Revista Poder

Criminalistas José Luis Oliveira e Rodrigo Dall’Acqua abrem escritório “butique” para dar ainda mais atenção – e afeto – aos poderosos que defendem

José luis Oliveira Lima e Rodrigo Dall’Acqua // Crédito: João Leoci

Celebrada dupla de criminalistas do país, José Luis Oliveira Lima e Rodrigo Dall’Acqua estreiam escritório de advocacia em formato “butique” para dar ainda mais atenção – e afeto – aos poderosos que defendem

por paulo vieira e dado abreu fotos joão leoci

Embora adore samba e tenha uma paixão pela Vai-Vai, a mais famosa escola de samba paulistana, o advogado criminalista José Luis Oliveira Lima, 53 anos, não ouve o gênero preferido em sua sala quando recebe figuras encrencadas com a Justiça em busca de seus préstimos. Nessas horas, Juca, como é conhecido, prefere algo mais default: música clássica.

A sala é novíssima, assim como o escritório. Depois de 30 anos no simbólico Edifício Itália, no centro de São Paulo, ele se mudou em agosto para as cercanias da avenida Paulista. Mais importante, deixou uma sociedade com outros medalhões da advocacia para se concentrar numa formação mais “butique”, como diz. Trouxe como sócio consigo apenas um dos velhos parceiros, Rodrigo Dall’Acqua, que ele próprio empregou, década e meia atrás, quando se preparava para cuidar do caso que reputa como o mais importante de sua carreira.

O caso era a famosa Ação Penal 470 – mensalão, no popular; o cliente, o ex-deputado federal José Dirceu; a tribuna, a mais alta corte, o Supremo Tribunal Federal. “Eu era o primeiro a falar e não podia errar, ter um piripaque, desmaiar. Não podia fazer uma sustentação oral pífia”, disse a PODER em seu novo local de trabalho. Juca não livrou Dirceu da condenação – considera que o julgamento não foi exatamente “técnico” –, mesmo tendo feito, segundo ele, “a melhor preparação intelectual e emocional” de toda a carreira.

Malgrado a derrota, a sustentação oral colocou o sobrenome Oliveira Lima na plêiade dos criminalistas brasileiros. É bem verdade que Juca é de uma linhagem deles. Seu pai é Areobaldo Espínola de Oliveira Lima Filho, morto em 2017, que fundou banca penalista pioneira no atendimento a instituições financeiras; seu tio, o ex-ministro da Justiça de FHC José Carlos Dias; outro tio, Rubens Oliveira Lima, é desembargador aposentado do TJ paulista e ainda advoga. Foi o ocupado Dias que acabou por indicar o sobrinho a Dirceu, que queria inicialmente o ex-ministro em sua defesa.

QUARTO DE HOTEL
Muita água rolou desde aquele segundo semestre de 2005 em Brasília quando Rodrigo Dall’Acqua, então recém-formado na PUC-SP, se incumbia de escrever as petições dentro do quarto de um hotel, enquanto Juca comandava a estratégia para impedir a cassação de Dirceu na Câmara Federal. “Rodrigo é rápido e escreve divinamente”, diz o sênior, que na entrevista de admissão afirma já ter percebido no futuro sócio alguém “brilhante”. Novos clientes se sucederam, de J. Hawilla a Rodrigo Rocha Loures; de Salvatore Cacciola a Roger Abdelmassih; de Erton Fonseca, da Galvão Engenharia, a Léo Pinheiro, da OAS. Muitos desses acabaram por contratar o escritório para fazer o acordo de colaboração com o Ministério Público, instrumento no Brasil mais conhecido como “delação premiada”, que, acoplado à lei das organizações criminosas, homologada por Dilma Rousseff em 2013, acabou por dar estofo legal e a estamina necessária para a Operação Lava Jato fazer e acontecer. Na época do mensalão, Juca era contra o instrumento e não via com bons olhos o contato direto do réu com o Ministério Público sem a participação mais efetiva do juiz. A PODER ele diz que sua visão do acordo de colaboração “evoluiu” para um “exercício do direito de defesa”, uma “confissão dos pecados” do réu. “O acordo é positivo. Pode desmantelar organização criminosa, vale para o colarinho branco, para o PCC, para o tráfico de drogas. O problema é celebrá-lo para um preso que não terá garantias de vida, que pode ser assassinado dois dias depois.”

