Revista Poder

Investidores fazem do mercado pet BRIGA DE CACHORRO GRANDE

Ilustração Getty Images

Por Mariana Weber

Era o dia 12 de março de 2020. A Petlove, maior e-commerce pet do país, tinha acabado de estabelecer o home office para seus funcionários. Com o início da pandemia de Covid-19, trabalhar de casa era um fato extraordinário ao qual as equipes ainda precisavam se adaptar. Mas logo outro seguiu: “Nas primeiras horas do dia percebemos um aumento de 300% nas vendas”, lembra Marcio Waldman, fundador e CEO da Petlove. “E seguimos assim por vários dias. Depois foram caindo, mas não para o mesmo nível de antes.”

A corrida para abastecer a casa e a família que se viu nos supermercados no começo da pandemia teve seu equivalente no comércio voltado para os animais de estimação. Um reflexo natural, quando se leva em conta que eles são cada vez mais tratados como gente: a humanização é uma das grandes tendências do setor, levando ao lançamento de produtos e serviços derivados daqueles desenvolvidos para crianças – ou “filhos não pets”. Estamos falando de creches a brinquedos, de pirulitos a carrinhos de transporte e acessórios fashion.

“O cão, uns 15 anos atrás, nem era chamado de pet. Era uma forma de proteção de propriedade ou de pessoa”, diz Waldman. Agora ele é pet, mantido por um tutor, e não por um dono, termo em desuso no setor. “Em um estudo que encomendamos no início do ano, mais da metade dos respondentes disse considerá-lo como filho ou membro da família. Essa humanização tem impactado positivamente o mercado, que já mostrou que é resiliente e está em sua melhor fase. Tem crescido em média 11% nos últimos cinco anos.”

Marcio Waldman, fundador da Petlove || Crédito: Divulgação

A Petlove cresce mais. Criada por Marcio Waldman em 1999, na primeira onda da internet caminhou lentamente até 2011, quando o veterinário de formação percebeu que ou arrumava investidor ou seria engolido pelos grandes que chegavam ao mercado on-line. Algo semelhante já tinha acontecido com sua clínica veterinária no Bom Retiro, fechada em 2005 depois que os clientes migraram para uma Petz aberta nas redondezas. Mas Waldman conseguiu os investidores e, de lá para cá, seu faturamento cresceu 135 vezes. De 2019 para 2020, o aumento previsto é de 80%, levando em conta que, durante a pandemia, se revisou para cima o faturamento anual, de R$ 440 milhões para R$ 540 milhões.

Neste ano, uma nova rodada de investimentos trouxe R$ 375 milhões de L Catterton e SoftBank (leia mais sobre a companhia de Masayoshi Son na pág. 50). O aporte permitiu fazer aquisições – como a da Vetus, empresa de software que oferece um sistema de gestão para clínicas e pet shops – e investir em reforço do time e melhorias em infraestrutura. Com 650 colaboradores (100 contratados durante a pandemia), 24 mil metros quadrados de área de armazenagem (em dois centros de distribuição no sul de Minas Gerais, um em Recife e um hub em São Paulo), a Petlove quer se tornar um ecossistema digital para resolver “todas as dores do pet”. Oferece, por exemplo, uma plataforma white label em que pet shops podem montar seus próprios e-commerce – já são 2.500 parceiros cadastrados.

Hoje a Petlove conta com 40% do mercado pet online. Já foi mais. Porque outros concorrentes ingressaram na disputa ou pegaram uma fatia mais parruda do bolo. É o caso da Zee.Dog, que surgiu em 2012 com o propósito de criar acessórios cool que refletissem o estilo dos humanos tutores e em 2019 lançou o serviço de entregas Zee.Now. Um aporte de R$ 100 milhões recebido da TreeCorp no último mês de julho trouxe fôlego para expandir o novo negócio no Brasil e nos Estados Unidos.

Os sócios da Zee.Dog Rodrigo Monteiro, Felipe Diz e Thadeu Diz junto com o mascote Theo || Crédito: Divulgação

Outro concorrente digital de peso é a Petz, a mesma que atraiu os clientes do consultório de Marcio 15 anos atrás e que hoje é a maior rede em número de lojas. Depois de entrar para a bolsa de valores em setembro, a Petz divulgou ter crescido 51% em receita bruta no terceiro trimestre de 2020 em relação ao terceiro trimestre de 2019. Outro destaque: as vendas digitais quintuplicaram e passaram a representar 25,5% da receita (contra 7,8% do mesmo período de 2019). A expansão não foi apenas on-line. Nos últimos 12 meses, foram inauguradas 25 novas lojas físicas, chegando a um total de 124 em 15 estados e no Distrito Federal.

