Por: Paulo Vieira
Fotos: Roberto Setton
Se de graça até ônibus errado, que tal cartão de crédito sem taxa de anuidade? A julgar pela quantidade de clientes que o Nubank, a mais bem-sucedida fintech brasileira, vem amealhando com seu até aqui principal produto, o pessoal gosta muito de ônibus errado – e ainda mais de cartão de crédito.
De 2016 para 2017, a base de clientes da empresa, fundada em 2013 pelo colombiano David Vélez, o norte-americano Edward Wible e a brasileira Cristina Junqueira, todos executivos na casa dos 30 anos, dobrou de tamanho atingindo 3 milhões de pessoas. O perfil do consumidor é jovem, está espalhado pelo Brasil e foi atraído exclusivamente pelo boca a boca ou pela indicação de um amigo ou conhecido que já utilizava o produto. Não havia alternativa: o Nubank não fez investimento em mídia tradicional para comunicar a existência de seu cartão roxo, que se tornou famoso pela cor improvável e pela taxa de anuidade de R$ 0. O serviço de atendimento ao cliente, que consegue preservar o humor do sujeito do outro lado da linha, também contou pontos na popularidade do cartão.
A princípio, o negócio era ortodoxo: só era emitido com a bandeira Mastercard e não acumulava milhas ou pontos para troca por passagens aéreas e outras recompensas. Ortodoxo é eufemismo. A melhor palavra é “pelado”, ou seja, “nu” – Nubank, aliás, vem daí. Com pouco mais de dois anos de existência do produto, surgiu uma versão incrementada: a um custo de R$ 19 mensais o usuário pode acumular milhas. Mas se preferir permanecer na política do ônibus errado, continua a nada pagar (e a não pontuar).
Este ano, após uma nova rodada de captação de investimentos, o Nubank anunciou que se tornava um unicórnio, como são chamadas as startups que alcançam valor de mercado de US$ 1 bilhão. Antes, no Brasil, só a 99 Taxis atingiu o sonhado patamar ao ser vendida para os chineses do conglomerado Didi Chuxing; o PagSeguro, que abriu capital na bolsa de Nova York, também é tratado como unicórnio, mas, por pertencer a uma grande empresa, o UOL, muitos não o consideram parte do “ecossistema” das startups e, portanto, indigno do título. O Nubank chegou lá sem mexer na sua estrutura acionária nem ir ao mercado, mas o passo simbólico não foi celebrado com foguetório no QG da empresa, o colorido prédio da avenida Rebouças, em São Paulo. “É óbvio que ficamos muito contentes em ser uma das primeiras empresas brasileiras e a primeira fintech na América Latina a virar unicórnio, mas nosso objetivo nunca foi esse. Essa é só a primeira página, ainda há muito a fazer”, disse David Vélez, CEO da companhia, em entrevista a PODER.
A história pode não ser exatamente essa, mas Vélez, o protagonista, lhe dá fé, como a reportagem de PODER pôde comprovar na entrevista na sede do Nubank. Consta que o colombiano teve a ideia de sua empresa depois de tentar abrir uma simples conta bancária no Brasil. Ele trabalhava para o fundo global Sequoia, não por acaso o primeiro acionista do Nubank junto com o fundo Kaszek Ventures. Ao notar que tudo era complicado numa agência bancária e que ninguém parecia gostar de estar ali, teve o estalo para a futura fintech. “O Brasil tem um setor financeiro altamente concentrado, no qual, além de as pessoas pagarem um dos juros mais altos do mundo, sofrem com experiências horríveis como consumidores. Quisemos mostrar que era possível oferecer um serviço financeiro diferente do que as pessoas estavam acostumadas e do que eu vivi na pele quando cheguei aqui. Criamos uma experiência digital, com um aplicativo intuitivo que funciona o tempo inteiro, em tempo real”, diz.