A Lava Jato trouxe em seu manto supostamente purificador uma proliferação de prisões preventivas que se arrastam por semanas ou meses – a tal “antecipação da pena” –, a espetacularização das operações e até mesmo ataques aos advogados de defesa. Tudo isso acabou por modular o discurso de Juca em relação ao acordo de colaboração. “Há um monte de ajustes a ser feitos. As regras precisam ser claras, o Ministério Público tem de ter mais certeza do que quer e os juízes precisam ficar distantes das tratativas”, diz.

JUSTIÇA SOCIAL
Algumas imagens do início de carreira calaram fundo na vida profissional de Juca. Como a da Casa de Detenção de São Paulo vazia, recém-desativada, visitada em companhia de José Carlos Dias; e a do tratamento dado aos familiares de presos num dia rotineiro de visita. Ele, que começou literalmente como advogado de “porta de cadeia”, como diz, presenciou “presos humilhados, suas mulheres grávidas humilhadas”. “O sistema penitenciário parece que foi feito para humilhar o ser humano.”

Juca diz que não tem tolerância com a “covardia” e critica pesadamente boa parte da elite brasileira que parece ir a restaurantes para “desfilar” e “tratar garçons como não se deve tratar ninguém”. “Arrogante, preconceituosa, pobre intelectualmente e autoritária”, essa elite, segundo ele, “só quer saber do próprio bolso e não percebe a concentração absurda de renda” que marca o país. São essas pessoas que ele diz ter orgulho de não representar – na sua visão todas as pessoas que defendeu jamais agiram com covardia. “Não faço julgamento do meu cliente.”

A justiça social que parece brotar caudalosa e impoluta desse discurso não foi a pulsão que o levou à advocacia. “Eu gosto da advocacia criminal, ponto. Gosto de defender, debater com o Ministério Público, ir contra esse julgamento que as pessoas fazem.” Mesmo assim, Juca concede que o tratamento conferido ultimamente a réus em julgamentos criminais o perturba mais do que nos anos de formação. Agora não são apenas algemados, são algemados também nas pernas, com rigor extremado. “Parece que uma parcela da magistratura deixou de ter compaixão.”

Juca reconhece que essa parcela da magistratura de alguma forma se untou com o bálsamo lavajatista e por isso concorda com certas medidas da lei de abuso da autoridade, como aquela que responsabiliza criminalmente agentes por prisões injustificadas ou por expor denunciados às câmeras de TV. Por outro lado, lamenta o teor do pacote anticrime brandido dia sim, dia sim, pelo ministro da Justiça e aprovado pela Câmara com a exclusão das principais proposições de Moro, como o excludente de ilicitude. “É raso, sem fundamento, sem estudo e não abrange o sistema penitenciário, em que há um índice brutal de pessoas que deixam o cárcere para reincidir no crime. Não há condições mínimas para o cidadão se ressocializar.” Rodrigo concorda: “É um projeto pouco inteligente, nada inovador, que tende a aumentar a população carcerária do país. E na questão do acordo [de colaboração, o chamado plea bargain], ele é mais restritivo do que os que vêm sendo celebrados com o Ministério Público”.

Juca tem quatro filhos, dois deles já começando a trabalhar em seu escritório. Diz que o sócio será responsável por “cuidar” deles e que tê-los sob o mesmo CNPJ, digamos, é uma “delícia”. A lógica da mudança para o formato “butique” passa por essa transferência de bastão geracional. Ele está feliz no espaço menor – os dois andares do centro viraram apenas um na alameda Santos – em que “todos podem se encontrar no café” e que a ideia de pertencimento está bastante introjetada. “A vitória não é do advogado José Luis Oliveira Lima, é de todo o escritório.”

