Por Anderson Antunes
Houve uma época em que o poder de algumas personalidades era medido com base na quantidade de pessoas cujos destinos eram influenciados, de um jeito ou de outro, por suas decisões. Levando isso em conta nos dias atuais, dá para dizer que a executiva americana Bozoma Saint John é uma das mulheres mais poderosas do mundo. E, apesar disso, é possível que você nunca tenha ouvido falar no nome dela.
Aos 44 anos e com uma trajetória digna de roteiro de filme hollywoodiano, Bozoma foi alçada ao posto de chefe de marketing da Netflix (CMO) em junho do ano passado. E, no cargo, sua função é basicamente decidir o que os quase 183 milhões de assinantes que pagam pelos serviços da gigante do streaming devem assistir. De fato, não é para qualquer um.
Com mais de duas décadas de experiêcia na área, Bozoma tem passagens de sucesso por outras grandes companhias internacionais, como a Endeavor (onde dava expediente até ser contratada pela Netflix), além da WME, da IMG, da UFC, da Professional Bull Riders, da empresa que administra os concursos Miss Universo, e também da Uber e da Apple Music. Considerada uma das maiores experts do mundo no novo jeito de se consumir entretenimento – hoje tem muita gente experiente em Hollywood que ainda duvida que plataformas virtuais como a Netflix e afins vieram para ficar – tem chamado cada vez mais atenção no universo corporativo dos Estados Unidos.
Filha de um casal de imigrantes de Gana que escolheu viver na região de Colorado Springs, no estado americano do Colorado, quando tinha 12 anos, ela costuma dizer em entrevistas que seu pai, um tocador de clarinete, foi sua maior inspiração. Formada em língua inglesa pela tradicional Wesleyan University de Connecticut, em 1999, começou a carreira como funcionária da PepsiCo, na qual coordenou o projeto de um festival de música, e de lá não parou mais de crescer. O emprego seguinte foi como diretora de marketing da Beats Music, a fabricante de fones de ouvido do rapper Dr. Dre comprada em 2014 pela Apple em um acordo de US$ 3 bilhões. Há quem diga que foi Bozoma que preparou a empresa para o “abate” da fabricante do iPhone – que a contratou tão logo o negócio foi efetivado.
Nos Estados Unidos é creditada por fazer uma ponte entre os interesses daqueles que trabalham no Vale do Silício, a região do país que concentra as sedes das principais companhias de tecnologia, e os do público em geral, que ela entende como poucos. Considerada uma das 100 pessoas mais criativas do mundo pela revista Fast Company, adora participar de eventos nos quais fala sobre suas estratégias e conquistas.
Recentemente, ela lançou um evento virtual – o #ShareTheMicNow – no qual mulheres negras são incentivadas a usar o Instagram para promover hits criados por artistas negras. No primeiro ano, a iniciativa com pegada empoderadora rendeu mais de 17 bilhões de interações na rede social.
De certa forma, a contratação da CMO pela Netflix é um sinal de uma tendência cada vez mais em alta entre os principais players do showbiz: foi-se a época dos executivos engravatados que não sabem se comunicar com os próprios clientes e pensam apenas em satisfazer os acionistas.
“Estou emocionada de me juntar à Netflix, especialmente no momento em que criar narrativas é extremamente importante para o nosso bem-estar social e global”, afirmou Bozoma em comunicado. “A cultura pop e o entretenimento podem ser vistos como superficiais por algumas pessoas, mas estão longe de ser isso. São, na verdade, a língua que todos falam, um ponto de conexão entre as pessoas de todos os lugares do planeta.”
Seu maior desafio será fazer frente a Disney+, serviço de streaming lançado há menos de um ano pela Walt Disney Company (a maior empresa de mídia do mundo), que conta com quase 74 milhões de assinantes em vários países (inclusive no Brasil, onde se associou à Globoplay).
“Bozoma Saint John é uma profissional de marketing exemplar que entende como conduzir debates sobre a cultura popular melhor do que quase todo mundo”, elogiou, também em comunicado, o todo- -poderoso Ted Sarandos, diretor de conteúdo da Netflix e número 2 no comando da empresa depois do CEO e acionista controlador Reed Hastings.
Dizer que Bozoma faz sucesso porque sabe transformar o tão comentado e, por vezes, demonizado “politicamente correto” em lucros não seria um exagero. Por mais clichê que possa parecer, a responsabilidade social das grandes empresas de uns tempos para cá se tornou fundamental para que as megacorporações mantivessem suas atividades e ainda pudessem ter perspectiva de futuro. Em resumo, ninguém quer mais consumir produtos e serviços de companhias que não prezam pelo bem comum.
Viúva desde 2013, depois de perder seu marido, Peter Saint John, para um câncer, e mãe de uma filha que costuma chamar de “maior conquista” de sua vida, Bozoma acredita que seu trabalho como promoter de séries e afins se torna fácil diante do catálogo de atrações hypadas de sua empregadora, mas também traz grandes responsabilidades.
“Marcas são como pessoas: têm personalidade única, e como tal erram e acertam. Precisam entender como estar em sintonia com os temas atuais e que não dá para se esconder de pautas difíceis. É melhor falhar logo, corrigir rapidamente e aprender com esses erros. Mais: é preciso encorajar esses temas difíceis”, ela disse, também em nota, sobre o novo desafio.
“O termo diversidade não significa nada como pauta. Temos de ser mais específicos: precisamos trazer para a conversa mais negros, latinos e LGBTs. Ao falarmos de diversidade, é comum as pessoas pensarem que não fazem parte do problema. Mas se questione. Se todos os seus amigos são parecidos com você, você faz parte, sim, do problema. Significa que não está atuando para mudar a situação. Contrate pessoas diferentes das usuais porque existem muitos pontos de vista”, completou a estrela em ascensão.
Por enquanto, o público concorda com ela, e só mesmo o tempo dirá se sua simpatia e talento continuarão tendo o efeito positivo que se viu até aqui.