Por Anderson Antunes
O ano de 2020 começou com as bolsas de todo o mundo dando sinais de que um novo boom econômico estava por vir, um sentimento que era palpável mesmo no Brasil, entre a turma da Faria Lima. Até que em março veio a pandemia de Covid-19, que em pouco tempo ocasionou uma queda raramente vista no número de bilionários do planeta. Resultado: pela primeira vez desde a grande crise anterior, a do subprime, de 2008, o clube dos dez dígitos diminuiu consideravelmente. Mas esse downsizing não foi duradouro o suficiente para causar estragos generalizados.
A apenas um mês do fim do ano, já é possível dizer que 2020 foi, na verdade, um dos melhores anos para os bilionários em muito tempo. As fortunas somadas dessa turma chegaram a US$ 10,2 trilhões recentemente, de acordo com um relatório divulgado pelo banco suíço UBS. Trata-se de um valor recorde, sendo que o anterior, de US$ 8,9 trilhões, data de 2017. Não apenas essas pessoas, as mais ricas do mundo, recuperaram seu patrimônio, como, em alguns casos, fizeram-no crescer. E isso aconteceu no mundo inteiro, e o Brasil participou da festa.
De maneira geral, grandes nomes ligados ao universo da tecnologia e do varejo, como Jeff Bezos (Amazon), Bernard Arnault (LVMH), além dos chineses Ma Huateng (maior acionista da gigante de internet e da comunicação Tencent), cujo patrimônio aumentou quase US$ 20 bilhões em questão de meses, e Qin Yinglin (maior produtor de porcos do mundo) foram os grandes destaques desse “show dos bilhões”.
No Brasil, um dos casos mais notórios foi o de Luiza Helena Trajano, maior acionista e presidente do conselho de administração do Magazine Luiza. A gigante varejista, que anos atrás resolveu nadar contra a maré em que estavam seus concorrentes ao apostar as suas fichas no e-commerce, finalmente colheu os frutos da ousadia: suas vendas on-line durante a pandemia chegaram a aumentar, compensando a queda brutal de receitas nas lojas físicas, razão pela qual seu valor de mercado na bolsa disparou. E Luiza Helena, que começou 2020 com estimado US$ 1,7 bilhão de patrimônio pessoal, agora tem o triplo disso, o que faz dela a mulher mais rica do Brasil.
Tão impressionante quanto a situação positiva do Magalu é a da WEG, a fabricante de motores elétricos de Santa Catarina. Com uma alta de quase 140% em sua ação negociada no Ibovespa, a empresa formada por um trio de descendentes de alemães de Jaraguá do Sul foi a companhia de capital aberto que mais se valorizou na bolsa brasileira neste ano. É possível que alguns de seus acionistas terminem o ano com fortunas individuais acima de US$ 1 bilhão, o que nenhum deles, digamos, vai gostar, uma vez que todos são discretíssimos e odeiam aparecer na mídia.
Responsável pela compilação de um dos mais famosos rankings de bilionários do planeta, a revista americana Forbes afirma que existem 50 deles no Brasil atualmente. Há sete meses, eram 37. Um deles, o banqueiro Aloysio de Andrade Faria, morreu em setembro. Suas fortunas somadas saltaram de US$ 124,2 bilhões em março para os atuais US$ 161,7 bilhões, um aumento de 30%. Em contrapartida, o PIB brasileiro deverá sofrer uma retração de até 8% neste ano, ao passo que o PIB global cairá estimados 4,4% de acordo com o Fundo Monetário Internacional.
Se tal bonança vai continuar no mesmo ritmo, ninguém sabe ou quer dizer. Mas ao menos os banqueiros que cuidam dos patrimônios dos muito ricos torcem para que sim, já que eles também estão ganhando rios de dinheiro com o enriquecimento de seus clientes. Caso do próprio UBS, que sempre mantém um olho nas movimentações financeiras dessa elite econômica. O banco suíço, líder mundial em gestão de patrimônio, reportou dias atrás seus melhores resultados em uma década. Goldman Sachs e outros grandes players do segmento deverão divulgar performances similares nas próximas semanas.
De acordo com o Financial Times, 257 pessoas se tornaram bilionárias neste ano, em muitos casos seguindo conselhos de seus gestores para comprar ações que perderam valor no auge da crise causada pelo coronavírus e que viriam a se recuperar rapidamente. O jornal britânico também revelou um caso notável de dois irmãos, um que vendeu tudo o que tinha no pior momento da crise, e o outro que preferiu manter seu portfólio. Adivinha qual deles ficou bilionário.
Outro ativo que bombou na pandemia foi o ouro, que previsivelmente se valoriza em momentos de grande incerteza global. Neste caso, os grandes bancos, que controlam os maiores estoques do metal precioso, lucraram em dobro com transações feitas por seus clientes, já que retêm comissões sobre vendas e ainda cobram taxas para manter guardado o ouro em seus cofres.
Em comparação, a crise de 2008 também gerou momentos de instabilidade tidos como grandes oportunidades por muitos investidores profissionais, mas o que se viu em tempo de Covid-19 não se iguala aquele período. Muitos já se preparam para o estouro de uma eventual bolha, enquanto a maioria ainda acredita que é possível lucrar mais. Do outro lado do espectro, as pessoas que formam o grosso da população do planeta lidam com situações bem menos animadoras, como o desemprego desenfreado e a queda acentuada de sua renda básica.
Como se vê, 2020 será para sempre um ano de paradoxos.
SOBE E DESCE
Jeff Bezos se manteve imbatível no 1º lugar da lista dos donos das maiores fortunas do mundo, mas uma dança das cadeiras ocorreu entre os outros colocados no ranking desde o começo da pandemia, em março