Tendo como antípoda a ideia da fila de banco, é natural que grandes investimentos tenham sido feitos em tecnologia buscando rapidez, descomplicação e facilidades para o usuário. E isso, aparentemente, foi alcançado. Da solicitação pelo aplicativo à chegada do cartão pelo correio são poucos dias – e para ter o pedido aceito (ou negado), o que costuma dar mais trabalho é fotografar a cédula de identidade. Depois disso, todos os processos podem ser feitos pelo app, inclusive a reclamação de compras não reconhecidas. A interface é simples e completa. A mágica que o Nubank não fez foi eliminar a análise de risco. Segundo Vélez, cerca de 10 milhões de candidatos a ter um cartão Nubank foram gongados – de cada três propostas, portanto, apenas uma, ou quase isso, tem sido aceita.
No mundo das startups, aproximar-se ou chegar ao primeiro bilhão costuma significar troca de comando ou venda sem piedade da empresa e, em seguida, o início de um novo ciclo empresarial. David Vélez garante que está em outra. Ele se enxerga como agente de uma “revolução no setor financeiro do Brasil”. E há, na verdade, mais gente que vê tal revolução em marcha. “Acho impossível ela não acontecer, pois não são só as fintechs que questionam o mercado financeiro. Há a Amazon querendo montar banco, Facebook com licença para operar pagamentos digitais na Europa, Apple e Samsung com seus sistemas próprios. Não sei se o Nubank vai ser player no Brasil, mas a revolução virá”, diz o consultor Marcelo Bradaschia, do FintechLab. No caso do Nubank, ter conquistado recentemente a autorização presidencial para operar com conta bancária, uma exigência para instituições financeiras de capital estrangeiro, pode ter sido a primeira condição objetiva atendida por Vélez para deflagrar a revolução. “Há mais de 60 milhões de pessoas desbancarizadas no Brasil que podem se beneficiar muito de uma experiência bancária simples e inteiramente digital”, diz.
O Nubank já parte com uma vantagem competitiva, pois tem condições de rapidamente seduzir os 10 milhões de candidatos que acabaram sem aquilo roxo – o cartão de crédito –, e que podem se interessar pela conta bancária. A política de isenção de taxas é idêntica, neste caso ainda com gratuidade nas transferências, mesmo para outros bancos. E o correntista ainda pode faturar algum, pois sua conta irá compartilhar de investimentos em papéis do Tesouro Nacional. Segundo o site do Nubank, a 100% do CDI.
Pelas contas do CEO, seus clientes já economizaram R$ 1,5 bilhão em “tarifas inúteis” e 500 mil horas que seriam perdidas em filas ou em call centers “tentando resolver problemas sem sucesso” – para esse cálculo, Vélez usa uma média de 25 a 30 minutos por atendi¬mento. Com a conta bancária, a economia tende a se potencializar.
Juro e Cãozinho
Embora remunere-se como banco – se não cobra tarifas, tem taxas de juros no rotativo que podem bater nos 14% ao mês e parcelamento da fatura com taxa de até 9,75% mensais –, o Nubank é uma empresa de tecnologia, e todas as soluções para seu app foram desenvolvidas lá dentro. Uma dessas soluções, simplérrima, mas ao mesmo tempo muito útil, é a possibilidade de modificar a razão social do favorecido da compra no extrato, o que ajuda no acompanhamento da despesa. Recentemente, a empresa passou a ocupar um espaço de coworking em Berlim, a primeira sucursal internacional do Nubank, onde, segundo Vélez, é possível recrutar bons profissionais da área de engenharia de dados, uma carência brasileira.
Com tudo isso, o maior contingente de funcionários do Nubank não é de engenheiros ou desenvolvedores, mas de pessoas que lidam com o público. Esse é outro diferencial do Nubank, algo inesperado para uma empresa que busca com sofreguidão aprimorar a experiência digital que proporciona. Viralizaram nas redes sociais atendimentos como o realizado a Walter, cuja cachorra, a Belinha, comeu seu cartão de crédito roxo. Alertado pela postagem dele numa rede social popular entre “cachorreiros”, o pessoal do Nubank não só enviou uma segunda via do cartão a custo zero – outra política default da empresa – como também anexou um presentinho para Belinha. Uma carta escrita à mão explicava tudo direitinho para o cliente. Walter e outros pet friends exultaram e, mais tarde, em suas próprias redes sociais, o Nubank capitalizou: “Esperamos que a Belinha tenha adorado o nosso presente e que não precise mais comer roxinhos por aí”.
