cubos de madeira envolvidos em um papel colorido muito fino que deveria ser rompido pelas pessoas de forma a propiciar a sensação de nascimento; e Divisor, de 1968, na qual um tecido em forma quadrada, de 20 por 20 metros, repleto de furos distribuídos em toda a extensão, era preenchido pelos visitantes, que colocavam a cabeça nas várias aberturas existentes. Ao longo da década de 1960, período da maior repressão política da ditadura militar no Brasil, a artista produziu objetos e instalações caracterizados pela ironia, pelo humor e pelas críticas sociais e culturais da época com as séries Caixa de Formigas, de 1967, onde criticava o emergente consumismo; Caixa de Baratas, 1967, uma espécie de desaprovação da cultura do bom gosto; e Caixa Brasil, 1968, na qual representou as três grandes etnias nacionais com fios de cabelos de índigenas, negros e brancos em um mesmo compartimento.
ÚLTIMAS OBRAS
De volta aos trabalhos que lembram o início de sua carreira, Lygia finalizou aquela que seria uma de suas principais obras, sintetizando todo o seu processo de criação artística, as Ttéias. A concepção teve início em 1977, com seus alunos no Parque Lage, Rio de Janeiro, mas somente no fim da década de 1990 é que a artista passou a realizar diversas versões da peça até sua finalização, em 2002. Elaborada com diversos fios dourados dispostos geometricamente, a obra cria volumes e linhas quase invisíveis no espaço, irradiando reflexos da luz ambiente conforme o espectador se movimenta. Seu diagrama espacial lembra muito a série Tecelares, realizada na época em que fez parte do Grupo Frente. Também em 2002, Lygia apresentou a instalação Carandiru, na qual criou uma cachoeira vermelha na forma do Manto Tupinambá, associando o massacre dos presos ocorrido na penitenciária em 1991 à dizimação do povo indígena. Lygia Pape produziu intensamente até sua morte, em 2004, no Rio de Janeiro.
CINEMA NOVO
Após a ruptura do grupo neoconcreto, em 1963, Lygia começou uma nova vertente de trabalho ao colaborar com o cinema novo. Além de iniciar sua carreira como diretora de cinema – realizou diversos filmes entre 1967 e 1976 –, criou os cartazes e as aberturas de filmes clássicos do movimento experimental brasileiro como Mandacaru Vermelho (1961) e Vidas Secas (1963), ambos do diretor Nelson Pereira dos Santos, e do memorável – tanto o cartaz como filme – Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha.
DESIGNER
A partir de 1960, Lygia atuou como designer na empresa de alimentos carioca Piraquê, onde criou toda a identidade da marca – desde as embalagens dos biscoitos, massas, salgadinhos e logomarca, que se tornaram clássicas como as das bolachas Maizena e Maria. Lá também desenvolveu um novo conceito para o empacotamento dos produtos ao criar um método próprio de cortar e colar o papel, elaborando embalagens no formato de cada bolacha, como cilindros, ovais e quadradas. Esse método é usado até hoje por diversas empresas do setor no Brasil e no exterior.