Por Paulo Vieira / Fotos João Leoci
O cânone da nova liderança corporativa prega que o profissional erre frequentemente para que o acerto surja retumbante, lindão e inexorável, desde que a necessária correção de rota se faça sem demora. Também roga que o executivo ganhe rodagem em empresas de setores diferentes antes de assumir posições de comando.
Este último postulado não é respeitado na sucursal brasileira de uma das maiores companhias de tecnologia do mundo, a Oracle. Desde junho de 2017 como presidente da filial tapuia, o paulistano Rodrigo Galvão, hoje com 37 anos, jamais teve qualquer experiência profissional fora de lá. Formado em administração de empresas pela PUC-SP, filho (e irmão) de jornalistas – informação que nunca deixa de surpreender seus entrevistadores –, ele ingressou na Oracle da maneira mais trivial possível, em resposta a um classificado lacônico que viu no mural da faculdade. A posição era para a área financeira, e ele tinha 19 anos e nenhuma ilusão de que o nível apenas competitivo de seu tênis faria dele um sucessor do Guga ou mesmo do Meligeni.
Parece a mais genuína conversa para boi dormir, mas em 17 anos de Oracle – 100% de sua vida profissional –, Rodrigo diz jamais ter precisado fazer muito mais do que ser quem ele é para galgar posições. “Eu sou prova de que não é necessário seguir padrões para chegar a uma posição de destaque. Dezessete anos numa mesma empresa não é [algo] comum, especialmente para um millennial. Diziam que eu tinha de sair da Oracle para ganhar musculatura, que precisaria estudar fora do Brasil, mas cada um tem sua história, cada um tem sua jornada. É possível chegar a uma posição destacada desde que você seja quem você é de verdade”, disse Rodrigo a PODER no prédio principal da Oracle, na zona sul de São Paulo.
Com efeito, é exatamente a frase “seja quem você é de verdade” que Rodrigo costuma ofertar aos muitos que o procuram em busca de conselhos profissionais. A formulação pode soar simplória ou pueril, como também soam, não por acaso, alguns enigmáticos koan budistas e certas parábolas bíblicas. Caso preferisse reproduzir a frase preferida do fundador da Oracle, o americano Larry Ellison, sétima maior fortuna do mundo segundo a revista Forbes (veja box), Rodrigo diria o seguinte: “Eu tive todas as desvantagens necessárias requeridas para o sucesso”.
Por aqui a filosofia da autenticidade de Rodrigo ensina que para navegar no mundo corporativo, além de conhecer-se muito bem, é preciso estar muito atento aos sinais. Rodrigo passou sem vacilação pelo lugar certo – a área comercial – quando a Oracle viu seu negócio tomar outro rumo. Se depositasse muita energia em desenvolvimento de softwares, como o Java (criado na verdade pela Sun, uma das muitas aquisições da Oracle), estaria a ver navios hoje, já que o mercado anda mais pegado que jogo do Gaúchão. E muito mais variado. O negócio agora é gerenciar dados de clientes na nuvem, e para isso é crítico investir pesadamente em datacenters, especialmente quando se tem como maior concorrente no segmento a Amazon; é fundamental também potencializar o uso da inteligência artificial para reduzir ou eliminar decisões humanas no manejo de montanhas de informações; seguir no aprimoramento de soluções de gestão (ERP), aqui batendo contra gigantes como a SAP e até a brasileira Totvs; e ainda ampliar a carteira de clientes mais modestos, oferecendo-lhes soluções cada vez mais simplificadas e seguras, mas sem abrir mão de toda a tecnologia disponível, como o blockchain.
Em suma, por mais agradável que seja o prédio da Oracle, ali não parece ser o melhor lugar do mundo para passar uma tarde descompromissada.
YIN E YANG
Quem ouve Rodrigo falar que “o papel do líder é despertar nas pessoas o ‘algo a mais’ que as faz acordar para vir exercer suas funções com brilho no olhar”, como ele disse a PODER, certamente fica esperando a hora em que a infalível conjunção adversativa irá conduzir ao “no pain, no gain” do velho discurso do realismo corporativo. O número 1 da Oracle Brasil de fato acredita que “não existe empresa apenas feliz, é preciso ter resultado”, mas não subordina o “gain” ao “pain”. Seu pensamento está mais para a complementaridade dos pares yin e yang do taoísmo chinês, em que uma coisa, mais do que levar à outra, é a outra. Para Ricardo Belo, sócio e consultor da EY, a principal vantagem de ter um executivo jovem como Rodrigo no comando de uma operação é a “energia” que ele possui para “mover o negócio e contaminar as pessoas”. Por outro lado, a falta de vivência própria da idade pode fazer com que o profissional tenha a “necessidade de se provar”, o que demanda carga extra de inteligência emocional.
O que aprendemos com o jovem executivo até aqui? Que é preciso ser sincero (consigo mesmo, sobretudo) e que felicidade se confunde com as demandas próprias do trabalho.
Acresça-se ainda a isso um outro princípio: o trampo tem de ser legal – no sentido de “maneiro”. “Passamos de 60% a 70% do tempo de nossa vida no trabalho, então ele tem de ser legal”, diz. Para que a mágica aconteça, ou seja, para que a esmagadora maioria da tigrada que não trabalha por diletantismo goste do que faz, o executivo dá uma pista: é preciso ter certo sentimento de pertencimento. Algo do tipo “não espere que o bebedouro verta água sozinho, coloque o galão nele em caso de necessidade”.