Ter uma equipe com habilidade para sacadas desse tipo exige conhecimento de CRM (gestão de relacionamento com cliente, a bola da vez na área de comunicação) e bastante autonomia. E, de fato, a estrutura do Nubank, muito pouco usual, parece favorecer isso. Não há departamentos estanques, mas o que chamam de “squads” (times, em tra¬dução livre), cada um deles composto por profissionais de áreas distintas como CRM, design e tecnologia. Uma ou mais dessas equipes podem estar dedicadas exclusivamente ao processo de fechamento de fatura, por exemplo. Consequência direta disso ou não, em menos de cinco anos de vida o Nubank colecionou alguns prêmios relevantes. Numa seleção muito sucinta, foi considerada uma das dez empresas latino-americanas mais inovadoras segundo a lista de 2018 da incensada revista americana Fast Company (a primeira dentre as quatro companhias brasileiras); antes, em 2016, arrebatou um prêmio outorgado no Vale do Silício, o Marketers That Matter, alinhando-se com gigantes globais como Google, Netflix e GoPro; e já teve seu app premiado mundialmente pela Apple Store.
A acreditar no que hoje dizem dez entre dez gestores, que veem na diversidade de seu capital humano o maior ativo que podem ter, muito das soluções que o Nubank cria possui vínculo direto com sua política de recrutamento. Há ali gente de 25 países diferentes e 40% da “brigada” é feminina, algo incomum numa empresa, nunca é demais lembrar, de tecnologia. A comunidade LGBT in¬terna também é amplamente significativa – talvez a pala¬vra “comunidade” não seja muito adequada aqui.
Para dar conta, ou celebrar tal diversidade, um mapa-múndi cheio de alfinetes decora uma área comum do térreo do prédio do Nubank. Cada nação ou região espetada sugere que há gente oriunda desse lugar na empresa, mas o pessoal andou tomando certas liberdades. Na Groenlândia, por exemplo, um alfinete foi cravado bem no meio daquele imenso território gela¬do, mas até agora não encontraram nenhum esquimó suando em bicas e conspirando alegremente pela revolução roxa na avenida Rebouças.
“O Brasil tem um setor financeiro altamente concentrado no qual as pessoas sofrem experiências horríveis como consumidores”
“Ficamos muito contentes em ser uma das primeiras empresas brasileiras a virar unicórnio, mas essa é só a primeira página, o começo da revolução no setor”
Briga de cachorrões
Para implantar a tal revolução roxa e se tornar um player no concentradíssimo sistema bancário brasileiro, o Nubank vai precisar se armar para brigar com cachorros do tamanho de ursos. A briga, aliás, já começou. A empresa de Vélez denunciou os cinco maiores bancos do país, Bradesco, Itaú, Santander, Banco do Brasil e Caixa por “adotar medidas para impedir a entrada e dificultar a atividade de novos agentes no mercado de emissão de cartão de crédito”. Tais medidas incluiriam, por exemplo, a impossibilidade de correntistas dessas instituições contratar débito automático para pagar o cartão Nubank. Vélez não quis comentar o assunto, mas isso certamente só o estimula a multiplicar sua base de nucorrentistas. Outra arma é a contratação de Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, para atuar como conselheiro estratégico. “Um de seus papéis é contribuir para discussões de assuntos regulatórios e de capital, além de fornecer embasamento macroeconômico para tomadas de decisão”, diz o CEO.
Tecnologia em primeiro lugar
Ter capital humano para desenvolver as próprias soluções digitais é, junto com o atendimento humanizado, o grande ativo do Nubank. Tudo pode ser feito pelo smartphone, inclusive a troca do nome dos estabelecimentos onde são feitas as compras. Acaba, assim, a necessidade de investigar o que são aquelas razões sociais estranhas que aparecem no extrato. Extrato também é coisa do passado, pois as despesas aparecem em tempo real, ou muito próximo disso, no smartphone. “Inovação faz parte do nosso DNA. Somos uma empresa de tecnologia que oferece serviços financeiros. Utilizamos tecnologia e design para desenhar produtos que sejam úteis para os clientes, que permitam que eles tenham o controle sobre suas finanças”, diz Vélez.