“A pandemia reforçou duas tendências já existentes. Com o isolamento social e a permanência por mais tempo nos lares, intensificou-se a proximidade entre tutores e pets”, declarou Sergio Zimerman, fundador e presidente da Petz, na divulgação dos resultados. “Além disso, aprofundou-se a mudança de hábitos de consumo das pessoas, do varejo físico para os canais digitais, levando a participação das nossas vendas digitais a um patamar que, antes da pandemia, prevíamos que só seria atingido em cinco anos.”

Sérgio Zimerman, CEO da Petz || Crédito: Roberto Setton

Os números da Petz apontam para uma integração cada vez maior entre os canais on-line e off-line, algo que se vê no mercado como um todo. “Com o crescimento do e-commerce, havia a preocupação de que ele pudesse canibalizar lojas físicas das redes, mas o que se viu foi o contrário: cada nova loja física se torna um novo centro de distribuição e aumenta o alcance das vendas on-line, elevando a eficiência da operação”, explica Angélica Salado, gerente de pesquisas da Euromonitor International.

Dados da Euromonitor mostram que o Brasil é o terceiro maior mercado para produtos pet, com US$ 6 bilhões em 2020, atrás de Estados Unidos e China. Mas não é apenas o tamanho que o coloca em destaque. O país tem também características próprias, ou pelo menos acentuadas. Tendências como a oferta de produtos premium, por exemplo, são globais, mas por aqui ganham tons mais fortes. “Imaginava-se que com pandemia poderia haver um downgrade, para rações mais acessíveis ou menos brinquedos. Mas cada vez mais a gente percebe que o segmento de pet para o brasileiro é considerado essencial”, conta Angélica. “O que se viu foi uma aceleração de categorias relacionadas ao bem-estar do animal, como produtos para higiene, lazer e desenvolvimento cognitivo.”

Segundo a pesquisadora, isso tem a ver com o movimento demográfico do país. Temos menos filhos, mas temos mais pets tratados como filhos. Estamos dispostos a pagar mais para dar a eles alimentos com ingredientes saudáveis. E, como temos menos espaço quando vivemos em centros urbanos, optamos mais por gatos ou cães de raças pequenas. Ou, se queremos cães de grande porte, pagamos para que tenham acesso a uma estrutura que lhes ofereça bem-estar, como serviços de passeadores, centros de convivência e estabelecimentos pet friendly em que a família pode se divertir unida. Uma visita a uma megaloja de pets, com arquitetura desenvolvida especialmente para recebê-los, serve como passeio.

Pet shops de bairro também são pequenos pontos de convivência, mas, durante a pandemia, sofreram especialmente com a crise e muitos deles fecharam. O movimento atual é de concentração e migração para o on-line. Outro destaque é o aumento de espaço para produtos pet no varejo tradicional – supermercado, hipermercado ou “atacarejo”.

Pioneira no formato de megastore, a Cobasi surgiu em 1985 como negócio de produtos agropecuários e cresceu junto com o mercado de rações para animais de estimação – “Em 1985, praticamente não tinha ração: o animal comia restos da comida”, diz a gerente de marketing da Cobasi, Daniela Bochi. A empresa foi e adequando na medida em que via se estreitar o relacionamento entre o tutor e o cão ou o gato.

Daniela Bochi, gerente de marketing da Cobasi || Crédito: Divulgação

Agora os tutores estão mais cuidadosos, escolhem produtos com atenção e demandam mais informação. Por isso, a Cobasi tem uma diretoria de educação. “Um diferencial é ter especialistas no chão da loja”, diz Daniela. Em outra frente, criou-se o Cobasi Labs, área de inovação e tecnologia composta por equipes multidisciplinares para o desenvolvimento e implementação de produtos e serviços voltados para melhorar a experiência de compra dos clientes e acelerar a integração on e off. O e-commerce existe há dez anos, mas há dois se tornou um dos grandes focos da empresa. A expansão física também continua, com outro novo departamento criado especialmente para impulsioná-la. “Mantivemos o plano para 2020, que era inaugurar 20 lojas. Foram nove até agora (totalizando 106), porque as obras atrasaram. E esperamos inaugurar 30 em 2021.”

A Cobasi era, até 2019, a líder em faturamento, fechando o ano com R$ 1,3 bilhão. Para 2020, prefere não divulgar previsões. Empresa familiar, passa por um movimento de profissionalização da gestão, com os fundadores “delegando mais” para as diretorias, segundo Daniela. Investimentos externos, de acordo com ela, não estão previstos, embora a companhia não se feche para oportunidades que possam surgir. “Um dos orgulhos que a Cobasi tem é de ser 100% brasileira. E ainda tem capacidade de fazer sua expansão com capital 100% próprio.” Mas, que o mercado está mais competitivo, isso está. “Em megalojas, há duas grandes redes com números parecidos. A gente briga ali na unha, loja a loja, real por real, porcentagem por porcentagem.”

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