Rodrigo vem fazendo ações para conectar seus liderados com a empresa (e vice-versa) com vistas a aprimorar esse vínculo de pertencimento. Sua primeira medida ao se tornar presidente foi mandar colocar abaixo as divisórias da sala que passava então a fazer jus com a nova posição e pôr-se à disposição dos liderados a “qualquer momento”. Depois, instou a rapaziada a dar, anonimamente, sugestões para a melhoria do ambiente. A ideia era filtrar e levar a debate 11 propostas. No final entraram coisas díspares, do estímulo às mentorias à importância de se dizer bom-dia e boa-tarde ao colega de trabalho. A última regra não parece particularmente difícil de implantar, mas obrigar alguém a fazer algo, mesmo que emitir um cumprimento, não faz a cabeça do gestor: sua liderança é do tipo inspiracional.
Rodrigo posiciona-se contra as cotas, mesmo concedendo que equidade não é a especialidade das empresas brasileiras. Para ele, a propósito, a Oracle não é uma empresa de cultura inclusiva, mas, muito ao contrário, excludente. “Quem não se sentir parte dos nossos valores – respeito, integridade, agilidade e inovação na veia – não tem de estar aqui.” Equidade é um tema candente, e passos foram dados por Rodrigo para que o assunto ganhe força e concretude na Oracle. Como incentivar, inclusive financeiramente, um campeonato interno de futebol feminino. O curioso é que a matriz no Vale do Silício responde a uma rumorosa ação justamente por não fazer o “walk the talk”, expressão muito usada por Rodrigo e que significa, basicamente, cumprir o que é prometido ou professado. Em 2017, a Procuradoria do Trabalho americana abriu processo contra a Oracle por “sistematicamente” remunerar pior suas funcionárias e por dar preferência de vaga a estudantes e recém-formados asiáticos, que, por serem estrangeiros, aceitariam proventos mais baixos. Rodrigo não achou que fosse o caso de discutir o tema com seus liderados. “Cada país tem sua autonomia gerencial.”
PISTA
Um “case” da gestão Rodrigo está relatado no site brasileiro da organização Great Place to Work, que lista as melhores empresas para trabalhar. A Oracle figura há 12 anos seguidos na prestigiosa seleção. Para estimular hábitos saudáveis e economia de energia elétrica, um adesivo contínuo foi aplicado sobre os degraus dos 12 lances de escada do prédio principal, fazendo-a parecer com uma pista de corrida; além disso, Rodrigo, um adepto da bicicleta (elétrica), liderou a implantação de um vestiário com chuveiros e de um estacionamento apropriado para as magrelas. A PODER disse que tempos atrás só ele e mais um ou outro funcionário iam ao trabalho de bicicleta. Hoje são algumas dezenas. Para o executivo, de qualquer forma, esse tipo de ação nem sempre encontra correspondência real no dia a dia dos liderados – seriam eles, neste caso, que não cumprem o walk the talk. “Não adianta dar capacitação se o cara não quiser”, diz. Rodrigo dá como exemplo o “pizza & beer” organizado pela Oracle. Uma vez por mês, pizza e cerveja são servidos gratuitamente após encontro com um convidado – os ex-atletas Gustavo Borges e Belletti, por exemplo, já falaram lá sobre motivação e liderança. “Mesmo com espaço para 100 pessoas, às vezes não tem 30. O ‘walk the talk’ tem de ser nos dois sentidos. Digo às pessoas: eu preciso muito que vocês me motivem, é uma via de duas mãos, quero troca.” É exigindo que seus liderados sejam fiéis a suas próprias ideias, convicções e, talvez mais importante, palavras, que Rodrigo comanda uma empresa que está no cerne da tal transformação digital, expressão, aliás, com a qual não comunga, por considerar o momento atual muito mais “treta”: para ele, vivemos uma transformação “cultural” em que “o digital é apenas ferramenta” das mudanças radicais nas relações comerciais, de consumo e de comunicação. Com isso, em pleno século da transformação, a ênfase de Rodrigo no walk the talk tem um quê passadista. Para caminhar junto com o executivo é preciso ser ponta firme, afinal, com ele, é tudo no fio do bigode.
O TYCOON
Aos 74 anos, o americano Larry Ellison, cofundador da Oracle, é listado como o sétimo bilionário do mundo pela revista Forbes, com patrimônio de US$ 64,2 bi. Inteiramente responsável por erigir sua fortuna, diz haver tido “todas as condições necessárias requeridas para o sucesso”. Dentre elas, crescer em South Shore, subúrbio de classe média de Chicago, onde viveu com sua mãe adotiva e o padrasto decaído, e não ter concluído a faculdade. Ellison deu o passo inicial de sua carreira ao desenvolver tecnologia de database para a CIA – o “projeto Oracle” de que mais tarde tomaria o nome. A empresa cresceu um pouquinho e hoje atende 430 mil clientes em 175 países. Em 2014, ao abdicar do posto de CEO, o executivo não deixou o dia a dia do negócio, já que à posição de chairman agregou a função de CTO, tornando-se o principal executivo de tecnologia da Oracle. Em 2018, o tycoon também comprou um lote considerável de papéis da Tesla, adquirindo junto com eles uma cadeira no board da famosa montadora de Elon Musk.