Qual uma música de Adriana Calcanhotto, Juca vê em Rodrigo uma figura complementar, ideal para esse novo marco de carreira. “Sou mais atirado, ele é mais cauteloso. Dou a estratégia e ele já começa a escrever, logo vem com um boneco da peça pronto. Rodrigo é mais formal, mais alemão. Acho que eu o ensinei a abraçar, a tocar, a dar colo”, diz. “O advogado criminalista precisa dar colo, precisa dar afeto para os clientes, a sociedade os vê como lixo. É por isso que nos tornamos amigos deles no final.” Fora do escritório, um pouco mais de queijo com goiabada: Juca não esconde que “adora a boemia”; Rodrigo prefere guardar o descanso no recato do lar.

ESTRELA
Ter defendido Léo Pinheiro, cuja delação foi responsável por incriminar o ex-presidente Lula, torna pouco verossímil a narrativa de que Juca traz no peito um coração em formato de estrela vermelha. Mas a longeva relação com José Dirceu firmou essa imagem, e o advogado é eventualmente hostilizado por simpatizantes de um arco partidário agora um tanto mais amplo. Nessas horas, ele vê os contendores da ala conservadora como “mais inadequados” e para evitá-los procura frequentar os mesmos restaurantes de sempre, além de adotar uma política de contenção na internet. Quando acha que as coisas “passam do tolerável”, a ameaça de um processo serve para “assustar” o interlocutor. “As pessoas são covardes.”

E para quem pensava que a conflagração dos últimos anos no Brasil tendia a amainar, a saída de Lula da prisão de Curitiba com um discurso beligerante preocupou. O momento, segundo Juca, é de buscar algum tipo de conciliação. O advogado, que tem “dificuldade em compreender como alguém pôde votar em Jair Bolsonaro”, acha que uma polarização entre o atual presidente e Lula, que na sua opinião tem chance de se tornar novamente elegível, seria um “desastre ao cubo”.

Nos fóruns políticos e mesmo no Twitter a frase “as instituições estão funcionando” já virou um bordão cínico. Mas a tese segue de fato bastante aceitável, e, com efeito, o repúdio do Legislativo às reiteradas evocações às leis de exceção parece afirmá-lo. De qualquer forma, Juca e Rodrigo veem problemas no Supremo com as bruscas mudanças de entendimento sobre um mesmo tema e a dissonância de vozes; e no comando do Executivo há hoje nada menos do que uma “aberração”. “A democracia, de vez em quando, produz estadistas – aqueles políticos com a sabedoria necessária para afastar a demagogia e a capacidade de construir alternativas que amadureçam as nações. Noutras, conduz a aberrações, como os Bolsonaros e Trumps vêm corroborar”, registrou Juca em artigo na Folha de S.Paulo. O texto, publicado em julho de 2019, servia como desagravo ao presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, alvo da hora do presidente da República. Curiosamente, Juca não vinha poupando a OAB de críticas severas por suas omissões e perda de protagonismo. Isso pode estar finalmente a mudar com Santa Cruz. Em “tempos sombrios”, para usar novamente a imagem do artigo da Folha, enfim uma “agradável surpresa”.

VAZANTE
Embora sejam amantes da liberdade de imprensa e no caso de Juca bastante ligado também na vida pessoal a jornalistas, os sócios do Oliveira Lima & Dall’Acqua têm de lidar constantemente com clientes que têm certa aversão ao jornalismo. O vazamento de dados de contas bancárias físicas e jurídicas de brasileiros em paraísos fiscais como o Panamá – escândalo que ficou conhecido como The Panama Papers – trouxe consternação a correntistas representados pelo escritório. “Há um conflito entre o direito de a imprensa usar os vazamentos e o direito à privacidade de quem tem seus dados vazados”, diz Rodrigo. “Quando esses dados são roubados e usados como prova, trata-se de prova ilícita.” Para o advogado, a chamada “Vaza Jato”, a copiosa compilação de mensagens trocadas por promotores da Lava Jato divulgada pelo site The Intercept, “tangencia um pouco” o caso The Panama Papers. Há expectativa sobre como o STF irá se pronunciar sobre a imparcialidade do ex-juiz Sergio Moro nos julgamentos do ex-presidente Lula na Lava Jato. É a validade da prova – obtida por interceptação eletrônica – que, afinal, estará em jogo.

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